{"id":32764,"date":"2017-06-12T12:23:42","date_gmt":"2017-06-12T15:23:42","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=32764"},"modified":"2017-06-12T12:23:42","modified_gmt":"2017-06-12T15:23:42","slug":"professor-x-semeador-ideias-e-tiriricas","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/professor-x-semeador-ideias-e-tiriricas\/","title":{"rendered":"PROFESSOR X SEMEADOR – IDEIAS E TIRIRICAS"},"content":{"rendered":"

Autoria do Prof. Rodolpho Caniato<\/strong><\/p>\n

\"\"<\/a><\/strong><\/p>\n

Tiriricas em nossos canteiros t\u00eam muita coisa em comum com os preconceitos que povoam nossas cabe\u00e7as. \u00c0s vezes, nossas concep\u00e7\u00f5es sobre o Mundo e as pessoas parecem estar dominadas por um verdadeiro \u201ctirirical\u201d, arraigado ao \u201csolo\u201d de nossas cabe\u00e7as.<\/em><\/strong><\/p>\n

O Prof. Paulo havia dado muitas aulas naquele dia, que havia sido muito cansativo. Quando o cansa\u00e7o abatia-o, ele se lembrava de algumas d\u00favidas que frequentemente preocupam quem ensina. Quanto ser\u00e1 que fica de tudo aquilo que se pretende ensinar? Como se d\u00e1 o processo da constru\u00e7\u00e3o do conhecimento na cabe\u00e7a dos alunos? Como, quanto e de que forma esse processo depende do professor? Ele se dirigia para os fundos do col\u00e9gio onde o aguardava o Fusquinha que o levaria para casa. Pr\u00f3ximo ao estacionamento havia uma pequena horta, onde trabalhava \u201cseu\u201d Ant\u00f4nio, caboclo simp\u00e1tico e bom de prosa. Embora \u201cseu\u201d Ant\u00f4nio fosse homem de poucas letras, era uma dessas pessoas que vai acumulando com os anos uma sabedoria colhida ao longo da estrada da vida. Eram cativantes seu jeito simples de pensar e seu linguajar caboclo, mas sabido e alegre. Dessa vez, no entanto, ele estava meio jururu, com o semblante contrafeito. Com aspecto cansado, de c\u00f3coras sobre os pr\u00f3prios calcanhares, fazia seu \u201cpicad\u00e3o\u201d de fumo de rolo, usando um velho e gasto canivete. A palha para o cigarro aguardava presa no v\u00e3o da orelha.<\/p>\n

Vendo o desconsolo do velho amigo, o professor aproximou-se dele, disposto a ouvir as raz\u00f5es de sua contrariedade. Sem parar de fazer seu cigarrinho de palha, \u201cseu\u201d Ant\u00f4nio contou-lhe o \u201caconticido\u201d. Duas semanas antes, o diretor do col\u00e9gio havia-lhe entregue um envelope com preciosas sementes, trazidas do exterior, como coisa rara. Havia lhe recomendado que caprichasse no plantio. Escolhido o local para o canteiro, ele cavoucou o solo para remover a tiririca, aquela erva-daninha quase onipresente. Muitas horas foram gastas naquele \u00e1rduo trabalho. Finalmente o canteiro foi tomando forma e a terra de sua superf\u00edcie foi deixada fina e macia para receber as preciosas sementes. Tudo estava pronto para a delicada tarefa de coloc\u00e1-las no solo e cobri-las com uma camada de terrinha fina misturada com h\u00famus. A miss\u00e3o havia sido finalizada com um generoso regador de \u00e1gua. Agora era s\u00f3 esperar a germina\u00e7\u00e3o das sementes.<\/p>\n

Os dias foram se passando. Diariamente, a semeadura recebia \u00e1gua e o olhar de uma ansiosa expectativa de \u201cseu\u201d Ant\u00f4nio. Com tantos cuidados dispensados, logo deveriam aparecer as tenras e min\u00fasculas folhinhas daquele esperan\u00e7oso plantio. Depois de muitos dias de grande expectativa, finalmente come\u00e7aram a aparecer as primeiras folhinhas, delicadas e min\u00fasculas, que ainda n\u00e3o dava para reconhec\u00ea-las. Aumentavam a cada dia sua expectativa e ansiedade. Finalmente o canteiro come\u00e7ou a ficar coberto pelo verde novo de min\u00fasculas folhas. Mais regas e cuidados. J\u00e1 era poss\u00edvel reconhecer a multid\u00e3o de folhinhas. Poss\u00edvel!? Era tudo tiririca! Aquela germina\u00e7\u00e3o t\u00e3o cuidada e esperada das boas sementes dera lugar a um eito de tiriricas, um verdadeiro tirirical.<\/p>\n

Era natural a decep\u00e7\u00e3o de \u201cseu\u201d Ant\u00f4nio. Tanto trabalho e dedica\u00e7\u00e3o investidos para prevalecer a erva-daninha. S\u00f3 depois de alguns dias come\u00e7aram a parecer umas minguadas folhinhas diferentes e desconhecidas. Finalmente brotavam tamb\u00e9m, aqui, acol\u00e1, umas poucas folhas novas. Come\u00e7ava a aparecer algo das t\u00e3o esperadas sementes. Mesmo assim era decepcionante ver uma brotada muito maior da tiririca que das boas e desejadas sementes. A essa altura \u201cseu\u201d Ant\u00f4nio havia completado seu cigarro de palha e j\u00e1 o \u201cpitava\u201d pela metade. Sua tristeza e seu desaponto eram bem justificados. Era muito trabalho e muita dedica\u00e7\u00e3o para ver a tiririca sair na frente, muito mais vigorosa que as sementes t\u00e3o bem plantadas, desejadas e regadas de \u00e1gua e trabalho.<\/p>\n

