<\/a><\/p>\nA vida l\u00e1 fora segue como de costume. Coisa alguma parou a sua atividade. Tampouco a natureza fez uma pausa no seu trabalho di\u00e1rio. As ruas est\u00e3o apinhadas de gente, nas idas e vindas di\u00e1rias. O sol caminha exuberante por um c\u00e9u azul com pouqu\u00edssimas nuvens brancas. As flores desabrocham nos quintais e jardins. As \u00e1rvores baloi\u00e7am felizes ao sabor de uma brisa que vem e vai, de acordo com sua vontade. As pessoas confabulam, sorriem, compram, comem, embora algumas andem apressadamente, como se tivessem muito ainda a fazer. Outras caminham em passos lentos, parando aqui e acol\u00e1, sem nenhum compromisso com o tempo. Ser\u00e1 que existe outra vida afora esta? Ser\u00e1 que em algum lugar da cidade habita o sofrimento? Sim, pois a vida sempre mostra a sua duplicidade.<\/p>\n
A mulher acompanha o marido no PA de uma Oficina de consertar gente. Muitas s\u00e3o as pessoas necessitando de restaura\u00e7\u00e3o e poucas s\u00e3o as vagas. A primazia \u00e9 daquelas que podem pagar pela reforma, sem depender de plano algum, embora os donos da Oficina de Gente<\/i> sempre neguem isso, falando que todos s\u00e3o iguais. Mas todos sabem que n\u00e3o \u00e9 bem assim, pois os donos de tais oficinas e seus oper\u00e1rios n\u00e3o querem mais receber dos chamados Planos de Conserto<\/i>. Dizem que eles pagam uma mis\u00e9ria e que n\u00e3o justificam o tempo com os reparos feitos, no que concordo plenamente com eles, pois, o trabalho dos mestres e de seus auxiliares precisa ser feito com maestria e muito amor. Eles lidam com uma mat\u00e9ria-prima delicad\u00edssima: o corpo humano. Contudo, os bonecos humanos, que durante anos a fio v\u00eam pagando um Plano de Conserto<\/i>, abrindo m\u00e3o de muitos prazeres da vida, n\u00e3o t\u00eam culpa alguma. \u00c9 o sistema que permite que tais planos tenham compromisso apenas com o lucro pecuni\u00e1rio, sem nenhuma preocupa\u00e7\u00e3o com a qualidade da restaura\u00e7\u00e3o de seus assegurados, pagando uma mixaria \u00e0s Oficinas de Conserto <\/i>que se veem <\/i>enraivecidas com o descaso. Leis r\u00edgidas deveriam penaliz\u00e1-los, para que seus assegurados n\u00e3o viessem a pagar o pato. Num pa\u00eds que tem a \u00e9tica por bandeira, a sa\u00fade jamais estar\u00e1 a servi\u00e7o do capital doentio que abocanha tudo com sua boca desmedida e mand\u00edbulas ferozes, de modo que os art\u00edfices e os ajudantes de t\u00e3o preciosa restaura\u00e7\u00e3o trabalham com prazer e dedica\u00e7\u00e3o plena.<\/p>\n
A mulher e seu homem encontram-se ainda no PA, aguardando a bendita vaga que n\u00e3o aparece. Ali, os bonecos humanos n\u00e3o t\u00eam direito \u00e0 alimenta\u00e7\u00e3o e tampouco ao banho, mesmo que a espera dure uma semana, pois, segundo o parecer da Oficina de Conserto<\/i>, ainda n\u00e3o se encontram legalmente internados. O que n\u00e3o deixa de ser uma cruel ironia, pois o banho \u00e9 muito necess\u00e1rio aos doentes, muitos deles com as roupas \u00edntimas molhadas pela dor excessiva, e a comida deveria ser balanceada para eles, dentro dos crit\u00e9rios de cada caso. O soro desce dolentemente pela veia do marido. No compartimento ao lado, cercado por uma cortina azul, dona Suely, com fortes dores nos pulm\u00f5es e falta de ar, tamb\u00e9m espera por vaga. Em mais dois leitos a situa\u00e7\u00e3o \u00e9 a mesma. L\u00e1 fora, no corredor, um grande n\u00famero de bonecos aguarda por consultas, alguns deles ser\u00e3o indicados para a interna\u00e7\u00e3o. Pobres bonecos humanos!<\/p>\n
Gemidos agudos varam a noite. Irm\u00e3 e filha adolescente rodeiam o leito da mulher com rosto de cera e olhos profundos, perdidos na vastid\u00e3o de seu sofrimento. Somente a inje\u00e7\u00e3o de morfina d\u00e1 um alento para a dor que a consome em vida. Uma jovem e bonita mulher, Cida, entrou no PA aos gritos. Um quisto no ov\u00e1rio dobrava-a em duas. Medicada, dormiu como um anjo. Recebeu boas novas: poderia voltar para casa. Nos outros leitos, dois bonecos j\u00e1 desgastados pelo tempo dormem profundamente sob o efeito de rem\u00e9dios. Tamb\u00e9m s\u00e3o liberados. Mal saem, outros ocupam seus lugares, num vai e vem sem fim. O marido s\u00f3 faz dormir, aguardando tranquilamente o desenrolar de seu caso. Vez ou outra solta um suspiro profundo, nascido do mais \u00edntimo de seu ser. Sua paci\u00eancia e tranquilidade acalmam o cora\u00e7\u00e3o aflito da mulher, ansiosa para que tudo se resolva logo. Mas h\u00e1 tantos bonecos humanos precisando de conserto, em casos t\u00e3o desesperadores, e s\u00e3o t\u00e3o poucas as prateleiras onde poder\u00e3o ficar, que as palavras de ordem s\u00e3o \u201cesperar… e … esperar\u201d.<\/p>\n
A mulher refugia-se em seus pensamentos, como uma forma de minimizar sua dor, ao ver tanto sofrimento naquela Oficina de Conserto<\/i>. Ela se cond\u00f3i com a fragilidade e impot\u00eancia dos bonecos humanos. Apresentam-se em todas as idades, tipos f\u00edsicos e classes sociais. Ali, todos se igualam no infort\u00fanio e na busca pela restaura\u00e7\u00e3o da sa\u00fade. Ela conclui em seu cora\u00e7\u00e3o:<\/p>\n
– O ser humano n\u00e3o \u00e9 nada! Absolutamente nada! Todo o esp\u00edrito de superioridade que carrega ao longo da vida \u00e9 v\u00e3o e ingl\u00f3rio. Quem sabe seja essa uma verdadeira li\u00e7\u00e3o de vida!?<\/i><\/p>\n
Nota:<\/span> Imagem copiada de www.viaeptv.com<\/a><\/i><\/p>\nViews: 1<\/p>","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
Autoria de Lu Dias Carvalho A vida l\u00e1 fora segue como de costume. Coisa alguma parou a sua atividade. Tampouco a natureza fez uma pausa no seu trabalho di\u00e1rio. As ruas est\u00e3o apinhadas de gente, nas idas e vindas di\u00e1rias. O sol caminha exuberante por um c\u00e9u azul com pouqu\u00edssimas nuvens brancas. As flores desabrocham […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"sfsi_plus_gutenberg_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_show_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_type":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_alignemt":"","sfsi_plus_gutenburg_max_per_row":"","_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[16],"tags":[],"aioseo_notices":[],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_sharing_enabled":true,"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/4062"}],"collection":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=4062"}],"version-history":[{"count":10,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/4062\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":45667,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/4062\/revisions\/45667"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=4062"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=4062"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=4062"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}