{"id":3760,"date":"2013-04-28T23:21:07","date_gmt":"2013-04-29T02:21:07","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=3760"},"modified":"2020-06-05T17:49:11","modified_gmt":"2020-06-05T20:49:11","slug":"o-cristianismo-e-a-figuracao-plastica-2a-parte","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/o-cristianismo-e-a-figuracao-plastica-2a-parte\/","title":{"rendered":"O CRISTIANISMO E A FIGURA\u00c7\u00c3O PL\u00c1STICA (2\u00aa. Parte)"},"content":{"rendered":"

Autoria do Prof. Pierre Santos<\/b><\/p>\n

\u00a0 \u00a0\u00a0\u00a0 <\/a>\"pp9\"<\/a> \u00a0 \"pp10\"<\/a><\/p>\n

Arte Catacumb\u00e1ria<\/span><\/p>\n

Compreendida a aurora da arte crist\u00e3 nas fases catacumb\u00e1ria<\/i> e de liberta\u00e7\u00e3o<\/i> e considerada a situa\u00e7\u00e3o pol\u00edtica do novo culto, de exist\u00eancia oculta e secreta face \u00e0s leis do Estado durante a fase inicial, somente a seguinte, a de liberta\u00e7\u00e3o<\/i>, consegue efetuar as primeiras tentativas na arte de construir. Realmente, o cristianismo teve as suas iniciativas confinadas nos subterr\u00e2neos do solo romano, enquanto \u00e0 flor da terra continuava a processar-se e a esmag\u00e1-la a arte pag\u00e3. Eram duas civiliza\u00e7\u00f5es que se opunham: uma, embora em decad\u00eancia, ainda poderosa, mas chafurdada no v\u00edcio e no descr\u00e9dito de seus deuses; outra, apenas surginte, mas em si trazendo a seiva de tudo quanto \u00e9 novo e sadio, e municiada com as armas do esp\u00edrito que faltavam \u00e0quela. Mas, por ironia da inevitabilidade das substitui\u00e7\u00f5es est\u00e9ticas, \u201cuma vai desaparecer em um halo de pesadelo \u2013 escreve Alfred Leroy \u2013 e a outra vai fundar as bases de uma nova era\u201d<\/p>\n

Assim, ainda n\u00e3o se pode falar em arquitetura nos s\u00e9culos I a III, quando os crist\u00e3os se reuniam para suas rezas em casas comuns, para tanto doadas por conversos de melhor n\u00edvel econ\u00f4mico e adaptadas de maneira simples \u00e0s necessidades do culto. Os dirigentes n\u00e3o tinham como conseguir recursos para constru\u00e7\u00f5es mais arrojadas, nem lhes seria permitido realiz\u00e1-las. Tamb\u00e9m ainda n\u00e3o se pode falar em formas adultas de cria\u00e7\u00e3o art\u00edstica, porquanto a arte de ent\u00e3o, destinada \u00e0 decora\u00e7\u00e3o das catacumbas, era movida por um sentimento de singeleza e devo\u00e7\u00e3o, sem quaisquer outras pretens\u00f5es, sen\u00e3o as de atingir a prece pelos mortos, transcrita numa linguagem simb\u00f3lica transbordante de simplicidade e encantamento. Por outro lado, n\u00e3o se pode pensar nas catacumbas como forma de organismo arquitet\u00f4nico.<\/p>\n

