{"id":604,"date":"2013-02-23T21:54:47","date_gmt":"2013-02-23T21:54:47","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=604"},"modified":"2022-07-26T11:58:19","modified_gmt":"2022-07-26T14:58:19","slug":"filme-a-trilogia-de-apu-india","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/filme-a-trilogia-de-apu-india\/","title":{"rendered":"Filme – A TRILOGIA DE APU (\u00cdndia)"},"content":{"rendered":"
Autoria de Lu Dias Carvalho <\/a> \u00a0<\/a><\/p>\n Apu n\u00e3o \u00e9 severo, bruto ou c\u00ednico, mas um sincero e ing\u00eanuo idealista, mais motivado por vagos anseios do que por objetivos concretos. \u00c9 o reflexo de uma sociedade que n\u00e3o coloca a ambi\u00e7\u00e3o \u00e0 frente de tudo, mas \u00e9 filos\u00f3fica, meditativa e otimista. (Roger Ebert)<\/em><\/strong><\/p>\n Ao dirigir os tr\u00eas filmes que comp\u00f5em a Trilogia de Apu, ficou claro que um dos grandes mestres do cinema humanista havia se apresentado ao mundo. Tratava-se de Satuajit Ray. (PK \u2013 Tudo sobre Cinema)<\/em><\/strong><\/p>\n \u00c9 incompreens\u00edvel para todos n\u00f3s que nutrimos um grande fasc\u00ednio pela \u00cdndia, o fato de que tr\u00eas dos seus filmes mais premiados na Europa n\u00e3o tenham chegado at\u00e9 \u00e0s nossas salas de cinema, pois \u00e9 imposs\u00edvel n\u00e3o se emocionar com A Can\u00e7\u00e3o da Estrada<\/em>, O Invenc\u00edvel<\/em> e O Mundo de Apu<\/em>, as mais cultuadas cria\u00e7\u00f5es do cinema indiano, que comp\u00f5em a famos\u00edssima Trilogia de Apu<\/em>.<\/p>\n Satuajit Ray (1921 \u2013 1992) era apenas um ator mediano em Calcut\u00e1, sem contatos importantes e muito menos dinheiro, quando se entusiasmou com o romance cl\u00e1ssico do escritor bengali Bibhutibhushan Bandyopadhyay, que narra a vida de Apu desde o seu nascimento at\u00e9 sua juventude. Nessa trajet\u00f3ria, o personagem passa os primeiros anos de sua vida num vilarejo rural, depois parte com a fam\u00edlia para a cidade santa de Benares, estuda em Calcut\u00e1 e continua sendo empurrado pela vida, que o coloca nas mais impens\u00e1veis e sofridas situa\u00e7\u00f5es, apesar das muitas esperan\u00e7as acalentadas.<\/p>\n Munido de criatividade e muita coragem, o cineasta Satuajit Ray decidiu adaptar o romance descrito acima para o cinema. Realidade ou n\u00e3o, a filmagem de A Can\u00e7\u00e3o da Estrada, primeiro filme da trilogia, foi muito especial. Dizem que Ray jamais havia dirigido uma cena, seu camaraman nunca havia filmado uma cena e a m\u00fasica era de um compositor que jamais trabalhara para o cinema. Por sua vez, os atores infantis nada sabiam sobre a arte da interpreta\u00e7\u00e3o, e nem sequer foram testados para os pap\u00e9is. Como diz o grande cr\u00edtico de cinema, o norte-americano Roger Ebert, os atores dos tr\u00eas filmes foram todos forjados pela vida e adaptados aos personagens.<\/p>\n N\u00e3o foi f\u00e1cil para Satuajit Ray conseguir dinheiro para fazer seu primeiro filme. O empr\u00e9stimo conseguido s\u00f3 foi suficiente para o in\u00edcio das filmagens. Sua esperan\u00e7a era a de que os patrocinadores, ao verem o material filmado, viessem a se interessar em financiar o restante. Sua batalha foi tamanha, que o filme levou quatro anos para ser conclu\u00eddo.<\/p>\n Com esses tr\u00eas filmes, Satuajit Ray conquistou todos os grandes pr\u00eamios do cinema em Cannes, Veneza, Berlim e Londres, criando um novo tipo de cinema na \u00cdndia, bem diferente dos filmes industriais com seus inacab\u00e1veis e sonolentos musicais. A trilogia, ao contr\u00e1rio dos filmes biogr\u00e1ficos, n\u00e3o se foca em Apu, o biografado. Todos os demais personagens recebem o olhar sens\u00edvel do diretor. Apu \u00e9 o elo principal da fam\u00edlia e da hist\u00f3ria.