{"id":4492,"date":"2013-05-27T00:41:21","date_gmt":"2013-05-27T03:41:21","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=4492"},"modified":"2020-12-02T13:03:31","modified_gmt":"2020-12-02T16:03:31","slug":"van-eyke-os-esponsais-dos-arnolfini","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/van-eyke-os-esponsais-dos-arnolfini\/","title":{"rendered":"Van Eyke \u2013 OS ESPONSAIS DOS ARNOLFINI"},"content":{"rendered":"

Autoria de LuDiasBH
\n\"espanr\"<\/a><\/b><\/i><\/b><\/p>\n

Tira as sand\u00e1lias dos p\u00e9s, porque o lugar em que est\u00e1s \u00e9 uma terra santa. (\u00caxodo)<\/i><\/b><\/p>\n

Tamb\u00e9m conhecida como As Bodas de Arnolfini<\/i> ou O Casal Arnolfini<\/i> esta \u00e9 uma das pinturas mais famosas e mais conhecidas de Jan van Eyke e um dos seus mais admir\u00e1veis trabalhos. Acredita-se que esta obra retrate Giovanni Arnolfini, um rico mercador italiano, e sua noiva Giovanna Cenami que se estabeleceram e prosperaram na cidade de Bruges (hoje B\u00e9lgica) entre 1420 e 1472. O quadro pode ter sido encomendado para celebrar o matrim\u00f4nio do casal. Os estudiosos do assunto ainda n\u00e3o chegaram a uma conclus\u00e3o final sobre as figuras retratadas, assim como a que cerim\u00f4nia a cena refere-se, mas trataremos a obra como um casamento.<\/p>\n

Para muitos, na pintura de Jan Van Eyck n\u00e3o apenas est\u00e1 registrada uma cerim\u00f4nia de casamento, como traz uma vis\u00e3o das obriga\u00e7\u00f5es inerentes ao casamento naquela \u00e9poca em que homem e mulher detinham diferentes deveres. Enquanto Giovanni mostra-se altivo e indiferente, sua esposa inclina a cabe\u00e7a em atitude de submiss\u00e3o. A postura dos esposos \u00e9 extremamente cerimoniosa, bem prop\u00edcia \u00e0 solenidade da ocasi\u00e3o. O casal encontra-se de p\u00e9 em seu quarto. A jovem mulher coloca sua m\u00e3o direita aberta, com a palma virada para cima, sobre a m\u00e3o esquerda do noivo que tem a m\u00e3o direita erguida para prestar o juramento do matrim\u00f4nio. No casamento crist\u00e3o o ajuntamento das m\u00e3os do casal faz parte do ritual da uni\u00e3o. O gesto das m\u00e3os encontra-se quase que no centro da composi\u00e7\u00e3o. \u00c9 importante observar que a curva que elas criam \u00e9 tamb\u00e9m vista no candelabro, dando uma unidade \u00e0 composi\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Embora o noivo ainda se encontre de chap\u00e9u e tabardo (antigo capote de mangas e capuz) com remates de pele de marta, j\u00e1 n\u00e3o usa mais os tamancos \u2014 retirados antes de entrar na casa. Tal gesto e a presen\u00e7a do c\u00e3ozinho s\u00e3o tidos como sinais de fidelidade. Tamb\u00e9m se tirava os sapatos durante uma cerim\u00f4nia religiosa. Enquanto as sand\u00e1lias vermelhas de Giovanna est\u00e3o perto da cama \u2014 posi\u00e7\u00e3o indicativa de seu compromisso com o lar \u2014, os tamancos do marido est\u00e3o mais pr\u00f3ximos do mundo externo, ou seja, na sa\u00edda. Na \u00e9poca havia uma cren\u00e7a de que os p\u00e9s descal\u00e7os em contato com o ch\u00e3o tornavam a mulher mais f\u00e9rtil.<\/p>\n

