{"id":743,"date":"2013-02-24T18:19:40","date_gmt":"2013-02-24T18:19:40","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=743"},"modified":"2022-07-26T12:18:50","modified_gmt":"2022-07-26T15:18:50","slug":"filme-ran","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/filme-ran\/","title":{"rendered":"Filme – RAN"},"content":{"rendered":"

Autoria de Lu Dias Carvalho
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\"run\"<\/a> \u00a0 \"runa\"<\/a><\/p>\n

H\u00e1 algum Deus, algum Buda? Se existir, ou\u00e7a-me! Voc\u00ea \u00e9 danoso e cruel! Voc\u00ea est\u00e1 t\u00e3o chateado a\u00ed em cima, e tem que nos esmagar como formigas? Ser\u00e1 que \u00e9 t\u00e3o divertido ver os homens chorarem? (O Bobo)<\/em><\/strong><\/p>\n

Chega! N\u00e3o blasfeme! S\u00e3o os deuses que choram. Eles nos v\u00eaem matando uns aos outros mais e mais, desde que o mundo surgiu. Eles n\u00e3o podem nos salvar de n\u00f3s mesmos. N\u00e3o chore! \u00c9 assim que o mundo funciona. Os homens preferem tristeza em vez de alegria, o sofrimento em vez de paz. (Tango)<\/strong><\/em><\/p>\n

Ran<\/em> (1985), que em portugu\u00eas significa Caos, \u00e9 uma das belas obras do cineasta japon\u00eas Akira Kurosawa, inspirada na pe\u00e7a Rei Lear de Shakespeare, considerada por v\u00e1rios cr\u00edticos como um dos melhores filmes de todos os tempos. Nele, o cineasta deixa expl\u00edcito o seu talento art\u00edstico e a sua sabedoria, acumulados atrav\u00e9s de longos anos de trabalho. Na lista dos 1.001 filmes que voc\u00ea precisa ver, antes de morrer, Ran situa-se entre os 10 primeiros.<\/p>\n

O filme conta a saga de um homem, que durante toda a sua vida empreendeu ininterruptas guerras para garantir o seu poderio, mas, que ao chegar \u00e0 velhice, ansiando pela paz, imprudentemente abre m\u00e3o de sua lideran\u00e7a. Divide seu reino entre os tr\u00eas filhos, sem incluir as filhas, e repassa para o filho mais velho o poder central, suscitando um conflito ainda maior. Guerra, orgulho e decad\u00eancia d\u00e3o a t\u00f4nica do filme. \u00c9 tamb\u00e9m a hist\u00f3ria de um grande homem desvairado pelo pecado do orgulho. Ran, na verdade, conta a hist\u00f3ria de tantos homens, que constroem sua vida sob o amparo da gan\u00e2ncia, da intriga, do ci\u00fame, da cobi\u00e7a e da vaidade, chegando \u00e0 velhice, infelizes e solit\u00e1rios.<\/p>\n

Ap\u00f3s a partilha, o filho mais novo, que se op\u00f4s a ela e \u00e9 o que mais ama o pai, foi banido por ele, enquanto os dois mais velhos unem-se e se recusam a receber as tropas do velho, o que termina por jog\u00e1-lo no ex\u00edlio, onde se torna senil, com vislumbres de discernimento, sendo capaz de pedir desculpas a quem prejudicou e a chorar, muitas vezes. Depois de ter passado a vida incitando a guerra e controlando tudo ao seu redor, Hiderota (Tatsuya Nakadai) torna-se marginalizado e atirado de uma trag\u00e9dia a outra. O desprezo de antes vai se transformando num profundo desespero.<\/p>\n

At\u00e9 o final da vida, permanecem ao lado do velho chefe os dois fi\u00e9is servidores: Bobo e um seguidor leal, Tango. Eles o vigiam e protegem e o acompanham em todas as adversidades, vagueando de um lugar para outro. Enquanto isso, os dois filhos mais velhos lutam pelo poder, arrasando as terras com sucessivas guerras. O mais novo \u00e9 acolhido por um poderoso comandante militar e se casa com sua filha, afastando-se dos dois irm\u00e3os, at\u00e9 que \u00e9 avisado de como se encontra o pai e resolve traz\u00ea-lo para morar consigo.<\/p>\n

Akira Kurosawa (1910-1998) est\u00e1 incluso na lista dos maiores diretores de todos os tempos, tendo aberto caminhos para que o mundo conhecesse os grandes diretores do cinema japon\u00eas, anteriores a ele, tais como: Yasujiro Ozu, Kenji Mizoguchi e Mikio Naruse. Mas teve tempos dif\u00edceis em sua caminhada. Durante muitos anos n\u00e3o conseguiu ganhar o respeito de seu pa\u00eds e, consequentemente, recursos para o seu trabalho. Mesmo tendo realizado obras-primas como Rashomon, O Barba Ruiva, Os Sete Samurais, entre outras, ainda sofria preconceito no Jap\u00e3o por ser \u201cocidental demais\u201d e antiquado. In\u00fameras vezes, precisou mendigar financiamento para seus filmes. Sua situa\u00e7\u00e3o tornou-se insustent\u00e1vel quando fez Dodeskaden (1970), que trazia uma vis\u00e3o dos pobres em T\u00f3quio. Cinco anos depois, conseguiu financiamento do governo russo para filmar o maravilhoso Derzu Uzala, que conta a hist\u00f3ria de um mongol das florestas, que serve de guia para um explorador russo. O filme acabou ganhando o Oscar de melhor filme estrangeiro.<\/p>\n

