{"id":4670,"date":"2013-06-01T23:59:14","date_gmt":"2013-06-02T02:59:14","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=4670"},"modified":"2022-07-26T18:15:23","modified_gmt":"2022-07-26T21:15:23","slug":"filme-a-doce-vida","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/filme-a-doce-vida\/","title":{"rendered":"Filme – A DOCE VIDA"},"content":{"rendered":"
Autoria de Lu Dias Carvalho<\/strong> <\/a> \u00a0 <\/a><\/p>\n O filme \u00e9 uma sucess\u00e3o de noites e madrugadas e de idas e vindas. \u00c9 uma alegoria, um grito de alerta sobre um homem sem rumo. (Roger Ebert)<\/i><\/b><\/p>\n Filme lim\u00edtrofe entre uma maneira antiga \u2013linear- de fazer cinema e o modo novo de organizar a hist\u00f3ria em grandes blocos aut\u00f4nomos. A Doce Vida libera o imagin\u00e1rio de Fellini e abre para ele as portas do onirismo e da psican\u00e1lise, um mundo em que as certezas se esgar\u00e7am. (Jean A. Gill)<\/i><\/b><\/p>\n A primeira vez que vi Anita Ekberg foi numa fotografia de uma revista americana.\u00a0 A poderosa pantera se fingia de garotinha, deslizando pelo corrim\u00e3o de uma escada. Tornei a sentir aquela sensa\u00e7\u00e3o de maravilha, de estupor, de incredulidade que se experimenta diante de criaturas excepcionais como a girafa, o elefante, o baob\u00e1, quando a vi, anos mais tarde. Ela \u00e9, al\u00e9m de tudo, fosforescente. (Fellini)<\/i><\/b><\/p>\n Os filmes do cineasta italiano Federico Fellini sempre foram dissecados pela cr\u00edtica com suposi\u00e7\u00f5es muitas vezes absurdas. Uma delas era a de que eles eram autobiogr\u00e1ficos, suposi\u00e7\u00e3o que o deixava muito chateado. Com rela\u00e7\u00e3o ao filme A Doce Vida (1959)<\/i>, a teoria era a de que o diretor classifica ali os sete pecados capitais, tendo sido rodado nas sete colinas de Roma, num per\u00edodo de sete noites e sete madrugadas. N\u00e3o acredito que o cineasta tenha se preocupado com isso. O que Fellini deixa claro \u00e9 que se trata de um filme totalmente inventado, que n\u00e3o se baseia em nada que ele tenha conhecido: \u201cA Roma de que falo \u00e9 uma cidade do interior, tem uma topografia toda espiritual. Eu, por exemplo, nunca conheci nenhum aristocrata, nunca fui a uma festa de aristocracia, nunca participei de orgias e, algumas vezes, passo de carro pela Via Veneto.\u201d<\/i>. O filme foi rodado em Roma, na Via Veneto, onde se encontram muitas casas noturnas, caf\u00e9s na cal\u00e7ada e muita badala\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Marcello (Marcello Mastraioanni), figura central de A Doce Vida<\/i>, \u00e9 um jornalista que escreve uma coluna de sensacionalismo, o que o leva a transitar pelas ruas de Roma \u00e0 cata de not\u00edcias referentes \u00e0 aristocracia decadente, playboys j\u00e1 fora de forma, estrelas de segunda categoria e mulheres do com\u00e9rcio. Al\u00e9m disso, acompanha uma hipot\u00e9tica apari\u00e7\u00e3o de Nossa Senhora a duas crian\u00e7as, nos arredores da cidade. Marcello tem como trabalho falar sobre a vida dos outros, mas se v\u00ea envolvido na sua pr\u00f3pria hist\u00f3ria. Embora bonito, charmoso, cheio de conhecidos e com o h\u00e1bito