<\/p>\n Filmes que comp\u00f5em a trilogia:<\/span><\/p>\n A Can\u00e7\u00e3o da Estrada<\/em> (1950 a 1954) ? \u00e9 considerado a obra-prima do cineasta. Conta a hist\u00f3ria de Apu, desde o nascimento at\u00e9 alguns anos de sua inf\u00e2ncia, vivendo com os pais, a irm\u00e3 mais velha e uma tia (ou bisav\u00f3) idosa num remoto vilarejo rural de Bengala, na pobreza. Ele \u00e9 um garotinho extremamente inteligente, capaz de observar tudo ao seu redor. Seus grandes olhos negros s\u00e3o como far\u00f3is sempre acesos. Nesse primeiro filme, s\u00e3o as mulheres que t\u00eam uma participa\u00e7\u00e3o mais forte, incluindo as parentas da aldeia ancestral.<\/p>\n O pai de Apu \u00e9 um pregador br\u00e2mane e poeta, que quase n\u00e3o permanece em casa. \u00c9 um homem terno, mas muito sonhador. Encontra-se sempre cheio de novas ideias para melhorar a vida da fam\u00edlia. Acredita piamente nas possibilidades de mudan\u00e7as. A m\u00e3e, contudo, \u00e9 realista e o baluarte da fam\u00edlia. Ao contr\u00e1rio do esposo, tem os p\u00e9s no ch\u00e3o e \u00e9 a respons\u00e1vel pela sobreviv\u00eancia de todos, assim como pelas d\u00edvidas contra\u00eddas. Atrav\u00e9s de seus grandes olhos amendoados \u00e9 poss\u00edvel ver uma intensa solid\u00e3o.<\/p>\n Quando esse filme foi mostrado no Festival de Cannes, provocou tripla emo\u00e7\u00e3o: a de ter sido o primeiro filme da cinematografia indiana a se colocar entre os melhores filmes j\u00e1 feitos em todo o mundo; por ser uma obra bel\u00edssima, capaz de encantar todas as plateias e pela certeza de que um grande diretor fazia a sua entrada no mundo da S\u00e9tima Arte.<\/p>\n Uma das cenas mais marcantes de A Can\u00e7\u00e3o da Estrada<\/em> acontece, quando Apu e sua irm\u00e3 Durga brigam, e ele sai atr\u00e1s dela pelos campos. No caminho, fazem as pazes e continuam andando, afastando-se de casa, at\u00e9 que ouvem o barulho de um trem e veem a fuma\u00e7a subindo ao c\u00e9u. \u00c9 a primeira vez que conhecem um trem. Um mundo totalmente diferente descortina-se diante dos dois garotos maravilhados.<\/p>\n Outra cena comovente d\u00e1-se, quando a m\u00e3e cuida de sua filha febril durante uma tempestade, temerosa de que o vento arranque a prote\u00e7\u00e3o do casebre e a chuva entre. Seus olhos parecem saltar do rosto, tamanha \u00e9 sua afli\u00e7\u00e3o.<\/p>\n O Invenc\u00edvel<\/em> (1956) ? \u00e9 o segundo filme. Conta a hist\u00f3ria da fam\u00edlia em Benares, onde o pai sobrevive fazendo prega\u00e7\u00f5es para os romeiros que v\u00e3o tomar banho no rio Ganges. \u00c9 tamb\u00e9m onde Apu trava contato com um mundo totalmente diferente daquele que deixara para tr\u00e1s. Por causa de uma trag\u00e9dia na vida da fam\u00edlia, Apu e a m\u00e3e v\u00e3o morar com um parente numa zona rural. Fascinado pelos livros, ele acaba conquistando uma bolsa de estudos. Ter\u00e1 que optar entre deixar a m\u00e3e sozinha e deprimida, e seguir seus sonhos. A m\u00e3e reluta a princ\u00edpio. Mas, apesar da tristeza e da solid\u00e3o, acaba encorajando o filho a seguir seu caminho.<\/p>\n Uma cena marcante de O Invenc\u00edvel diz respeito \u00e0 volta da m\u00e3e com o filho para o interior. E, depois, o lento afastamento que vai surgindo entre os dois. Apu vai passar as f\u00e9rias com a m\u00e3e, mas lhe d\u00e1 pouca aten\u00e7\u00e3o. Est\u00e1 quase sempre dormindo ou lendo. Ele resolve partir antes do dia. Ela lhe pede para ficar mais um tempo, mas ele n\u00e3o a ouve. Vai para a esta\u00e7\u00e3o de trens e de l\u00e1 volta arrependido para casa, para ficar mais um dia.