<\/a><\/strong><\/p>\nMeu pai havia comprado uma linda vaca, a \u201cPombinha\u201d, que vinha acompanhando a carro\u00e7a onde estava sua recente cria, uma linda bezerra marrom de longas orelhas. A \u201cPombinha\u201d era uma vaca de meio sangue holand\u00eas, branca com manchas de um marrom quase vermelho e de chifres curtos e curvados para frente. Parecia uma vaquinha de reclame de chocolate su\u00ed\u00e7o. Eu e minha m\u00e3e hav\u00edamos gasto grande parte do dia no preparo para a recep\u00e7\u00e3o desses novos integrantes de nossa fam\u00edlia. A cocheira de sap\u00e9 estava toda limpa e arrumada para receber as novas moradoras, m\u00e3e e filha. Foi uma grande recep\u00e7\u00e3o e muito nos alegramos em ver a bezerrinha mamar sofregamente e depois deitar em seu pequeno \u201cquartinho\u201d limpo e macio, com cerquinha de bambu e cobertura de sap\u00e9.<\/span><\/p>\nAntes que o sol raiasse era preciso fazer a ordenha e p\u00f4r a bezerra a mamar para que vaca \u201csoltasse o leite\u201d. Eu e meu pai fomos como ajudantes, peiando e amarrando o rabo da vaca e fazendo os preparativos para a ordenha. Embora minha m\u00e3e nunca tivesse lidado com uma vaca, sua disposi\u00e7\u00e3o e empenho compensaram sua falta dessa experi\u00eancia. Em poucos dias ela j\u00e1 o fazia, sen\u00e3o com perfei\u00e7\u00e3o, mas com destemor, total seguran\u00e7a e efici\u00eancia. Todos os dias n\u00f3s t\u00ednhamos dez litros de leite, al\u00e9m do que a bezerra mamava. Em nossa inexperi\u00eancia, logo nos afei\u00e7oamos a esses animais quase como se fossem pessoas da fam\u00edlia. \u00a0Ainda mais que o precioso leite, naqueles rinc\u00f5es, longe de tudo, era de import\u00e2ncia vital. E assim foram se passando os dias, as semanas.<\/span><\/p>\nA bezerrinha, batizada de \u201cMocinha\u201d, crescia a olhos vistos, e prometia ser uma bela novilha para aumentar nosso plantel. J\u00e1 se passavam dois ou tr\u00eas meses, quando na ordenha matinal, minha m\u00e3e notou que ela teve dificuldade para mamar e apresentou uma espuma na boca. N\u00e3o sab\u00edamos o que era aquilo. Consultados os vizinhos mais pr\u00f3ximos veio o \u201cdiagn\u00f3stico\u201d: aftosa. N\u00e3o se dispunha de veterin\u00e1rios, nem se tinha acesso a esse tipo de informa\u00e7\u00e3o. Havia um \u00fanico rem\u00e9dio, que em toda vizinhan\u00e7a se usava para todos os \u201cmales\u201d dos animais. Chamava-se Benzocreol. Era aplicado tanto para uso interno quanto para bicheiras, feridas e outros males. S\u00f3 variava a dose.<\/span><\/p>\nA bezerra estava triste e j\u00e1 n\u00e3o queria mamar. O jeito era aplicar o tal de Benzocreol, \u00fanica coisa que se podia fazer. Feita a mistura com \u00e1gua, o problema era fazer o animal engolir aquele \u201crem\u00e9dio\u201d. Segundo os \u201centendidos\u201d aconselhavam, devia ser uma dose de mais ou menos meio litro. Quando tentamos fazer ir goela abaixo, a bezerra esperneou e foi com muito custo que conseguimos faz\u00ea-la engolir parte do \u201crem\u00e9dio\u201d. Pouco depois, deitada, a bezerra virou os olhos, estrebuchou e morreu. Sua morte abrupta deve ter sido provocada pelo efeito do rem\u00e9dio ou por sufocamento, se o l\u00edquido invadiu seus pulm\u00f5es.<\/span><\/p>\nPerder aquele animal foi um desespero para n\u00f3s todos; quase como se tivesse morrido algu\u00e9m da fam\u00edlia. Meus pais chegaram a falar em ir embora, de volta para a cidade. Minha m\u00e3e chorou de tristeza com a perda daquela bezerra que, al\u00e9m de querida, representava nossas esperan\u00e7as de muito leite e progresso. Vizinhos nos aconselharam a tirar seu couro para \u201cenganar\u201d e \u201cconsolar\u201d a vaca. N\u00f3s n\u00e3o tivemos coragem.<\/span><\/p>\nNossa \u201cmocinha\u201d foi enterrada com profundo sentimento de perda e quase com nossas esperan\u00e7as na nova vida de s\u00edtio. Era nosso primeiro rev\u00e9s na vida rural. Mas o pior ainda estava por vir. A vaca mugiu sem parar, dia e noite, durante muitos dias na cocheira que ficava ao lado de casa. Al\u00e9m da perda, o triste lamento repetido sem cessar pela \u201cPombinha\u201d n\u00e3o nos deixava dormir, al\u00e9m de manter viva a ideia da perda. Sem a bezerra a mamar, provavelmente a vaca \u201csecaria\u201d o leite.<\/span><\/p>\nO zelo e os cuidados especiais de minha m\u00e3e para com a sofrida vaquinha de estima\u00e7\u00e3o devem ter ajudado. Fui mobilizado a ajudar num super tratamento, tanto de capim fresco quanto de escova\u00e7\u00e3o e bom trato para a \u201cPombinha\u201d. Embora tenha diminu\u00eddo muito sua produ\u00e7\u00e3o, ela continuou a nos dar seu precioso leite. \u00a0Com o passar das semanas, embora abalados, fomos em frente.<\/span><\/p>\nNota:<\/u> Extra\u00eddo do livro \u201cCorrupira\u201d, ainda in\u00e9dito, do autor.
\nImagem:<\/span> obra de Candido Portinari<\/span><\/p>\nViews: 2<\/p>","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
Autoria do Prof. Rodolpho Caniato Meu pai havia comprado uma linda vaca, a \u201cPombinha\u201d, que vinha acompanhando a carro\u00e7a onde estava sua recente cria, uma linda bezerra marrom de longas orelhas. A \u201cPombinha\u201d era uma vaca de meio sangue holand\u00eas, branca com manchas de um marrom quase vermelho e de chifres curtos e curvados para […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"sfsi_plus_gutenberg_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_show_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_type":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_alignemt":"","sfsi_plus_gutenburg_max_per_row":"","_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[16],"tags":[],"class_list":["post-33149","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-flagrantes-da-vida-real"],"aioseo_notices":[],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_sharing_enabled":true,"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/33149","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=33149"}],"version-history":[{"count":2,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/33149\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":33840,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/33149\/revisions\/33840"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=33149"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=33149"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=33149"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}