de tentar agradar a todos, Marcello mostra-se desiludido e sem dire\u00e7\u00e3o. Ele se encontra exausto e chateado com a vida que leva, com noites vazias e madrugadas solit\u00e1rias, mesmo quando se encontra rodeado de pessoas. N\u00e3o gosta do que faz e tem vontade de escrever um livro. Mas tudo se limita apenas ao sonho, pois parece haver um \u00edm\u00e3 entre ele e o ambiente em que vive, \u00e0 procura de mulheres e de hist\u00f3rias. Ele sonha com a felicidade, mas n\u00e3o faz nada para obt\u00ea-la, deixando-se levar. Apesar do glamour, \u00e9 apenas uma v\u00edtima de suas pr\u00f3prias escolhas.<\/p>\n A vida do jornalista bonit\u00e3o j\u00e1 come\u00e7a complicada em casa, ao lado de Emma (Yvonne Furneaux), sua noiva ciumenta, insegura, temperamental, chantagista, pegajosa e suicida. Outra mulher que aparece em sua vida \u00e9 Madalena (Anouk Aim\u00e9e), uma socialite prom\u00edscua que o jornalista encontra numa casa noturna, com quem sai logo a seguir, acabando juntos no quarto de uma prostituta. Eles se reencontram no transcorrer da hist\u00f3ria, quando falam de suas car\u00eancias, e ela lhe pede que se case consigo, mas, imediatamente cai nos bra\u00e7os de outro. Na sua vida sem rumo certo, Marcello frequenta casas noturnas subterr\u00e2neas, bord\u00e9is, uma antiga catacumba, sobe no domo da igreja de S\u00e3o Pedro e na galeria do coro, depois de ter sobrevoado a cidade de helic\u00f3ptero, quando uma est\u00e1tua de Cristo \u00e9 transportada.<\/p>\n Sylvia (Anita Ekberg) \u00e9 uma atriz sueca que chega a Roma para estrelar um filme a cores. Marcello, ao cobrir sua passagem pelo pa\u00eds, v\u00ea-se ca\u00eddo de desejos pela atriz que n\u00e3o fala a sua l\u00edngua. Sobe com ela at\u00e9 o topo da igreja de S\u00e3o Pedro e a leva a v\u00e1rios lugares da cidade. A cena em que ela encontra um gatinho e pede ao jornalista que arranje leite para ele, assim como a que imita o uivo de cachorros s\u00e3o inesquec\u00edveis. Mas a cena primorosa \u00e9 a que acontece na mesma noite, quando, j\u00e1 alvorecendo, ela entra na Fontana di Trevi e ele, hipnotizado por sua beleza, faz o mesmo. Apesar de seu deslumbramento, nada acontece entre os dois. Ela est\u00e1 sempre fora de seu alcance.<\/p>\n Steiner (Alai Cuny) \u00e9 um intelectual que recebe poetas, cantores folcl\u00f3ricos e intelectuais em seu luxuoso apartamento, cheio de obras de arte. Possui uma bela mulher e dois filhos lindos. Aparenta ser extremamente feliz com a vida que leva. \u00c9 superestimado pelo jornalista que o admira e o inveja, e que pretende passar mais tempo em sua companhia. \u00c9 ele quem o estimula a escrever seu livro. Por isso, quando Steiner mata os dois filhos e suicida, ap\u00f3s uma viagem da esposa, Marcello fica decepcionado, pois a paz e a alegria, que o amigo mostrava ter, n\u00e3o passavam de engodos.<\/p>\n O filme A Doce Vida<\/i> \u00e9 bem mais profundo do que se pode imaginar, havendo impl\u00edcitos falha de comunica\u00e7\u00e3o, tristeza e desencanto para com a vida. Dizer que causou esc\u00e2ndalo quando foi lan\u00e7ado parece at\u00e9 brincadeira, se o compararmos com as produ\u00e7\u00f5es atuais. O fato \u00e9 que a Igreja e os conservadores da \u00e9poca viram-no como um desrespeito aos bons costumes e um incentivo \u00e0 amoralidade. Contudo, n\u00e3o existe a certeza de que Marcello tenha feito sexo com algu\u00e9m.