Em 1975, Kurosawa anunciou o seu desejo de fazer um \u00e9pico sobre os samurais, baseando-se no Rei Lear de Shakespeare. E, novamente, foi-lhe negado financiamento. Nesse \u00ednterim, fez Kajemusha \u2013 A sombra do Samurai (aguardem o coment\u00e1rio), como se fosse uma prepara\u00e7\u00e3o para Ran. O filme foi sucesso, mas o dinheiro ainda n\u00e3o era suficiente para os custeios de Ran. Enquanto isso, enchia v\u00e1rios cadernos com desenhos das loca\u00e7\u00f5es e roupas das cenas de seu t\u00e3o ansiado filme. Eis que um mecenas entra em sua vida: o produtor independente franc\u00eas Sege Silberman, que antes havia apoiado Bu\u00f1el e muitos outros, e lhe arranjou os recursos para Ran.<\/p>\n

Kurosawa realizou sua obra prima aos 75 anos, na fase em que passou a se preocupar muito com a morte. Com a vista falhando e depois de ter tentado suic\u00eddio, o grande mestre japon\u00eas da s\u00e9tima arte anunciou que Ran<\/em> seria o seu \u00faltimo filme. Promessa n\u00e3o cumprida, pois ele ainda fez Sonhos de Kurosawa, que se trata dos devaneios de um idoso, onde as ideias sobre a morte s\u00e3o constantes, Raps\u00f3dia em Agosto e, a seguir vem seu \u00faltimo filme Madadayo (1993), que se trata de uma homenagem feita pelos alunos a um professor no dia de seu anivers\u00e1rio.<\/p>\n

Akira Kurosawa, inspirado em Rei Lear, fez um fant\u00e1stico \u00e9pico sobre o Jap\u00e3o Medieval, al\u00e9m de visualmente magn\u00edfico. Embora se passe no per\u00edodo medieval, Ran \u00e9 um filme extremamente moderno, em que um velho, depois de vencer todas as batalhas, chega ao final da vida imaginando deter o poder decis\u00f3rio sobre uma nova gera\u00e7\u00e3o. Os filhos de Hidetora tamb\u00e9m tinham suas pr\u00f3prias ambi\u00e7\u00f5es, cobi\u00e7as, vaidades, orgulho e loucuras. De modo que a vontade do pai n\u00e3o tinha nenhuma relev\u00e2ncia para eles. Estamos cansados de ver isso acontecer com os construtores dos grandes e pequenos imp\u00e9rios, em todas as partes do mundo. Eles se esquecem de que a vida flui sem nenhum compromisso com a continuidade hist\u00f3rica, pois cada tempo \u00e9 seu tempo.<\/p>\n

Cenas imperd\u00edveis:<\/span><\/p>\n

\u2022 A revolta do filho mais novo contra a atitude do pai em dividir o reino.<\/p>\n

\u2022 O modo como Kaede (Mieko Harada) amea\u00e7a, a vida do cunhado e como suga o sangue do corte que lhe fizera na garganta, antes de se tornar sua amante e toda a sua participa\u00e7\u00e3o no filme.<\/p>\n

\u2022 Quando Kaede foge pelo pal\u00e1cio, com a sua t\u00fanica de seda farfalhando no \u00e1udio.<\/p>\n

\u2022 A morte de Kaede n\u00e3o \u00e9 mostrada diretamente, mas atrav\u00e9s de um jato de sangue contra uma parede. Cena considerada uma obra-prima do cinema.<\/p>\n

\u2022 Um homem segurando um bra\u00e7o decepado, que inspirou Steven Spielberg em outra cena semelhante, em O Resgate do Soldado Ryan.<\/p>\n

\u2022 O di\u00e1logo entre o Bobo e Tango sobre a exist\u00eancia de um Ser Supremo e a crueldade dos homens.<\/p>\n

\u2022 Os momentos de lucidez do velho Hiderota no ex\u00edlio.<\/p>\n

\u2022 O reencontro com o filho que havia banido e o perd\u00e3o recebido.<\/p>\n

\u2022 A t\u00e9cnica usada nas sequ\u00eancias das cenas de batalha, que mais parecem um bal\u00e9 violento e sangrento, mas, mesmo assim, extremamente belo.<\/p>\n

\u2022 O sil\u00eancio durante as cenas de batalhas.<\/p>\n

Curiosidades:<\/span><\/p>\n

\u2022 O figurino deslumbrante de Emi Wada conquistou um pr\u00eamio da Academia e \u00e9 respons\u00e1vel por boa parte do visual do filme.<\/p>\n

