{"id":639,"date":"2013-02-24T17:25:21","date_gmt":"2013-02-24T20:25:21","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=639"},"modified":"2022-07-26T12:09:52","modified_gmt":"2022-07-26T15:09:52","slug":"filme-laranja-mecanica","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/filme-laranja-mecanica\/","title":{"rendered":"Filme \u2013 LARANJA MEC\u00c2NICA"},"content":{"rendered":"
Autoria de Lu Dias Carvalho \u00a0<\/a> \u00a0 <\/a><\/p>\n Vamos l\u00e1! Acabem comigo, covardes desgra\u00e7ados. Eu n\u00e3o quero viver mesmo. N\u00e3o neste mundo fedorento. \u00c9 fedorento porque a lei e a ordem n\u00e3o existem mais. \u00c9 fedorento porque deixam que os jovens batam nos velhos, como voc\u00eas est\u00e3o fazendo. N\u00e3o \u00e9 um mundo onde um velho possa viver. Que tipo de mundo \u00e9 este, afinal? Homens na lua, homens girando ao redor da Terra e ningu\u00e9m mais presta aten\u00e7\u00e3o na lei e na ordem terrestre. (O mendigo espancado)<\/strong><\/em><\/p>\n N\u00f3s nos divertimos com outros viajantes noturnos, brincando de donos da estrada. A\u00ed fomos para o este. O que quer\u00edamos agora era fazer a velha visita surpresa. Era muito legal, bom para rir e liberar a velha ultraviol\u00eancia. (Alex)<\/strong><\/em><\/p>\n O diretor norte-americano, Stanley Kubrick, balan\u00e7ou os alicerces da s\u00e9tima arte, quando trouxe para as telas Laranja Mec\u00e2nica<\/em> (1971), adapta\u00e7\u00e3o do romance hom\u00f4nimo do escritor ingl\u00eas Anthony Burgess, em que mostra os desajustes sociais com os quais convive a humanidade. Confrontar o homem consigo mesmo e com a sociedade em que vive, parece ter sido uma preocupa\u00e7\u00e3o constante na obra do grande diretor, a exemplo de Lolita, O Iluminado e Nascido para Matar. Mesmo em 2001, uma Odisseia no Espa\u00e7o, nota-se a preocupa\u00e7\u00e3o de Kubrick com o homem e o avan\u00e7o sem freio da tecnologia.<\/p>\n Laranja Mec\u00e2nica<\/em> foi o filme mais discut\u00edvel do diretor, mas acabou se transformando num cl\u00e1ssico do cinema mundial. Chegou a ser retirado de circula\u00e7\u00e3o no Reino Unido pelo pr\u00f3prio Kubrick, por um per\u00edodo de quase 30 anos. Apesar de muito criticado, o filme foi um sucesso ao ser lan\u00e7ado, levando um grande p\u00fablico aos cinemas. Mesmo hoje, 40 anos depois, Laranja Mec\u00e2nica<\/em> \u00e9 lembrado por aqueles que o viram e continua sendo um filme instigante para quem n\u00e3o o viu. Apesar de ter sido visto, \u00e0 \u00e9poca, como uma f\u00e1bula de fic\u00e7\u00e3o cient\u00edfica social, o tema encontra-se bem presente em nossos dias.<\/p>\n Alex (Malcolm McDowell) \u00e9 o chefe de um grupo de 3 delinq\u00fcentes juvenis. Usam macac\u00f5es brancos e chap\u00e9us pretos e uma bengala como arma. Os elementos transviados comunicam-se atrav\u00e9s de um dialeto (mistura de russo, ingl\u00eas e cockney). S\u00e3o extremamente inst\u00e1veis, drogam-se e cultivam um prazer doentio pela viol\u00eancia extrema. Est\u00e3o sempre em busca de emo\u00e7\u00f5es fortes. Alex parece ter um \u00fanico gosto sadio: a paix\u00e3o pelo compositor alem\u00e3o Ludwig van Beethoven.<\/p>\n Logo no in\u00edcio do filme, o grupo espanca um velho mendigo e massacra uma gangue rival. Tudo em nome da divers\u00e3o. Em outra cena, os pervertidos simulam um pedido de socorro e pedem para usar o telefone de uma casa. Ao ser aberta a porta, espancam o escritor, dono da casa, deixando-o inv\u00e1lido e estupram sua esposa, que vem a falecer dois meses depois. Enquanto a cena aterrorizante acontece, Alex canta Singin`in the Rain (Cantando na Chuva) sordidamente.