<\/p>\n A Doce Vida, <\/i>filme franco-italiano, <\/i>em preto-e-branco, <\/i>\u00e9 uma cr\u00edtica a algo que conhecemos muito bem: o endeusamento das celebridades, voltadas totalmente para as apar\u00eancias, que nos dias de hoje s\u00e3o cada vez mais instant\u00e2neas, al\u00e9m de fazerem qualquer coisa para permanecerem em cena, ainda que nada acrescentem \u00e0 hist\u00f3ria da humanidade. O filme n\u00e3o apresenta uma hist\u00f3ria com in\u00edcio, meio e fim, mas \u00e9 montada a partir de uma s\u00e9rie de encontros, que v\u00e3o dando vida \u00e0 trama. Fellini arranja os epis\u00f3dios com as v\u00e1rias passagens da vida do rep\u00f3rter, cujo resultado final nada mais \u00e9 do que um retrato da vida de seu pa\u00eds entre os anos de 1950 e 1960.<\/p>\n Cenas imperd\u00edveis:<\/p>\n A trilha sonora do filme, composta por Nino Rota, \u00e9 muito rica: jazz, rock e can\u00e7\u00f5es populares.<\/p>\n A Doce Vida<\/i> \u00e9 visto como um cl\u00e1ssico do cinema e uma das obras-primas do diretor Federico Fellini, ao lado de 8 \u00bd<\/i> e Amarcord<\/i>, igualado por muitos a Cidad\u00e3o Kane<\/i>. Encontra-se na lista dos 1000 melhores filmes de todos os tempos pelo The New York Times e, segundo o site Melhores Filmes, ocupa o 19\u00ba lugar entre os melhores de todos os tempos.\u00a0 Roger Ebert<\/i>, falecido cr\u00edtico de cinema, colocou-o na lista de seus dez filmes favoritos e como o melhor de Fellini.<\/p>\n A famosa cena de abertura, na qual uma est\u00e1tua de Cristo \u00e9 transportada sobre Roma por um helic\u00f3ptero, \u00e9 associada ao final, em que pescadores encontram dentro da rede um monstro marinho. Dois s\u00edmbolos de Cristo: a escultura \u201cmaravilhosa\u201d, por\u00e9m falsa, o peixe \u201chorrendo\u201d, mas verdadeiro. (Roger Ebert)<\/i><\/p>\n Curiosidades:<\/span><\/p>\n A pedido do site de VEJA, Jos\u00e9 Wilker, ator e cin\u00e9filo, comentou a obra e o que faz dela um cl\u00e1ssico:<\/p>\n 1. Comece interpretando o t\u00edtulo \u00a02. Perca-se no labirinto de Fellini 3. Perceba as cores do preto e branco 4. Confira a assinatura da obra 5. Visite a Roma de Fellini 6. Note a atua\u00e7\u00e3o 7. \u201cOlhe\u201d para o som Fontes de Pesquisa: Views: 11<\/p>","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Autoria de Lu Dias Carvalho \u00a0 O filme \u00e9 uma sucess\u00e3o de noites e madrugadas e de idas e vindas. \u00c9 uma alegoria, um grito de alerta sobre um homem sem rumo. 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\n<\/b><\/p>\n\n
\n<\/strong>Uma das coisas mais importantes e significativas \u00e9 a ironia do t\u00edtulo. A \u201cdoce vida\u201d \u00e9, na verdade, uma vida miser\u00e1vel. Fellini retrata uma cidade absolutamente decadente depois da guerra, tentando agir como metr\u00f3pole, o que n\u00e3o era mais. No lan\u00e7amento, o filme provocou sensa\u00e7\u00e3o, mas tamb\u00e9m esc\u00e2ndalo. Como se algu\u00e9m revelasse um segredo que s\u00f3 se pudesse contar dentro de casa, para as pessoas mais intimas \u2013 a decad\u00eancia, a falta de dire\u00e7\u00e3o do que seria considerado um bom comportamento.<\/p>\n
