{"id":35764,"date":"2018-07-30T00:02:06","date_gmt":"2018-07-30T03:02:06","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=35764"},"modified":"2018-07-29T20:03:31","modified_gmt":"2018-07-29T23:03:31","slug":"em-busca-da-pessoa-de-antes","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/em-busca-da-pessoa-de-antes\/","title":{"rendered":"EM BUSCA DA PESSOA DE ANTES"},"content":{"rendered":"

Autoria de Matheus Silva<\/strong><\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

Minha hist\u00f3ria \u00e9 um pouquinho complicada.<\/p>\n

Tenho 20 anos e sou estudante de medicina. Quando crian\u00e7a, na casa de meus parentes, tinha o apelido de “Geladeira”, pois n\u00e3o conseguia ficar parado, indo olhar a cozinha de cinco em cinco minutos. Eu cresci e com 11 anos comecei a me sentir triste e angustiado com o passar do dia, mesmo em per\u00edodos de f\u00e9rias. Descobri que tinha hipotireoidismo e em quest\u00e3o de alguns meses a depress\u00e3o foi corrigida. Quando fui para o Ensino M\u00e9dio, a fama de disciplina r\u00edgida da minha escola fez-me sofrer muito por antecipa\u00e7\u00e3o nas primeiras semanas, perdendo noites a fio simplesmente por medo, mesmo tendo notas muito boas. Essas cessaram com o passar do curso.<\/p>\n

Quando passei no vestibular, eu me mudei para outra cidade para fazer o curso com que sempre sonhei. Nas primeiras semanas sofri muito, mesmo j\u00e1 tendo ficado longe dos meus pais e lidado de certa forma bem com isso. Com o passar do tempo, eu me adaptei, por\u00e9m, as manias de inquieta\u00e7\u00e3o sempre permaneceram. Um litro de caf\u00e9 na minha m\u00e3o n\u00e3o durava mais que alguns minutos. N\u00e3o conseguia comer como as outras pessoas, sempre muito r\u00e1pido e compulsivamente (hoje j\u00e1 consegui manter meu peso e corpo em boa forma com academia e exerc\u00edcios f\u00edsicos). Al\u00e9m disso, qualquer prova em meu calend\u00e1rio j\u00e1 era motivo para virar a noite estudando, preocupado com o resultado, seguido de alguns dias de preocupa\u00e7\u00e3o com a espera das notas.<\/p>\n

Nos dias normais eu n\u00e3o me sentia triste, mas sentia que faltava aquele brilho e motiva\u00e7\u00e3o que algumas pessoas trazem, j\u00e1 que tinha dificuldades para fazer amigos e falar em p\u00fablico, bem como motiva\u00e7\u00e3o para ir a festas e interagir-me com pessoas (embora eu ficasse confort\u00e1vel nessa situa\u00e7\u00e3o). N\u00e3o demorou muito tempo e eu comecei a fumar maconha, o que me ajudou no sono, mas como um meu amigo disse, estava apenas colocando meus problemas debaixo do tapete, n\u00e3o estava a resolv\u00ea-los. Ap\u00f3s cinco meses usando maconha todos os dias, resolvi dar um basta, parei e, quando retornei pra casa em um feriado, fui a um psiquiatra para tentar resolver isso.<\/p>\n

O psiquiatra receitou-me escitalopram na primeira semana. Quando retornei para casa comecei a utilizar o gen\u00e9rico (a greve dos caminhoneiros zerou o estoque da marca que ele havia pedido). A primeira semana foi muito boa, lembro-me de que falei pro meu pai que “nunca estive t\u00e3o bem na minha vida”, afinal, ap\u00f3s sofrer muito, consegui passar em uma monitoria, ganhar bolsa da faculdade, al\u00e9m de ter pais maravilhosos que sempre me ajudaram. Na semana seguinte fui a uma festa em que bebi muito, coincidindo com o per\u00edodo em que aumentei a dosagem do antidepressivo, conforme prescri\u00e7\u00e3o do psiquiatra. Ap\u00f3s tr\u00eas dias dessa mudan\u00e7a, ca\u00edram sobre mim efeitos colaterais terr\u00edveis que me fizeram perder pelo menos duas noites de sono seguidas. O psiquiatra acabou me receitando Alprazolam. Pensei: n\u00e3o quero isso pra minha vida, mais rem\u00e9dios e agora um tarja preta (tudo isso em meio a ang\u00fastia, calafrios, inquieta\u00e7\u00e3o, sudorese, turvidez na vis\u00e3o, taquicardia e palpita\u00e7\u00e3o). Parei com o escitalopram ap\u00f3s mais ou menos 10 a 12 dias de uso.<\/p>\n

Os sintomas melhoraram, por\u00e9m nunca retornei a ser a pessoa de antes. Perdi motiva\u00e7\u00e3o e sono. A ang\u00fastia e a ansiedade continuaram e fiquei assim at\u00e9 o in\u00edcio dessa semana (fiquei um m\u00eas e meio nesse marasmo, sentindo em grau mais leve os mesmos efeitos do medicamento), quando resolvi retornar \u00e0 medica\u00e7\u00e3o. Hoje \u00e9 o terceiro dia. Durante o dia sinto-me um pouco melhor, mas \u00e0 noite a ang\u00fastia e o n\u00f3 na garganta insistem em retornar de maneira mais severa. Ainda n\u00e3o sinto motiva\u00e7\u00e3o para fazer as coisas. Amanh\u00e3 vamos viajar para aproveitar um pouco as f\u00e9rias, tomara que isso me ajude a ocupar minha cabe\u00e7a.<\/p>\n

\u00c0 vezes eu penso que entrei em uma enrascada, pois afinal eu n\u00e3o era t\u00e3o triste assim, como minha m\u00e3e dizia eu era s\u00f3 “um pouco ansioso”. Isso me consome muito e me esgota. Passo boa parte do dia pensando, at\u00e9 o momento que chega a noite. \u00c0s vezes choro. No momento em que escrevo isto est\u00e1 de dia e sinto-me um pouco mais controlado, mas na certeza de que \u00e0 noite vou sofrer, \u00e0 medida que o sol vai embora (tomo Donarem, \u00e0s vezes, para dormir melhor, mas ainda acordo muito cedo com o cora\u00e7\u00e3o palpitando). Marquei com outro psiquiatra, desta vez na cidade em que estudo, para a qual vou retornar em tr\u00eas semanas. Espero ate l\u00e1 estar me sentindo melhor.<\/p>\n

Nota:<\/u> O Enigma sem Fim<\/em>, obra de Salvador Dal\u00ed<\/p>\n

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