<\/p>\n O chefe come\u00e7a a se dar mal quando invade o spa de outra mulher. Ela havia lido sobre o bando de adolescentes arruaceiros e, por isso, recusa-se a abrir a porta, depois de ouvir a mesma hist\u00f3ria sobre a necessidade de usar o telefone. Comunica o fato \u00e0 pol\u00edcia que se p\u00f5e \u00e0 caminho. Quando os policiais chegam, Alex j\u00e1 havia entrado por uma janela e esmagado a cabe\u00e7a da mulher com uma escultura f\u00e1lica. Seus amigos, chateados com seu comportamento cada vez mais agressivo para com eles, aproveitam para se vingar. Agridem-no com uma garrafa de leite, deixando-o ca\u00eddo na entrada da casa, onde \u00e9 preso em flagrante.<\/p>\n Alex \u00e9 sentenciado a 14 anos de pris\u00e3o e encaminhado a uma cadeia extremamente r\u00edgida, onde as coisas funcionam na base do \u201colho por olho\u201d, mas s\u00f3 fica preso dois anos. Ali, toma conhecimento do m\u00e9todo Ludovico de tratamento, que consiste em fazer o indiv\u00edduo presenciar formas extremas de viol\u00eancia sob a influ\u00eancia de certo soro. \u00c1vido por deixar a pris\u00e3o, ele se oferece como volunt\u00e1rio. O objetivo da terapia experimental \u00e9 fazer com que o criminoso passe a ter avers\u00e3o \u00e0 viol\u00eancia, de modo a extinguir sua propens\u00e3o para o crime.<\/p>\n O modo como se d\u00e1 a suposta \u201creabilita\u00e7\u00e3o\u201d de Alex, tirando-lhe o livre-arb\u00edtrio, parece ainda mais terr\u00edvel de que os crimes cometidos por ele. O garoto \u00e9 amarrado, os olhos s\u00e3o mantidos abertos \u00e0 for\u00e7a e ele \u00e9 submetido a longas sess\u00f5es de terapia. Tamb\u00e9m \u00e9 drogado antes de ver os filmes, para que associe as a\u00e7\u00f5es violentas com a dor que estas lhe provocam. O m\u00e9todo aplicado atinge o objetivo de acabar com a sua tend\u00eancia violenta, mas, em contrapartida, retira-lhe toda a humanidade. Ele n\u00e3o mais comete viol\u00eancia, mesmo em defesa pr\u00f3pria, mas tamb\u00e9m deixa de ser humano.<\/p>\n Assim que termina o tratamento, Alex passa por uma prova, diante de um grupo escolhido, quando \u00e9 tido como apto para voltar \u00e0 sociedade. O capel\u00e3o \u00e9 o \u00fanico a se opor verbalmente ao m\u00e9todo, sob a alega\u00e7\u00e3o de que:<\/p>\n O rapaz n\u00e3o tem escolha, tem? O interesse pr\u00f3prio e o medo da dor f\u00edsica levaram-no a esse grotesco ato de humilha\u00e7\u00e3o. Ele deixou de ser um malfeitor, mas deixa tamb\u00e9m de ser uma criatura capaz de escolhas morais.<\/p>\n Responde o Ministro:<\/p>\n Padre, isso s\u00e3o sutilezas. N\u00e3o estamos preocupados com motivos, com \u00e9ticas elevadas, mas com a diminui\u00e7\u00e3o da criminalidade e da superlota\u00e7\u00e3o de nossas pris\u00f5es. Ele ser\u00e1 o seu verdadeiro crist\u00e3o, pronto a oferecer a outra face, pronto a ser crucificado em lugar de crucificar, profundamente enojado pela ideia de matar uma mosca. O importante \u00e9 que funciona.<\/em><\/p>\n A nova vida de Alex \u00e9 um fiasco, pois come\u00e7a sendo rejeitado pelos pais. Diante da viol\u00eancia e do sexo ele sente vontade de vomitar, sentindo-se \u201cparalisado e desumanizado feito uma laranja mec\u00e2nica\u201d. N\u00e3o mais se v\u00ea como indiv\u00edduo. Fragilizado, \u00e9 tra\u00eddo pelos amigos de seu antigo grupo e atemorizado por suas antigas v\u00edtimas. Tamb\u00e9m n\u00e3o consegue mais ouvir a 9\u00aa Sinfonia de Beethoven, sua pe\u00e7a favorita. \u00c9 levado a tentar suic\u00eddio, passa meses no hospital e se torna um aut\u00f4mato nas m\u00e3os de pol\u00edticos que o usam conforme seus interesses.