{"id":7984,"date":"2013-10-25T22:50:50","date_gmt":"2013-10-26T00:50:50","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=7984"},"modified":"2022-08-04T20:24:29","modified_gmt":"2022-08-04T23:24:29","slug":"vidas-secas-sinha-vitoria-e-a-cama-nova-11","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/vidas-secas-sinha-vitoria-e-a-cama-nova-11\/","title":{"rendered":"Vidas Secas – SINHA VIT\u00d3RIA E A CAMA NOVA (11)"},"content":{"rendered":"

Autoria de Lu Dias Carvalho
\n<\/b><\/p>\n

\"cap<\/a><\/p>\n

Acocorada junto \u00e0s pedras que serviam de fog\u00e3o,
\ncom a saia de ramagens embutida entre as coxas,
\nsoprava o fogo, com fuma\u00e7a enfogando os olhos,
\ne limpava as l\u00e1grimas com as costas da m\u00e3o.<\/p>\n

Labaredas lambiam\u00a0 achas de angico, amainavam.
\nErguiam-se de novo, espalhando-se pelas pedras.
\nSinha Vit\u00f3ria arribou o espinha\u00e7o, ajeitou o abano.
\nHavia amanhecido nos azeites, naquele sert\u00e3o.<\/p>\n

A cachorra cochilava sentindo o cheiro de comida.
\nFoi despertada por um banho lumioso de fagulhas.
\nAbandonou o lugar, temerosa de sapecar seu pelo.
\nEspiava fa\u00edscas se apagando sem tocar o ch\u00e3o.<\/p>\n

\u00c0 porta, olhou as folhas amarelas das catingueiras.
\nDeus n\u00e3o havia de deixar outra desgra\u00e7a. Tinha f\u00e9.
\nN\u00e3o queria pensar. No quintal molhou os craveiros.
\nPrecisava agitar a cabe\u00e7a, arranjar ocupa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Comiam, engordavam, mas n\u00e3o tinham nada seus.
\nViviam na gra\u00e7a de Deus. O patr\u00e3o confiava neles.
\nEram quase felizes. Queriam s\u00f3 uma cama, o catre
\ntinha um calombo grosso na ripa,\u00a0 sem solu\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Queria era dormir numa cama de lastro de couro.
\nFazia mais de um ano que falava nisso coo marido.
\nEle at\u00e9 matutara com os c\u00e1lculos, mas tudo errado,
\ntanto os feitos pro couro, quanto pra arma\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Fabiano amunhecara. Deitado na rede roncava alto.
\nMulher \u00e9 mesmo bicho dif\u00edcil de entender, pensava.
\nE andava pra baixo e pra cima, querendo desabafar.
\nQueria\u00a0 cama nova pra dormir como um crist\u00e3o.<\/p>\n

Ele disse pra economizar na roupa e no querosene.
\nComo? Se n\u00e3o acendiam nem candeeiros na casa?
\nEles dois vestiam mal e as crian\u00e7as andavam nuas.
\nEle n\u00e3o tinha pela pe\u00e7a era mesmo estima\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Sinha Vit\u00f3ria tinha certeza de um pensamento seu:
\nN\u00e3o queria passar a vida toda dormindo em varas.
\nEla se encolhendo num canto e o marido no outro,
\ne no meio um calombo machucando o cora\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

(*) Capa de Floriano Teixeira, para edi\u00e7\u00e3o brasileira, sem data, Ed. Record<\/i><\/p>\n

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