O Prof. Paulo havia ouvido toda a hist\u00f3ria e, j\u00e1 sentado sobre um velho tronco, dispunha-se a ajudar o velho amigo a superar sua decep\u00e7\u00e3o. Logo lhe pareceu ver uma forte analogia entre o que sentia o semeador e o que muitas vezes sente o professor. Disse a \u201cseu\u201d Ant\u00f4nio que entendia sua decep\u00e7\u00e3o, pois com os professores acontece algo parecido. Passou ent\u00e3o a fazer uma correla\u00e7\u00e3o entre a semeadura de seu amigo e o trabalho dos mestres:<\/p>\n

– O professor n\u00e3o faz canteiro, mas tamb\u00e9m \u201csemeia\u201d. N\u00e3o semeia sementes de plantas, mas ideias que devem germinar e crescer na cabe\u00e7a de seus alunos. Acontece que essas cabe\u00e7as, quando chegam \u00e0 escola, j\u00e1 trazem muitas \u201csementes\u201d que foram tomando seu \u201csolo. Muitas delas s\u00e3o como tiriricas, dif\u00edceis de serem extirpadas. As tiriricas, que o senhor cavoucou com seu enxad\u00e3o, est\u00e3o h\u00e1 muito tempo naquele solo do seu canteiro. Est\u00e3o bem adaptadas \u00e0s suas condi\u00e7\u00f5es. Quando seu enxad\u00e3o arrancou-as, muitos bulbos ficaram, e acabaram por transformarem-se em mais tiririca. Sem querer, seu enxad\u00e3o contribuiu para maior dissemina\u00e7\u00e3o daquela erva daninha. Teria sido necess\u00e1rio fazer uma extirpa\u00e7\u00e3o completa da tiririca. Isso realmente \u00e9 muito dif\u00edcil.<\/p>\n

O professor respirou fundo e continuou, enquanto \u201cseu\u201d Ant\u00f4nio ouvia tudo atentamente:<\/p>\n

– As cabe\u00e7as dos alunos, quando chegam \u00e0 escola, j\u00e1 trazem, em seu \u201csolo\u201d, uma multid\u00e3o de sementes que v\u00e3o \u201cgerminar\u201d independentemente da vontade do professor e do que ele vai \u201csemear\u201d. Muitas dessas \u201csementes\u201d j\u00e1 foram \u201csemeadas\u201d pela fam\u00edlia e pelo meio em que vivem, desde a idade mais tenra. Muitas delas s\u00e3o como \u201cervas-daninhas\u201d, na forma de preconceitos e outras deforma\u00e7\u00f5es. No seu caso, \u201cseu\u201d Ant\u00f4nio, o senhor pode esperar para ver a brotada do que semeou e tamb\u00e9m do que n\u00e3o semeou. Mesmo mais fracas, em desvantagem, talvez por serem estranhas ao solo, suas sementes, apesar de tudo, brotaram. Na maior parte das vezes, o professor n\u00e3o v\u00ea a \u201cbrotada\u201d das que se empenhou em plantar. \u00c0s vezes nem quer ver o resultado, pois as \u201csementes\u201d usadas s\u00e3o fracas, chochas, e n\u00e3o chegam a vingar diante de tanta \u201ctiririca\u201d. Mesmo quando semeiam boas sementes, elas sofrem a concorr\u00eancia das tiriricas que sempre est\u00e3o mais adaptadas e h\u00e1 mais tempo ao \u201csolo\u201d. N\u00e3o bastam s\u00f3 o trabalho e suas boas inten\u00e7\u00f5es. Tem que saber mais sobre como funcionam as \u201ctiriricas\u201d, al\u00e9m de saber escolher as sementes e fazer com que sejam mais adapt\u00e1veis ao \u201csolo\u201d das cabe\u00e7as, onde pretendem \u201csemear.\u201d Claro que muitos tipos de sementes exigem um especial cuidado na prepara\u00e7\u00e3o do \u201csolo\u201d. Outras, que insistem em \u201cplantar\u201d podem ser inoportunas ou mesmo inadequadas para qualquer tipo de \u201csolo\u201d. Algumas s\u00e3o at\u00e9 in\u00fateis, apesar do tempo e dos recursos que os professores gastam ao seme\u00e1-las.<\/p>\n

A essa altura, o \u201cpicad\u00e3o\u201d de \u201cseu\u201d Ant\u00f4nio se havia reduzido a um toco, quase lhe queimando os bei\u00e7os, t\u00e3o surpreso estava com a inesperada explica\u00e7\u00e3o de seu amigo professor. Ele nunca imaginara que pudesse ter algo em comum com os professores, com seus problemas e suas decep\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

Nota:<\/u> O semeador<\/em>, obra de Vincent van Gogh<\/p>\n

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