{"id":32984,"date":"2017-07-02T23:14:56","date_gmt":"2017-07-03T02:14:56","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=32984"},"modified":"2017-07-03T21:24:21","modified_gmt":"2017-07-04T00:24:21","slug":"a-escola-dos-bondes","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/a-escola-dos-bondes\/","title":{"rendered":"A ESCOLA DOS BONDES"},"content":{"rendered":"

Autoria do Prof. Rodolpho Caniato<\/strong><\/p>\n

\u00a0\u00a0 \"\"<\/a> \u00a0 \"\"<\/a><\/p>\n

Nos tempos de minha inf\u00e2ncia em Copacabana, no Rio de Janeiro, quase s\u00f3 se andava de bonde. Havia poucos autom\u00f3veis. Muitos deles eram carros das embaixadas e representa\u00e7\u00f5es diplom\u00e1ticas pr\u00f3ximas. V\u00ea-los de perto, com suas marcas, ins\u00edgnias ou bandeiras, j\u00e1 despertava em mim a ideia da exist\u00eancia de outros pa\u00edses. Eu tinha paix\u00e3o em v\u00ea-los de perto, saber-lhes a marca e a origem. Eu os conhecia at\u00e9 por suas buzinas.<\/span><\/p>\n

Os bondes eram o grande meio de transporte de quase todo mundo, quase sempre dirigidos por bigodudos \u201cmotorneiros\u201d portugueses, sempre uniformizados de azul marinho e quepe. Toda a cidade e bairros eram servidos por esse eficiente meio de transporte. Esses \u201cel\u00e9tricos\u201d eram identificados por um n\u00famero e pelo nome da linha. Uma das primeiras coisas a aprender era, portanto, reconhecer o seu bonde. \u201c12 Ipanema\/T\u00fanel Novo\u201d, \u201c13 Ipanema\/T\u00fanel Velho\u201d, \u201c5 Leme\u201d, \u201c10 G\u00e1vea\u201d, \u201c7 Humait\u00e1\u201d e assim por diante. As viagens nesses coletivos se constitu\u00edram para mim e, creio, para muita outra gente, a primeira escola: um m\u00e9todo de alfabetiza\u00e7\u00e3o direto e sem dor. O processo foi t\u00e3o l\u00fadico e eficiente que eu e muitos de meus amigos das cal\u00e7adas, quando entramos para a escola, j\u00e1 est\u00e1vamos plenamente alfabetizados. Esses bondes eram todos revestidos em sua parte interna, bem vis\u00edvel para os passageiros, por \u201creclames\u201d, a propaganda da \u00e9poca.<\/span><\/p>\n

Os \u201creclames\u201d eram muito simples e ing\u00eanuos, constitu\u00eddos de uma figura do produto e, ao lado, seu nome e suas virtudes. Visualmente todos conheciam os principais e mais difundidos produtos pela sua imagem: \u201cEmuls\u00e3o de Scott\u201d, \u201cXarope S\u00e3o Jo\u00e3o\u201d, sabonetes \u201cEucalol\u201d e \u201cCarnaval\u201d, \u201cA Sa\u00fade da Mulher\u201d, \u201cMitigal\u201d e \u201cRegulador Xavier\u201d. Esse com dois n\u00fameros: n\u00famero \u201c1\u201d para \u201cescassez\u201d e n\u00famero \u201c2\u201d para \u201cexcesso\u201d. O \u201cexcesso\u201d e \u201cescassez\u201d \u00a0ficamos \u00a0devendo, \u00a0sem \u00a0saber\u00a0 o \u00a0que\u00a0 era aquilo. O antol\u00f3gico \u201cRhum Creosotado\u201d, como tantos outros muito conhecidos, trazia at\u00e9 aqueles famosos e antol\u00f3gicos versinhos.<\/span><\/p>\n

A associa\u00e7\u00e3o entre a imagem do objeto e seu nome sugeria que logo se decifrasse o nome com a identifica\u00e7\u00e3o das letras e das s\u00edlabas. O passo seguinte era ler as propriedades ou virtudes do produto. Isso era poss\u00edvel e quase inevit\u00e1vel, \u00a0porque \u00a0se \u00a0passava \u00a0muito \u00a0tempo dentro dos bondes, no trajeto de ida e volta entre a cidade e a casa, tendo bem diante dos olhos aquelas sugest\u00f5es ou desafios.<\/span><\/p>\n

Geralmente, naquelas viagens, os adultos, principalmente as m\u00e3es, acabavam conversando com outras m\u00e3es, o \u201cpassageiro ao lado\u201d, enquanto a gente ficava olhando e decifrando os \u201creclames\u201d. Essa experi\u00eancia se repetia com a grande frequ\u00eancia com que se tinha que viajar e de ter diante dos olhos aqueles \u00a0chamados \u00a0\u00e0 \u00a0aten\u00e7\u00e3o.\u00a0 \u00a0Essa aprendizagem e as aulas de \u201ccaligrafia\u201d de minha m\u00e3e fizeram com que eu entrasse para o primeiro ano e n\u00e3o para o \u201cKinder Garten\u201d do Col\u00e9gio Teuto Brasileiro, na rua Siqueira Campos, a escola mais pr\u00f3xima do \u201cnosso\u201d Atalaia, hotel onde meu pai era gerente.<\/span><\/p>\n

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