{"id":3992,"date":"2013-05-04T17:50:40","date_gmt":"2013-05-04T20:50:40","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=3992"},"modified":"2022-07-26T17:57:19","modified_gmt":"2022-07-26T20:57:19","slug":"para-toda-acao-existe-um-retorno","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/para-toda-acao-existe-um-retorno\/","title":{"rendered":"PARA TODA A\u00c7\u00c3O EXISTE UM RETORNO"},"content":{"rendered":"

Autoria de Lu Dias Carvalho<\/strong>
\n<\/b><\/p>\n

\"pombo\"<\/a><\/p>\n

A pequena varanda abria-se para o leste, de onde a mulher podia ver o nascer do sol e o brotar da lua de dentro das montanhas verdejantes de sua Belo Horizonte. Uma larga porta de vidro separava a sala do pequeno terra\u00e7o, onde beija-flores esvoa\u00e7avam em busca de p\u00f3len nas touceiras de russ\u00e9lia de flores vermelhas e amarelas, e sabi\u00e1s, bem-te-vis, maritacas, dentre outras aves, passavam em voos rasantes, vindos das muitas \u00e1rvores que se espalhavam em derredor. Nas tardes azuis, outro c\u00e9u desenhava-se no vidro da porta, igualzinho ao que se estendia de frente para ela. A mulher sentia-se feliz naquele pedacinho do mundo, onde mantinha contato permanente com as coisas da natureza, embora vivesse no cora\u00e7\u00e3o de uma cidade grande.<\/p>\n

Era tarde de s\u00e1bado. O c\u00e9u estava azulado com algumas nuvens de carneirinhos brancos. Um vento frio balan\u00e7ava as folhas das \u00e1rvores, chegava at\u00e9 a sacada e ia adentrando pelo apartamento atrav\u00e9s de uma pequena abertura da porta de vidro. A mulher lia, acomodada em sua poltrona verde. Tr\u00eas bichanos estendiam-se pelo tapete florido, tirando uma gostosa soneca. Na sala de televis\u00e3o, o marido comprazia-se vendo seu time jogar, embora se mostrasse ansioso por um gol. Se aquilo fosse uma amostra do mundo, poder-se-ia dizer que a vida transcorria na mais absoluta paz, numa comunh\u00e3o entre homens, bichos e natureza.<\/p>\n

Um baque surdo interrompeu a paz do ambiente descrito. Homem e mulher levantaram-se assustados, temendo que algu\u00e9m pudesse ter ca\u00eddo de um dos andares acima. Os bichanos, sempre mais \u00e1geis, tentavam passar pela pequena abertura da porta de vidro. Foi ent\u00e3o que marido e mulher viram, ali no ch\u00e3o do terra\u00e7o, o pombinho com um dos olhos fora da \u00f3rbita, descendo pela carinha torturada pela dor e mesclada de sangue, mas ainda preso por um nervo que parecia ter se esticado. Meu Deus, o que fazer?<\/p>\n

O bichinho nem se mexia, apenas deixava transparecer um ru\u00eddo quase inaud\u00edvel, que aos ouvidos da mulher chegava como um grito desesperado de socorro. Se a dor \u00e9 torturante nas pessoas que conhecem os meios de san\u00e1-la \u2013 pensava a mulher- imagine num animalzinho sem nenhum tipo de prote\u00e7\u00e3o, solto ao deus dar\u00e1. A dol\u00eancia foi tamb\u00e9m tomando conta do cora\u00e7\u00e3o da mulher, e ela foi se fazendo mais impotente e mais fr\u00e1gil. A princ\u00edpio pensou que desmaiaria. Isso n\u00e3o! Primeiro era preciso socorrer a avezinha. Teria que tomar as r\u00e9deas da situa\u00e7\u00e3o. Enrolou o bichinho numa fralda limpa, umedeceu sua cabecinha com \u00e1gua fria e, com ele no colo, p\u00f4s-se a procurar, atrav\u00e9s do telefone, por lugares que cuidassem de animais. Mas ningu\u00e9m atendia. Maldito s\u00e1bado! Uma amiga falou-lhe sobre um local que ficava aberto initerruptamente, num bairro mais distante.<\/p>\n

Agora era preciso convencer o marido a deixar o jogo do time de seu cora\u00e7\u00e3o e levar o animalzinho ferido at\u00e9 \u00e0 Sociedade Protetora dos Animais (SPA). N\u00e3o que ele tivesse um cora\u00e7\u00e3o insens\u00edvel, mas o fato \u00e9 que homem v\u00ea sempre as coisas sob outra \u00f3tica, com uma naturalidade que faz raiva. Para ele era apenas mais um pombo, entre os milhares que voam pela cidade. Mas para ela n\u00e3o! Tratava-se de um bichinho que ca\u00edra na sua varanda, ao confundir o c\u00e9u estampado no vidro da porta com o c\u00e9u azul verdadeiro. Ela sentia que tinha a obriga\u00e7\u00e3o de salv\u00e1-lo. A ave n\u00e3o ca\u00edra ali \u00e0-toa, seu apartamento fora o escolhido. A bondade e o apre\u00e7o da fam\u00edlia pela vida estavam sendo testados, pois nada acontece por acaso. Ela falou disso tudo ao marido, e muito mais, e completou:<\/p>\n

– Amado, tudo que fizermos pelo bem, ainda que seja pela menor das formas de vida, receberemos em dobro. Esta \u00e9 a lei da vida. Lembre-se dos ensinamentos de Buda. Portanto, pegue um t\u00e1xi, pois nem tem ideia de onde seja o local, e leve este bichinho que est\u00e1 se esvaindo em dor. <\/i><\/p>\n

O marido, um ser humano primoroso, atendeu os queixumes da mulher, para que seu cora\u00e7\u00e3o pudesse ficar em paz. Tomou o bichinho nas m\u00e3os e foi em busca do local indicado, onde ficam animais abandonados. L\u00e1 chegando, foi atendido por um veterin\u00e1rio que lhe disse que iria retirar o olho da ave, fazer uma curetagem e devolv\u00ea-la. Antes que ele pudesse cumprir o prometido, o homem partiu, pois n\u00e3o teria onde coloc\u00e1-la, principalmente porque tinha gatinhos. Ao chegar \u00e0 sua morada, o homem contou \u00e0 mulher tudo que havia acontecido e complementou:<\/p>\n

Meu bem, j\u00e1 comecei a receber o que gastei com t\u00e1xi, conforme sua teoria. Achei R$0,25 (vinte e cinco centavos) na entrada de nosso pr\u00e9dio. O resto foi compensado com os dois golos que meu time fez.<\/em><\/p>\n

A mulher ainda pensa naquele pombo, imaginando se continua vivo ou se foi devorado por alguma ave de rapina, uma vez que passara a ter a metade da vis\u00e3o. Mas o que fazer contra os reveses da vida? Ainda assim seu cora\u00e7\u00e3o continua em paz, por n\u00e3o ter se omitido.<\/p>\n

(*) Imagem copiada de pt.euronews.com<\/a><\/i><\/p>\n

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