{"id":6990,"date":"2013-09-04T22:07:20","date_gmt":"2013-09-05T01:07:20","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=6990"},"modified":"2020-06-05T17:40:35","modified_gmt":"2020-06-05T20:40:35","slug":"a-arte-gotica-1a-parte","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/a-arte-gotica-1a-parte\/","title":{"rendered":"A ARTE G\u00d3TICA (1\u00aa Parte)"},"content":{"rendered":"

Autoria do Prof. Pierre Santos<\/strong>\u00a0\"gamela1234\"<\/a><\/p>\n

N\u00e3o \u00e9 sem raz\u00e3o que muitos autores, referindo-se \u00e0s t\u00e9cnicas de constru\u00e7\u00e3o equacionadas pela arte que encerra o ciclo medieval, falam em milagre g\u00f3tico<\/i>. De fato, como que do dia para a noite, num passe de m\u00e1gica, vemos alijar-se o peso maci\u00e7o da igreja rom\u00e2nica e do edif\u00edcio brotarem verdadeiros tent\u00e1culos de aranha rendados a impelirem-no para cima, como se o templo estivesse tentando a liberta\u00e7\u00e3o das amarras de pedra de seus alicerces, para ascender ao encontro do c\u00e9u. Eis, afinal, satisfeito o anseio de enlevo e \u00eaxtase que, dominando e superando a materialidade do instrumental de constru\u00e7\u00e3o, leva o elemento s\u00edntese de suas ansiedades, a Catedral<\/i>, a se transformar toda ela numa contrita prece de pedra e de argamassa.<\/p>\n

Sem d\u00favida, n\u00e3o foram nada f\u00e1ceis as solu\u00e7\u00f5es que o engenho do arquiteto g\u00f3tico obteve. Se o ponto de partida era aparentemente simples, como seja a vis\u00e3o estrutural do conjunto, seu equacionamento estava longe de ser um \u201covo de Colombo\u201d, como querem acreditar alguns historiadores; ao contr\u00e1rio, demandou muito esfor\u00e7o e concentra\u00e7\u00e3o. Coroados de \u00eaxito o racioc\u00ednio, o planejamento e a execu\u00e7\u00e3o, o arquiteto g\u00f3tico inaugurou imprevistas possibilidades para o estilo, que dominou durante mais de tr\u00eas s\u00e9culos toda a Europa, em cuja vis\u00e3o estrutural (\u00e0 qual, se algu\u00e9m, por analogia, tivesse dado o nome de pedra armada<\/i>, teria estado absolutamente correto) encontramos o leg\u00edtimo ancestral da moderna estrutura de cimento armado<\/i>.<\/p>\n

O ponto de partida foi a retomada de um elemento arquitet\u00f4nico existente desde havia muito \u2013 o arco ogival <\/i>ou quebrado<\/i> \u2013 de cujas possibilidades estruturais os arquitetos anteriores n\u00e3o souberam tirar partido. Esta retomada foi, sem d\u00favida, um \u201covo de Colombo\u201d, que acionou e acelerou o processamento da revolu\u00e7\u00e3o operada pelo estilo g\u00f3tico. Mas, como uma coisa puxa outra, seu emprego devido numa conjuntura necessariamente complexa exigiria do arquiteto, como um desafio, outros achados agora originais, que perfizessem em seu conjunto a ambicionada harmonia expressiva e simb\u00f3lica. Aceitando o desafio, esse arquiteto, como se diz, agarrou com unhas o bloco p\u00e9treo, e, subjugando-o aos caprichos de sua intelig\u00eancia, replicou desafiando, por sua vez, as leis da gravidade, com o emprego dos princ\u00edpios que agiram sobre a articula\u00e7\u00e3o entre os v\u00e1rios elementos de que lan\u00e7ou m\u00e3o.<\/p>\n