<\/p>\n O Mundo de Apu<\/em> (1959) ? \u00e9 o \u00faltimo filme da trilogia. \u00c9 voltado para a vida de Apu que se casa, ganha um filho, mas depois tem o cora\u00e7\u00e3o transpassado pela amargura e desesperan\u00e7a. Foge para a selva at\u00e9 que, ao receber a visita do amigo Pulu, resolve visitar o filho que ainda n\u00e3o conhece. O encontro entre os dois \u00e9 uma luta entre a rejei\u00e7\u00e3o e o amor. E um dos sentimentos acabar\u00e1 vencendo.<\/p>\n Em O Mundo de Apu<\/em> acontece a mais inusitada das cenas:<\/p>\n Apu, j\u00e1 estudante graduado, \u00e9 convidado por seu grande amigo Pulu para o cas\u00f3rio de sua prima. O dia do casamento fora escolhido de acordo com o mapa astrol\u00f3gico da garota. A fam\u00edlia ainda n\u00e3o conhece o noivo. A cerim\u00f4nia est\u00e1 prestes a come\u00e7ar, quando m\u00e3e e filha percebem que o noivo \u00e9 amalucado. A m\u00e3e impede o casamento, mesmo contra a vontade do pai, pois, se a mocinha n\u00e3o se casar naquele dia, ficar\u00e1 amaldi\u00e7oada para sempre. Palu, desesperado com a sorte da prima, convence Apu a se casar com ela. Em resumo: ele deixou Calcut\u00e1 para ir a uma festa de casamento e volta casado, para surpresa dos vizinhos.<\/p>\n Tamb\u00e9m n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel deixar de citar o desempenho extraordin\u00e1rio de Chunibala Devi, respons\u00e1vel pelo papel da tia idosa (ou bisav\u00f3), totalmente encurvada e enrugada. Ela j\u00e1 havia sido atriz h\u00e1 muitas d\u00e9cadas antes. E, quando se iniciaram as filmagens de A Can\u00e7\u00e3o da Estrada<\/em> (\u00fanico filme do qual participa), estava com 80 anos e vivia num bordel. Ao ser procurada por Satuajit Ray, ela pensou que ele estivesse \u00e0 cata de companhia. No filme ela n\u00e3o tem nenhum bem material, a n\u00e3o ser seus trapos, uma esteira e uma tigela. Mas nunca se mostra descontente ou desesperada. Ela apenas aceita a vida tal e qual ela lhe apresenta.<\/p>\n Ao contr\u00e1rio do que poder\u00edamos imaginar, os tr\u00eas filmes que comp\u00f5em a Trilogia de Apu<\/em> n\u00e3o foram feitos na poderosa ind\u00fastria de Bollywood, mas em Bengala, bem longe de Bombaim (ou Mumbai), famosa capital do cinema indiano.<\/p>\n Embora a Trilogia de Apu<\/em> apresente-nos, \u00e0 primeira vista, um mundo totalmente diferente do nosso, se olharmos com mais profundidade, perceberemos que a dist\u00e2ncia n\u00e3o \u00e9 t\u00e3o grande assim. Ele mostra o relacionamento entre pais e filhos, que cont\u00eam as mesmas verdades, em qualquer que seja a cultura: os pais sacrificam-se pelos filhos anos a fio, at\u00e9 que eles partem decididos, deixando-os para tr\u00e1s. Ou, assim que ascendem a uma condi\u00e7\u00e3o cultural ou social melhor do que a dos pais, passam a negligenci\u00e1-los ou a lhes dar menos aten\u00e7\u00e3o. No segundo caso, temos os pais abandonados de filhos presentes. Os tr\u00eas filmes trazem um pouco de cada um de n\u00f3s, neste mundo cheio de incertezas, em que as trag\u00e9dias podem estar sempre \u00e0 espreita.<\/p>\n Caros leitores, a Trilogia de Apu<\/em> \u00e9 uma das obras-primas do cinema mundial e que, incompreensivelmente, continua in\u00e9dita nas tr\u00eas Am\u00e9ricas, mesmo aparecendo entre os Cem Melhores Filmes da Hist\u00f3ria do Cinema.<\/p>\n Fontes de Pesquisa: Views: 9<\/p>","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Autoria de Lu Dias Carvalho \u00a0 Apu n\u00e3o \u00e9 severo, bruto ou c\u00ednico, mas um sincero e ing\u00eanuo idealista, mais motivado por vagos anseios do que por objetivos concretos. \u00c9 o reflexo de uma sociedade que n\u00e3o coloca a ambi\u00e7\u00e3o \u00e0 frente de tudo, mas \u00e9 filos\u00f3fica, meditativa e otimista. 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