As catacumbas limitavam-se a profundos, estreitos e \u00famidos corredores cavados, por assim dizer, vegetativamente, conforme as necessidades imediatas e as imposi\u00e7\u00f5es do terreno, sem ilumina\u00e7\u00e3o e arejamento, quebrando-se aqui e ali sem obedi\u00eancia a quaisquer medidas e tomando as mais inesperadas dire\u00e7\u00f5es por sob a Via \u00c1pia Antiga. Se f\u00f4ssemos enfileirar numa reta esses corredores em geral de tr\u00eas metros de altura, em cujas paredes e de ambos os lados s\u00e3o cavados os loculi<\/i>, sepulturas para um cad\u00e1ver, ter\u00edamos uma catacumba de mais de mil quil\u00f4metros de extens\u00e3o (o c\u00e1lculo \u00e9 de Flexa Ribeiro), assim mesmo s\u00f3 na parte j\u00e1 explorada. Isto nos faz pensar na incalcul\u00e1vel multid\u00e3o de fi\u00e9is que, nos primeiros s\u00e9culos e nos per\u00edodos de mais intensa persegui\u00e7\u00e3o, foram barbaramente martirizados nas arenas romanas, em nome da religi\u00e3o crist\u00e3. \u00c9 verdade que houve muitas fases de maior toler\u00e2ncia, por parte das autoridades romanas, para com o novo culto, durante as quais a vigil\u00e2ncia da guarda romana antenava um pouco o af\u00e3 de persegui\u00e7\u00e3o aos crist\u00e3os. De qualquer maneira, ao penetrarmos nesses hipogeus, seja os de S\u00e3o Calixto, de Santa Priscila, de S\u00e3o Sebasti\u00e3o, de Santa Domitila, de S\u00e3o Pretestado ou quaisquer outros, sempre o fazemos com um profundo respeito humano, um aperto muito grande no cora\u00e7\u00e3o e um vazio inexplic\u00e1vel em nosso inconsciente, em mem\u00f3ria dos m\u00e1rtires ali enterrados \u2013 tal o significado assumido pelo mart\u00edrio em nosso sentimento em face daquele descalabro.<\/p>\n

\u00a0Ap\u00f3s o per\u00edodo de persegui\u00e7\u00e3o, os crist\u00e3os continuaram ainda a enterrar seus mortos ali, pela santidade do lugar, at\u00e9 por volta do final do s\u00e9culo V, quando a inuma\u00e7\u00e3o subterr\u00e2nea foi proibida e as catacumbas tornaram-se lugares t\u00e3o somente de peregrina\u00e7\u00e3o at\u00e9 avan\u00e7ado o s\u00e9culo VII, tendo em seguida ca\u00eddo no esquecimento, para serem redescobertas no s\u00e9culo XV e ent\u00e3o estudadas arqueologicamente. Mas isto n\u00e3o diminui o impacto que o vultoso n\u00famero de mortos dos primeiros s\u00e9culos causa no mais profundo de n\u00f3s.<\/p>\n

As manifesta\u00e7\u00f5es art\u00edsticas da aurora do Cristianismo, no seio das famosas catacumbas e mesmo nas casas onde os cultos se realizavam, sobre terem desempenhado extraordin\u00e1rio papel na forma\u00e7\u00e3o da arte crist\u00e3, construindo-lhe a base, exerceram com sua emocionante singeleza uma influ\u00eancia substancial em toda a arte medieval. Nesse per\u00edodo teve origem a simbologia crist\u00e3, a princ\u00edpio traduzida em simples garatujas sem nenhuma habilidade, depois desenvolvida e amadurecida relativamente ao seu contexto. Todas as refer\u00eancias religiosas \u2013 mist\u00e9rios, dogmas,\u00a0 rituais,\u00a0 prescri\u00e7\u00f5es de comportamento, cenas b\u00edblicas, inten\u00e7\u00f5es ritual\u00edsticas, todas mesmo \u2013 eram codificadas num espec\u00edfico s\u00edmbolo<\/i> <\/b>(de \"simb\"<\/b><\/span><\/span>, palavra grega que significa s\u00edmbolo, sinal de reconhecimento, introdu\u00e7\u00e3o, senha de identifica\u00e7\u00e3o<\/i> entre pessoas para as quais seja o mesmo familiar). Desta maneira, os s\u00edmbolos do culto se elaboraram esotericamente por interm\u00e9dio do enigma<\/i>, da cifra<\/i>, do ideograma<\/i> ou do anagrama<\/i>, dissimulando em si os conte\u00fados doutrin\u00e1rios.<\/p>\n