A mulher, cuja sombra projeta-se sobre a cama do casal, representa a domesticidade. \u00c0 cabeceira de uma cadeira encontra-se uma estatueta de madeira, representa\u00e7\u00e3o de Santa Margarida com um drag\u00e3o aos p\u00e9s \u2014 seu atributo \u2014, sendo ela padroeira das parturientes. Giovanna aparenta estar gr\u00e1vida, embora a maneira de prender a saia no alto fosse moda naquela \u00e9poca. A presen\u00e7a da estatueta da santa poderia refor\u00e7ar a impress\u00e3o de que ela estivesse gr\u00e1vida, mas estudos comprovam que o casal nunca teve filhos. A santa representada tem a seu lado uma escova (espanador), podendo ser tamb\u00e9m Santa Marta \u2014 padroeira das donas de casa \u2014 que tem o mesmo objeto como atributo.<\/p>\n

A presen\u00e7a da cama simboliza a continuidade da linhagem e do sobrenome e tamb\u00e9m a consuma\u00e7\u00e3o do matrim\u00f4nio, santificado pelos sacramentos. \u00c9 tamb\u00e9m o lugar em que se adentra no mundo por ocasi\u00e3o do nascimento e dele se sai ao morrer. O vermelho das cortinas representa a paix\u00e3o. Naquela \u00e9poca fazia parte dos costumes das fam\u00edlias abastadas botar uma cama no sal\u00e3o \u2014 parte da casa onde eram recebidas as visitas. Normalmente era usada como assento, mas, ap\u00f3s o parto, era comum a m\u00e3e receber ali, ao lado de seu beb\u00ea, a visita de parentes e amigos.<\/p>\n

Giovanna n\u00e3o usa um vestido de noiva branco, pois tal costume s\u00f3 apareceu ap\u00f3s a metade do s\u00e9culo XIX. O verde de seu vestido elegante e luxuoso, com punhos de arminho, representa a fertilidade. Est\u00e1 tamb\u00e9m adornada com um colar, v\u00e1rios an\u00e9is e um cinto todo brocado em ouro. O luxo da vestimenta indica que a ocasi\u00e3o era muito especial.  Ela pousa como gr\u00e1vida para dar destaque ao ventre, tido \u00e0 \u00e9poca como a mais bela parte do corpo, assim como os seios pequenos e r\u00edgidos.<\/p>\n

Um ros\u00e1rio de contas de cristal e giesta encontra-se \u00e0 direita do espelho. Naquela \u00e9poca era um presente importante que o noivo dava \u00e0 futura esposa. O cristal simbolizava a pureza, enquanto as contas evidenciavam a virtude da noiva e o compromisso de permanecer sempre devota. O ros\u00e1rio e a giesta referem-se \u00e0s virtudes crist\u00e3s de \u201cora et labore\u201d (ora\u00e7\u00e3o e trabalho). A moldura do espelho apresenta medalh\u00f5es com cena da Paix\u00e3o de Cristo.<\/p>\n

As laranjas na iconografia crist\u00e3 s\u00e3o representativas do fruto proibido do Jardim do \u00c9den, relembrando o pecado da lux\u00faria, sendo que o casamento crist\u00e3o santifica os instintos pecaminosos da humanidade. No contexto da composi\u00e7\u00e3o, elas s\u00e3o tamb\u00e9m um sinal de prosperidade, pois s\u00f3 as classes ricas podiam comprar frutas importadas, o que era negado \u00e0s pobres. A luz que entra pela janela \u00e9 suave e circunda as formas com delicadeza. A claridade desfaz-se lentamente em uma atmosfera tang\u00edvel. O marco arquitet\u00f4nico e o recurso do espelho ao fundo d\u00e3o uma sensa\u00e7\u00e3o de real profundidade.  Atrav\u00e9s da janela aberta \u00e9 poss\u00edvel ver uma sebe. O noivo encontra-se ao p\u00e9 da janela, pois o homem simboliza a liga\u00e7\u00e3o entre o casal e o mundo exterior.<\/p>\n