O objetivo primordial era um equil\u00edbrio ideal para as for\u00e7as que agem sobre a constru\u00e7\u00e3o, neutralizando-as em suas press\u00f5es, n\u00e3o simplesmente atrav\u00e9s da sustenta\u00e7\u00e3o do peso vertical da gravidade, mas atacando-as por oposi\u00e7\u00e3o a todos os sentidos para os quais se distribuem desde as perpendiculares \u00e0s inclinadas, nas dire\u00e7\u00f5es transversal, longitudinal e obl\u00edqua, por interm\u00e9dio de elementos que confirmassem esses sentidos, recebendo-lhes os pesos e remetendo-os simultaneamente ao apoio do solo. A gravidade tem as suas for\u00e7as e o material tem o seu peso. Tratava-se, neste impasse, de encontrar medidas de equil\u00edbrio e neutralidade para todos os elementos empregados.<\/p>\n

E aqui se nos revela em toda a sua plenitude o milagre g\u00f3tico: o objetivo foi conseguido. Primeiro, pelo cruzamento dos seis arcos ogivais em cada conjunto de quadro colunas, de forma que cada uma apoiava tr\u00eas meios arcos do primeiro lance e mais dois do lance seguinte, a que se articulava, numa sucess\u00e3o de lances modulados desde a entrada \u00e0 abside da igreja, sem falar no apoio que dava tamb\u00e9m aos arcos das ab\u00f3badas laterais; segundo, pela repeti\u00e7\u00e3o do mesmo sistema, em menores propor\u00e7\u00f5es, em naves laterais, uma ou duas de cada lado da principal conforme o tamanho do templo, colaborando estas no embate contra os empuxos obl\u00edquos; terceiro, e aqui est\u00e1 uma das mais significativas cria\u00e7\u00f5es do estilo, pelo uso do arcobotante<\/i> que, amarrado tamb\u00e9m ao ponto de uni\u00e3o dos v\u00e1rios arcos da ab\u00f3bada central ou das imediatamente laterais, conforme se trate de igreja de tr\u00eas ou de cinco naves, se lan\u00e7ava por cima da \u00faltima nave, como elemento externo dessa estrutura, indo apoiar-se em leves escoras que contornavam o edif\u00edcio, neutralizando, assim, as for\u00e7as inclinadas e constituindo-se num todo altamente decorativo do exterior, em sua elegante volta por detr\u00e1s da abside, a lembrar uma coroa preciosa, e em sua passagem nas laterais, acima das naves; al\u00e9m disso, colaborava ainda na expuls\u00e3o das \u00e1guas pluviais, lan\u00e7ando-as para longe da base e evitando o comprometimento dos alicerces que, assim, n\u00e3o se deixariam minar por infiltra\u00e7\u00f5es de chuva. Ora, esta era o grande terror de todos os arquitetos anteriores, pois a chuva caindo ano ap\u00f3s ano, muitas vezes com incalcul\u00e1vel intensidade, sempre se infiltrava diretamente nos alicerces, os quais, constantemente, corriam o risco de ceder \u00e0 falta da terra deslocada pelas \u00e1guas, exigindo ap\u00f3s cada esta\u00e7\u00e3o chuvosa cuidados permanentes, que nem sempre conseguiam ser eficazes. Com os novos recursos t\u00e9cnicos e achados revolucion\u00e1rios introduzidos na arquitetura, estava vencido esse grande fantasma que sempre amea\u00e7ava a arquitetura de ent\u00e3o.<\/p>\n

Ilustra\u00e7\u00f5es<\/span>
\n1.Catedral de Notre-Dame de Paris<\/i>, vendo-se uma das torres, os arcobotantes na extens\u00e3o do edif\u00edcio, at\u00e9 contornarem a abside, a ros\u00e1cea e a torre-lanterna no lugar onde as coberturas longitudinal e transversal se\u00a0 cruzam\/ 1163.
\n2. Ros\u00e1cea da Catedral de Notre-Dame de Paris<\/i> \u2013 1270.<\/p>\n

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