In\u00fameros s\u00edmbolos foram ent\u00e3o criados: a \u00e2ncora<\/i>, significando f\u00e9 profunda; a Orante<\/i>, figura geralmente feminina, com os bra\u00e7os erguidos, em atitude de ora\u00e7\u00e3o pelos que ficaram na terra; a hist\u00f3ria de Jonas e a baleia<\/i>, que o devora e depois o vomita numa praia, devolvendo-o \u00e0 vida<\/i>, dando a entender o dogma do sepulcro e da ressurrei\u00e7\u00e3o; o Pastor com suas ovelhas<\/i>, representando o Filho de Deus que apascenta as almas; a cesta de p\u00e3es<\/i> e o tabuleiro de peixes<\/i>, significando o milagre da multiplica\u00e7\u00e3o de v\u00edveres; \u00e2nfora de \u00f3leo<\/i>, instrumento da ablu\u00e7\u00e3o, lembrando a necessidade da purifica\u00e7\u00e3o tanto do corpo como da alma, etc.<\/p>\n

<\/i><\/b><\/span><\/i><\/b><\/p>\n

O Peixe<\/i>, o mais usado dentre os inumer\u00e1veis e constantes s\u00edmbolos ent\u00e3o surgidos, presta-se bem por sua facilidade interpretativa a exemplificar essa formula\u00e7\u00e3o ideogram\u00e1tica. Sendo a tradu\u00e7\u00e3o da palavra grega \"peixe<\/a>, ou seja, em mai\u00fasculas \"peixe<\/a><\/span>, \u00e9 o acr\u00f3stico anagram\u00e1tico, como se v\u00ea pela letra inicial de cada palavra, da legenda: <\/i><\/i><\/b><\/span><\/i><\/b>\"crisgre\"<\/a> <\/i><\/b><\/span> <\/i><\/b><\/span> <\/i><\/b>que assim se pode traduzir para o Portugu\u00eas: Jesus Cristo Filho de Deus Salvador<\/i>. A coincid\u00eancia do acr\u00f3stico<\/i> facilitava a memoriza\u00e7\u00e3o do s\u00edmbolo, o qual, por isso mesmo, gozava de total aceita\u00e7\u00e3o em todas as partes por onde o novo culto se expandia.<\/p>\n

Ao lado desses s\u00edmbolos, come\u00e7aram os primeiros crist\u00e3os, por car\u00eancia mesmo de tradi\u00e7\u00e3o, a transplantar modelos pertencentes \u00e0 iconografia pag\u00e3, somente onde lhes era poss\u00edvel encontrar um corpus<\/i> art\u00edstico constitu\u00eddo e bem realizado, mas os transubstanciavam e adaptavam-nos \u00e0s necessidades doutrin\u00e1rias. Exemplo t\u00edpico \u00e9 a representa\u00e7\u00e3o do Bom Pastor, inspirada numa est\u00e1tua grega do s\u00e9culo V a. C., o Hermes Quiri\u00f3foro. Entretanto, os s\u00edmbolos ideogr\u00e1ficos, os quais acabariam por assimilar os modelos pag\u00e3os, representavam a rigor o que a nova religi\u00e3o tinha de mais original e aut\u00eantico e entram na elabora\u00e7\u00e3o, para o Cristianismo, de uma linguagem pl\u00e1stica pr\u00f3pria. Esta se desabrocharia no correr dos anos nos grandes temas tratados pela Arte Crist\u00e3<\/i>, apreendendo dos s\u00edmbolos o mais amplo conte\u00fado de espiritualidade, leveza e grafismo, sentimento, representa\u00e7\u00e3o e espontaneidade.<\/p>\n

Ilustra\u00e7\u00e3o:<\/span>
\n3. Catacumba de Sta. Priscila, Via \u00c1pia.
\n4. Arcoss\u00f3lio catacumb\u00e1rio t\u00edpico, lugar de inuma\u00e7\u00e3o e prece.<\/p>\n

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