\u2022 Foram confeccionados, \u00e0 m\u00e3o, 1.400 trajes em Kioto, sede tradicional da tape\u00e7aria japonesa.<\/p>\n

\u2022 Cada um dos belos mantos coloridos demorou de tr\u00eas a quatro meses para ser feito, em trabalho simult\u00e2neo e quase tr\u00eas anos para todos serem conclu\u00eddos.<\/p>\n

\u2022 Para destacar a beleza estonteante do figurino foram escolhidos fundos desolados: solos \u00e1ridos, p\u00e1tios com lajes cinzentas, degraus de pedra, etc.<\/p>\n

\u2022 O bobo da corte \u00e9 magistralmente interpretado pelo travesti Shinnosuke Ikehata, um ex\u00edmio ator de teatro N\u00f4.<\/p>\n

\u2022 A maquiagem e parte da hist\u00f3ria s\u00e3o inspiradas na tradi\u00e7\u00e3o e no drama do teatro N\u00f4.<\/p>\n

\u2022 O \u00e9pico \u00e9 ressaltado pela trilha minimalista de T\u00f4ru Takemitsu, que faz uso da flauta de bambu japonesa e da percuss\u00e3o.<\/p>\n

\u2022 O filme inteiro foi feito com enquadramentos longos, n\u00e3o existem closes.<\/p>\n

\u2022 Para mostrar a influ\u00eancia de Akiro Kurosawa sobre outros cineastas, basta citar: A Fortaleza Escondida ajudou a inspirar Guerra nas Estrelas; Os Sete Samurais foi refeito com Sete Homens e um Destino; Yojimbo e Sajuro transformaram-se em faroestes com Clint Eastwood: por um Punhado de D\u00f3lares e Por um Punhado de D\u00f3lares a Mais.<\/p>\n

\u2022 Kurosawa tamb\u00e9m se inspirava em outros trabalhos para compor sua obra: Trono Manchado de Sangue vem de Macbeth; Ral\u00e9 vem de Gorki; O Idiota vem de Dostoievski; C\u00e9u e Inferno \u00e9 adaptado de uma hist\u00f3ria policial de Ed McBain e Ran \u00e9 inspirado em Rei Lear .<\/p>\n

\u2022 Na pe\u00e7a de Shakespeare, Rei Lear, n\u00e3o se trata de tr\u00eas filhos, mas sim de tr\u00eas filhas<\/p>\n

Sinopse:<\/span><\/p>\n

No Jap\u00e3o feudal do s\u00e9culo XVI, Hidetora (Tatsuya Nakadai) \u00e9 o poderoso chefe do cl\u00e3 Ichimonji. Aos 70 anos, ele decide dividir, ainda em vida, o legado de sua heran\u00e7a entre seus tr\u00eas filhos: Taro Takatora (Akira Terao), Jiro Masatora (Jinpachi Nezu) e Saburo Naotora (Daisuke Ryu). O primog\u00eanito Taro, seguindo a tradi\u00e7\u00e3o do patriarcado japon\u00eas, torna-se o l\u00edder do cl\u00e3. A ele coube a chefia do feudo, bem como as terras e os cavalos, enquanto a Jiro e Saburo couberam, al\u00e9m de algumas propriedades, o dever de obedecer ao irm\u00e3o. Hidetora ret\u00e9m para si o t\u00edtulo de \u201cGrande Senhor\u201d para permanecer com os privil\u00e9gios, sem se responsabilizar com os deveres do cargo e exige que seus filhos cedam seus castelos, onde ele possa viver, a fim de manter sua tropa particular e seus status de gr\u00e3o-mestre. Mas Saburo, temendo as conseq\u00fc\u00eancias terr\u00edveis da resolu\u00e7\u00e3o de seu pai, op\u00f5e-se \u00e0 id\u00e9ia. Critica seu plano, lembrando-o da maneira como conquistou seus dom\u00ednios, chamando-o de \u201cvelho tolo\u201d, ao esperar que seus filhos mantenham a lealdade a ele. Acaba sendo expulso dos dom\u00ednios de seu cl\u00e3 e \u00e9 acolhido por Nobuhiro Fujimaki (Hitoshi Ueki) que, impressionado pela decis\u00e3o tomada pelo rapaz, casa-o com sua filha. Enquanto isso Hidetora, em visita ao feudo que agora pertence a Taro, \u00e9 mal recebido pelo filho, pois a mulher dele, Kaede (Mieko Harada), passa a manipular o marido, alimentada por um forte desejo de vingan\u00e7a contra o patriarca do cl\u00e3, respons\u00e1vel pela morte de seus pais num inc\u00eandio. E, durante uma visita a seu filho Jiro, Hidetora chega \u00e0 conclus\u00e3o de que o imp\u00e9rio n\u00e3o lhe pertence mais. E, assim, ele se v\u00ea isolado em seu ex-imp\u00e9rio e bem pr\u00f3ximo da insanidade<\/p>\n

Fontes de pesquisa:
\n<\/span>Grandes Filmes\/ Roger Ebert
\n1001 Filmes para…
\nWikip\u00e9dia
\nCinemateca Veja<\/p>\n

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