{"id":31254,"date":"2016-12-27T17:37:25","date_gmt":"2016-12-27T19:37:25","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=31254"},"modified":"2017-07-09T18:34:47","modified_gmt":"2017-07-09T21:34:47","slug":"o-brejo-a-guerra-e-o-radio","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/o-brejo-a-guerra-e-o-radio\/","title":{"rendered":"O BREJO, A GUERRA E O R\u00c1DIO"},"content":{"rendered":"

Autoria do Prof. Rodolpho Caniato<\/strong><\/p>\n

<\/a><\/strong><\/p>\n

Depois de viver uma inf\u00e2ncia tipicamente urbana em Copacabana, hav\u00edamos mudado para um s\u00edtio em Corrupira, no bairro dos Fernandes. Das luzes do melhor do Rio de Janeiro para a escurid\u00e3o imaculada daquele sert\u00e3o paulista.\u00a0 Eu tinha nove anos. Logo depois se iniciava a Segunda Guerra Mundial. Para mim, as luzes da jovem e vaidosa Copacabana eram substitu\u00eddas pela escurid\u00e3o, pelo c\u00e9u estrelado e tamb\u00e9m pelo luar do sert\u00e3o, coisas que nunca vira nem imaginara. O c\u00e9u da cidade, cuja presen\u00e7a nunca notara, agora se apresentava num esplendor que me deixou deslumbrado. Era preciso aprender a andar na escurid\u00e3o, pelos caminhos r\u00fasticos trafegados apenas a p\u00e9, por carro\u00e7as ou animais. O luar desconhecido na vida da cidade, al\u00e9m da poesia, tornava os caminhos bem vis\u00edveis; mudava muito a vida da gente.<\/p>\n

Das noites no sert\u00e3o ficaram em mim impress\u00f5es e lembran\u00e7as que nunca se apagariam. Al\u00e9m do luar e do c\u00e9u estrelado, a familiaridade com todo um mundo de ru\u00eddos da noite: os latidos distante dos c\u00e3es que guardavam terreiros, as corujas e os curiangos piando seus solos e, como grande \u201cfundo\u201d, o coaxar da saparia pelos brejos. Se todo o mato tem uma grande variedade de ru\u00eddos noturnos, os brejos t\u00eam algo de especial. A\u00ed vivem, numa imensa variedade e proximidade, sapos, sapinhos, sap\u00f5es, r\u00e3s e pererecas, al\u00e9m de aves, cobras, pre\u00e1s e uma multid\u00e3o de insetos a\u00e9reos e terrestres. No ver\u00e3o, essa variedade se enriquece com vaga-lumes que riscam com sua suave luz a escurid\u00e3o da noite. \u00c9 interessante notar que essa espantosa diversidade de seres vivos \u201cd\u00e1 expediente\u201d e \u201cfunciona\u201d plenamente na mais completa escurid\u00e3o.<\/p>\n

Algumas dessas \u201cdescobertas\u201d pude fazer muito cedo, ainda crian\u00e7a. Com um prec\u00e1rio lampi\u00e3o a querosene ou com a mais \u201cavan\u00e7ada tecnologia\u201d da \u00e9poca, um lampi\u00e3o a carbureto. Com ele fazia \u201cexpedi\u00e7\u00f5es\u201d para pescar em pequenos riachos ou para ca\u00e7ar r\u00e3s, logo depois das chuvas. A simples presen\u00e7a de uma pequena luz, n\u00e3o s\u00f3 mostra como alvoro\u00e7a toda a vida do brejo a seu redor.\u00a0 A forte impress\u00e3o da grande variedade e a presen\u00e7a perturbadora da luz sobre a vida do brejo ganhariam no futuro, para mim, um significado muito maior. \u00c9 que meu av\u00f4 paterno, como muitos outros vizinhos, era viticultor, italiano, e andava muito ansioso por not\u00edcias da guerra, que alvoro\u00e7ava toda a vida da Europa e, em particular da It\u00e1lia. Naquele lugar ermo, sem luz, a \u00fanica maneira de obter alguma not\u00edcia seria um r\u00e1dio. N\u00e3o s\u00f3 n\u00e3o se tinha r\u00e1dio como n\u00e3o havia vest\u00edgio de ilumina\u00e7\u00e3o el\u00e9trica na regi\u00e3o. A \u00fanica l\u00e2mpada ficava na distante esta\u00e7\u00e3ozinha de Corrupira, a alguns quil\u00f4metros de casa. Seria preciso arranjar um r\u00e1dio e algo muito mais dif\u00edcil: produzir a necess\u00e1ria energia el\u00e9trica.<\/p>\n