Um lustre de metal de sete bra\u00e7os pende do teto com uma \u00fanica vela acesa. Representa a presen\u00e7a de Deus onipresente que testemunhou o casamento, o que tornava desnecess\u00e1rias as testemunhas terrenas. O leitor deve estar se sentindo confuso com a aus\u00eancia de um sacerdote, uma vez que se tratava de um casamento crist\u00e3o. No s\u00e9culo XV o casamento era o \u00fanico dos sacramentos que n\u00e3o exigia a presen\u00e7a de um sacerdote ou de testemunhas. Podia ser realizado em qualquer ambiente. Eram os pr\u00f3prios nubentes respons\u00e1veis pelo matrim\u00f4nio. Cabia aos noivos apenas a tarefa de ir \u00e0 igreja juntos e, no dia seguinte, revelavam publicamente o cas\u00f3rio. Mas nem isso era obrigat\u00f3rio.<\/p>\n

 A presen\u00e7a de testemunhas no casamento s\u00f3 era necess\u00e1ria quando envolvia um casal com fortuna. Elas testemunhavam o contrato de casamento que dizia respeito aos bens dos c\u00f4njuges e tinha que ser assinado por duas testemunhas. Na composi\u00e7\u00e3o o homem segura a m\u00e3o da mulher com a sua m\u00e3o esquerda, quando o normal seria a direita. Isso denota que a esposa vinha de classe social baixa, devendo abrir m\u00e3o de seus direitos na heran\u00e7a. Pela presen\u00e7a das duas testemunhas no espelho (uma de azul e outra de vermelho) deduz-se que a pintura realmente registra uma cerim\u00f4nia de casamento. H\u00e1 tamb\u00e9m a hip\u00f3tese de que uma das testemunhas seja um cl\u00e9rigo.<\/p>\n

A presen\u00e7a do c\u00e3ozinho quebra um pouco a sisudez da cena. \u00c9 imposs\u00edvel n\u00e3o observar a maestria com que seu pelo foi pintado. Ele representa o amor simples, o bem-estar e a fidelidade. Em destaque na composi\u00e7\u00e3o encontra-se, numa caligrafia g\u00f3tica, a inscri\u00e7\u00e3o em latim \u201cJohannes de Eyke fruit hic\u201d (Jan van Eyke esteve aqui). O que nos induz a acreditar que o pintor ali se encontrava, testemunhando e registrando o ato solene que uniu o casal.<\/p>\n

Atualmente fala-se que a cerim\u00f4nia apresentada pode ter sido feita para trazer fertilidade para Giovanna, j\u00e1 que o casal n\u00e3o tivera filhos, e uma vez que esse tipo de cerim\u00f4nia era muito usado naqueles tempos, com tal objetivo. Os que defendem tal corrente ancoram-se nas g\u00e1rgulas sorridentes, atr\u00e1s do casal, num banco. Elas simbolizariam o mal que paira sobre ele, sendo a causa do castigo pela vida ad\u00faltera que levava Giovanni Arnolfini. Elas s\u00e3o caracter\u00edsticas do per\u00edodo g\u00f3tico.<\/p>\n

Esta composi\u00e7\u00e3o de Van Eike, apesar de ter sido feita na Idade M\u00e9dia, quando a pintura limitava-se a uma mera representa\u00e7\u00e3o fision\u00f4mica, encanta sobretudo pela capacidade especial na apresenta\u00e7\u00e3o das texturas de superf\u00edcie: a madeira dos tamancos e do assoalho, o corte do arminho sobre o casaco do noivo e os reflexos no espelho. O pintor trabalha na obra com uma vasta gama de tons de tinta a \u00f3leo. Cria grandes \u00e1reas de cores vivas (roupas de cama vermelhas e as vestes da mulher em verde e azul) em contraste com cores escuras. Este quadro surgiu num invent\u00e1rio, cem anos depois de ser pintado pelo artista.<\/p>\n

Denotam a riqueza do casal:<\/p>\n