<\/p>\n Embora o filme tenha sido criticado, \u00e0 \u00e9poca de seu lan\u00e7amento, por sua alta dose de viol\u00eancia, hoje n\u00e3o causa espanto algum. Quem o v\u00ea pela segunda vez, j\u00e1 sem a ansiedade da primeira, ir\u00e1 notar como as cenas de viol\u00eancia n\u00e3o s\u00e3o expl\u00edcitas, em sua mioria, mas apenas sugestionadas pelo diretor. Observe a cena em que o mendigo \u00e9 atacado pelo grupo. Aos poucos ela vai se distanciando dos olhos do espectador. Quando a mulher do escritor \u00e9 violentada, ela s\u00f3 \u00e9 vista at\u00e9 o momento em que o seu macac\u00e3o \u00e9 cortado. Outra cena sem viol\u00eancia expl\u00edcita \u00e9 aquela em que Alex copula com duas garotas, sob o som da abertura do Guilherme Tell de Rossini. A velocidade com que a cena \u00e9 mostrada n\u00e3o permite visualizar com clareza a bacanal.<\/p>\n Laranja Mec\u00e2nica<\/em> \u00e9 um filme que deve ser visto, sobretudo, por sua capacidade de nos levar \u00e0 reflex\u00e3o sobre temas que, muitas vezes, passam-nos despercebidos:<\/p>\n \u2022 A agressividade gratuita de pessoas que n\u00e3o possuem nenhum compromisso com a vida, ou que se sentem enfaradas com o que fazem, foi sempre uma constante na hist\u00f3ria da humanidade. Infelizmente, nos dias de hoje, essa hostilidade \u00e9 cada vez maior e, portanto, muito mais destrutiva.<\/p>\n \u2022 Os pais, nem sempre, t\u00eam clareza daquilo que fazem os filhos menores, deixando-os \u00e0 pr\u00f3pria sorte, quando, muitas vezes, eles precisam urgentemente de ajuda.<\/p>\n \u2022 O indiv\u00edduo est\u00e1 sempre \u00e0 merc\u00ea do Estado, fragilizado nos seus direitos individuais, pois esses devem estar sempre em conformidade com o \u201cdesejo\u201d do Estado vigente, seja l\u00e1 qual for a ideologia de seus comandantes.<\/p>\n \u2022\u00a0 A brutalidade institucionalizada \u00e9, muitas vezes, mais amedrontadora, pois parte dos respons\u00e1veis por assegurar os direitos individuais.<\/p>\n \u2022 A hipocrisia dos pol\u00edticos estende-se al\u00e9m dos partidos e das ideologias. Debaixo do mantra, que diz proteger o cidad\u00e3o ou a coletividade, escondem, quase sempre, interesses escusos, postos \u00e0 mesa como se fossem direcionados ao bem comum. Mas, nas entrelinhas, \u00e9 o interesse pr\u00f3prio a meta a ser atingida.<\/p>\n \u2022 Quando Alex perde a sua tend\u00eancia para o mal, tamb\u00e9m perde a sua humanidade. Fica subentendido que o homem precisa do mal e do bem (dualidade) para se tornar humano. Conclui-se, portanto, que sem o livre-arb\u00edtrio perde-se a natureza humana. Que paradoxo!<\/p>\n Mas a quest\u00e3o que gostaria de discutir com o leitor \u00e9 a seguinte:<\/p>\n \u00c9 \u00e9tico, moral ou humano submeter criminosos a processos que, em nome de salvaguardar a sociedade, retirem-lhes o livre-arb\u00edtrio? Ou eles devem pagar por seus erros sempre conscientes do que fizeram? Em qual situa\u00e7\u00e3o Alex pagou um pre\u00e7o maior por seus crimes: aquela em que teve de se submeter a uma r\u00edgida casa de deten\u00e7\u00e3o, ou, quando estava abobalhado, sem consci\u00eancia de si mesmo? Com a palavra o leitor.<\/p>\n Fontes de pesquisa: Views: 4<\/p>","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Autoria de Lu Dias Carvalho \u00a0 \u00a0 Vamos l\u00e1! Acabem comigo, covardes desgra\u00e7ados. Eu n\u00e3o quero viver mesmo. N\u00e3o neste mundo fedorento. \u00c9 fedorento porque a lei e a ordem n\u00e3o existem mais. \u00c9 fedorento porque deixam que os jovens batam nos velhos, como voc\u00eas est\u00e3o fazendo. 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