N\u00e3o s\u00f3 me lembro como acompanhei cada passo e ajudei meus tios a montar uma mini hidrel\u00e9trica para fazer funcionar o velho e grande r\u00e1dio que mais parecia um arm\u00e1rio, tendo seu interior preenchido por\u00a0 grandes l\u00e2mpadas: as \u201cv\u00e1lvulas\u201d. Obviamente, se esperava que, al\u00e9m de faz\u00ea-lo funcionar, a mini-hidrel\u00e9trica deveria\u00a0 acender tamb\u00e9m algumas l\u00e2mpadas para diminuir a escurid\u00e3o em que\u00a0 todos viv\u00edamos imersos \u00e0 noite. Depois de semanas de trabalho, finalmente o pequeno \u201cd\u00ednamo\u201d de carro come\u00e7ou a rodar, acionado por uma polia acoplada \u00e0 roda d\u00b4\u00e1gua de uns tr\u00eas metros de di\u00e2metro. Esta por sua vez era tocada pela \u00e1gua, num pequeno desn\u00edvel em nosso regato, que passava pr\u00f3ximo ao brejo.<\/p>\n

Com grande expectativa e ansiedade, o velho r\u00e1dio foi ligado na presen\u00e7a de v\u00e1rios vizinhos que haviam acompanhado e esperado aquela montagem. As ondas curtas s\u00f3 podiam ser sintonizadas \u00e0 noite, mesmo porque de dia todos trabalhavam na enxada. Mais que alguma not\u00edcia fragmentada, o que mais se ouvia daquele r\u00e1dio eram ru\u00eddos: silvos, \u201cpipocas\u201d, assobios, estalos e \u201cdescargas de est\u00e1tica\u201d. Mesmo assim, nossos vizinhos mais pr\u00f3ximos, vinham para saber se se havia conseguido algum fragmento de not\u00edcias da guerra.<\/p>\n

Juntamente com a \u201clinha\u201d constitu\u00edda de dois arames, que trazia e energia el\u00e9trica do d\u00ednamo, instalado l\u00e1 no rio, pr\u00f3ximo ao brejo, meus tios haviam instalado uma l\u00e2mpada para iluminar o caminho para algum reparo \u00e0 noite. Aquela l\u00e2mpada, muito fraquinha, n\u00e3o iluminava muito mais que nossos lampi\u00f5es a querosene. Ela ficava sobre um pequeno poste \u00e0 beira do cominho que, pelo brejo, ia da casa at\u00e9 a pequenina \u201cusina\u201d. Apesar de fraca, aquela l\u00e2mpada, instalada na beira do brejo, alvoro\u00e7ou toda vida que at\u00e9 ent\u00e3o ali se desenrolava normalmente em plena escurid\u00e3o.<\/p>\n

Views: 0<\/p>","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Autoria do Prof. Rodolpho Caniato Depois de viver uma inf\u00e2ncia tipicamente urbana em Copacabana, hav\u00edamos mudado para um s\u00edtio em Corrupira, no bairro dos Fernandes. Das luzes do melhor do Rio de Janeiro para a escurid\u00e3o imaculada daquele sert\u00e3o paulista.\u00a0 Eu tinha nove anos. Logo depois se iniciava a Segunda Guerra Mundial. Para mim, as […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"sfsi_plus_gutenberg_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_show_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_type":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_alignemt":"","sfsi_plus_gutenburg_max_per_row":"","_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[9],"tags":[],"class_list":["post-31254","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-cronicas"],"aioseo_notices":[],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_sharing_enabled":true,"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/31254","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=31254"}],"version-history":[{"count":4,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/31254\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":33102,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/31254\/revisions\/33102"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=31254"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=31254"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=31254"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}