<\/a><\/strong><\/p>\nA horr\u00edvel mat\u00e9ria\u00ad prima animal \u00e9 um produto novo, como a floresta aniquilada que fornece a pasta necess\u00e1ria aos nossos jornais di\u00e1rios e hebdomad\u00e1rios, repletos de an\u00fancios e de falsas not\u00edcias; como os oceanos em que os peixes s\u00e3o sacrificados aos petroleiros.<\/p>\n
Durante mil\u00eanios, o homem tem considerado o animal como propriedade sua, s\u00f3 que subsistia um estreito contato entre ambos. O cavaleiro amava, embora dela abusando, a sua mon\u00adtaria; o ca\u00e7ador de antigamente conhecia as condi\u00e7\u00f5es de vida de sua ca\u00e7a, e “amava” \u00e0 sua maneira os animais que se sen\u00adtia glorioso em abater. Uma esp\u00e9cie de familiaridade se entre\u00admeava com o horror: a vaca enviada ao matadouro depois de totalmente exaurida de seu leite, o porquinho que era sangra\u00addo no Natal (a mulher do campon\u00eas da Idade M\u00e9dia sentava-se tradicionalmente sobre as patas do animal para impedi-lo de espernear), eram a princ\u00edpio “os pobres animais” para os quais se ia cortar capim ou se preparava uma ra\u00e7\u00e3o de restos.<\/p>\n
Para muitas mulheres do campo, a vaca contra a qual se apoiavam para ordenhar era uma esp\u00e9cie de amiga muda. Os coelhos nas gaiolas n\u00e3o estavam mais que a dois passos do guarda-comida onde iriam acabar, “picadinhos como carne de pastel”, mas enquanto isso n\u00e3o ocorria, eram animais que gost\u00e1vamos de ver remexendo as narinas r\u00f3seas quando atrav\u00e9s das grades lhes estend\u00edamos uma folha de alface.<\/p>\n
Modificamos tudo isto: as crian\u00e7as das cidades jamais vi\u00adram uma vaca ou uma ovelha; e n\u00e3o podemos amar estes seres dos quais nunca tivemos ocasi\u00e3o de nos aproximar ou a que jamais acariciamos. O cavalo, para um parisiense, n\u00e3o passa desse animal mitol\u00f3gico, dopado e arrastado al\u00e9m de suas for\u00ad\u00e7as, que nos faz ganhar algum dinheiro quando acertamos no p\u00e1reo de um “grande pr\u00eamio”.<\/p>\n
Exposta em fatias cuidadosa\u00admente envoltas em papel celofane num supermercado, ou con\u00adservada em latas, a carne deixa de ser sentida como tendo sido a de um animal vivo. Ousamos mesmo dizer que nossos a\u00e7ou\u00adgues, onde pendem de ganchos quartos de animais que mal se acabaram de abater, de aspecto t\u00e3o atroz para quem n\u00e3o est\u00e1 acostumado a isto a ponto de certos amigos meus, estrangeiros, mudarem de cal\u00e7ada, em Paris, quando os percebem de longe, talvez at\u00e9 sejam um bem, na medida em que testemunham a viol\u00eancia que o homem inflige aos animais.<\/p>\n
\u00a0Da mesma forma, os casacos de pele apresentados com cuidados especiais nas vitrines das grandes peleterias parecem estar a mil l\u00e9guas da foca trucidada na banquisa, a golpes de matraca, ou da n\u00fatria que apanhada na armadilha r\u00f3i a pata tentando recuperar a liberdade.<\/p>\n
A bela mulher que se maquia n\u00e3o sabe que seus cosm\u00e9ticos foram testados em coelhos ou cobaias que morreram sacrificados ou cegos. A inconsci\u00eancia, e consequentemente a boa consci\u00eancia, do comprador ou da com\u00adpradora \u00e9 total, como \u00e9 total, por ignor\u00e2ncia do que se fala e por falta de imagina\u00e7\u00e3o, a inoc\u00eancia dos que se d\u00e3o ao traba\u00adlho de justificar os gulags*<\/em> de toda esp\u00e9cie, ou daqueles que preconizam o emprego da arma at\u00f4mica. Uma civiliza\u00e7\u00e3o que cada vez mais se distancia do real tende a fazer cada vez mais v\u00edtimas, inclusive a si pr\u00f3pria.<\/p>\n*campos de trabalhos for\u00e7ados.<\/p>\n
Nota:<\/u> texto extra\u00eddo do livro \u201cO Tempo, Esse Grande Escultor\u201d\/ Edit. Nova Fronteira<\/p>\n
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Autoria de Marguerite Yourcenar A horr\u00edvel mat\u00e9ria\u00ad prima animal \u00e9 um produto novo, como a floresta aniquilada que fornece a pasta necess\u00e1ria aos nossos jornais di\u00e1rios e hebdomad\u00e1rios, repletos de an\u00fancios e de falsas not\u00edcias; como os oceanos em que os peixes s\u00e3o sacrificados aos petroleiros. Durante mil\u00eanios, o homem tem considerado o animal como […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"sfsi_plus_gutenberg_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_show_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_type":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_alignemt":"","sfsi_plus_gutenburg_max_per_row":"","_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[9],"tags":[],"aioseo_notices":[],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_sharing_enabled":true,"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/38072"}],"collection":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=38072"}],"version-history":[{"count":1,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/38072\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":38074,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/38072\/revisions\/38074"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=38072"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=38072"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=38072"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}