\n<\/strong>A Doce Vida <\/em>segue o esp\u00edrito do diretor, que nunca contou uma hist\u00f3ria em linha reta. Mas seus emaranhados de ideias em labirinto ganham forma clara ao final. O livro Fellini\u2019s Book of Dreams<\/em>, que re\u00fane as ilustra\u00e7\u00f5es que ele fazia de seus sonhos noturnos, me ajudou a olhar sua obra. Ele filmava os pr\u00f3prios sonhos. E a desordem dos seus sonhos apresentava uma ordem fant\u00e1stica.<\/p>\n
\n<\/strong>O uso da fotografia em preto e branco \u00e9 not\u00e1vel. Voc\u00ea olha uma Roma em p&b que \u00e9 colorida \u2013 na verdade, sempre tive a sensa\u00e7\u00e3o de que o filme era colorido, ainda que em tons sombrios, ao me lembrar de cenas dele, tempos depois de ter visto.<\/p>\n
\n<\/strong>Uma vez perguntaram a Fellini: \u201cMestre, o senhor improvisa muito?\u201d. Ele respondeu: \u201cSim, evidentemente. Mas, antes disso, eu ensaio muito\u201d. Tenho a impress\u00e3o de que ele trabalhava com amigos, mais do que com uma equipe, que era sempre a mesma. D\u00e1 para perceber que eles falavam a mesma l\u00edngua. \u00c9 por motivos como esse que a obra \u00e9 precursora de filmes como Blow-up \u2013 Depois Daquele Beijo <\/em>(1966, de Michelangelo Antonioni) e de Taxi Driver <\/em>(1976, Martin Scorsese), por exemplo.<\/p>\n
\n<\/strong>Fellini lan\u00e7a um olhar singular sobre a arquitetura de Roma. A pr\u00f3pria cena da Anita Ekberg se banhando na Fontana di Trevi \u00e9 isso: a fonte \u00e9 para tomar banho e n\u00e3o para ser admirada. Fa\u00e7o uma analogia com a minha m\u00e3e, que jogou meus bonecos de Vitalino no lixo, pois para ela aquilo eram coisas velhas. Ele olhava pra Roma com grande paix\u00e3o, mas com grande clareza em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 cidade se reconstruindo da guerra.<\/p>\n
\n<\/b>Fellini fez com que seus atores sonhassem os mesmos sonhos que ele. Marcello Mastroiani n\u00e3o era um ator que, segundo consta, gostasse de trabalhar; percebi isso quando filmamos Gabriela, Cravo e Canela <\/i>aqui no Brasil (1983<\/i>). Ele dormia! [Risos] Ele pedia para ser acordado, ia l\u00e1 e gravava. Isso s\u00f3 acontece com quem tem uma profunda forma\u00e7\u00e3o e uma imensa intui\u00e7\u00e3o. J\u00e1 a Anita Ekberg \u00e9 uma figura ex\u00f3tica, devastadora. Acho que Fellini foi o \u00fanico a arrancar dela, ela mesma. E um poder de sedu\u00e7\u00e3o que provavelmente a atriz n\u00e3o sabia que tinha.<\/p>\n
\n<\/b>\u00c9 dif\u00edcil ver Fellini sem ouvir, mentalmente, o trabalho do compositor Nino Rota, que assina a trilha sonora. Quando ele esteve no Brasil, perguntei-lhe sobre a colabora\u00e7\u00e3o com o diretor. A impress\u00e3o que me deu \u00e9 a de que ele nem tinha visto o filme, como se j\u00e1 soubesse o que tinha que fazer. Bem, \u00e9 claro que ele viu… A trilha \u00e9 genial.<\/p>\n
\n<\/span>A Magia do Cinema\/ Roger Ebert
\nCine Europeu\/ Cole\u00e7\u00e3o Folha
\nSite da Veja<\/p>\n