{"id":818,"date":"2022-03-01T00:06:00","date_gmt":"2022-03-01T03:06:00","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=818"},"modified":"2022-09-14T19:40:52","modified_gmt":"2022-09-14T22:40:52","slug":"agora-e-tarde-ines-e-morta","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/agora-e-tarde-ines-e-morta\/","title":{"rendered":"AGORA \u00c9 TARDE, IN\u00caS \u00c9 MORTA!"},"content":{"rendered":"

Autoria de Lu Dias Carvalho<\/strong>
\n<\/b><\/p>\n

\"\"<\/a>Os ditados populares tamb\u00e9m contam parte da hist\u00f3ria de um povo, como \u00e9 o caso do conhecido \u201cAgora \u00e9 tarde, In\u00eas \u00e9 morta\u201d<\/i>. Muitas pessoas n\u00e3o fazem a menor ideia de como apareceu tal ditado popular que, por sinal, \u00e9 muito usado no Brasil.<\/p>\n

In\u00eas de Castro, descendente de uma importante fam\u00edlia castelhana, picou a mula para Portugal como dama de companhia da princesa Constan\u00e7a, futura esposa de Dom Pedro (herdeiro do rei Afonso IV). N\u00e3o sei se a mo\u00e7a era uma santinha do pau oco ou n\u00e3o, pois falar \u00e9 prata e calar \u00e9 ouro, o fato \u00e9 que o pr\u00edncipe caiu de amores por ela.<\/p>\n

O velho rei Afonso IV ficou com a pulga atr\u00e1s da orelha, pois sabia que daquela colmeia n\u00e3o sairia mel para o reino, e seria melhor prevenir do que remediar, pois, caso o filho n\u00e3o levasse \u00e0 frente sua rela\u00e7\u00e3o com Constan\u00e7a, todos os acordos pol\u00edticos iriam para o brejo. Mesmo assim, Pedro continuou esquentando os len\u00e7\u00f3is de In\u00eas, enquanto os de Constan\u00e7a congelavam. Prova disso \u00e9 que, embora apaixonada pelo esposo, a v\u00edtima teve apenas um filho, Fernando, com o marido ad\u00faltero, enquanto o dito aumentava a sua prole com In\u00eas, o que mostra o fervor de sua paix\u00e3o pela n\u00e3o mais donzela.<\/p>\n

Ap\u00f3s a morte da princesa Constan\u00e7a, Dom Pedro, ora vi\u00favo, foi instado a casar-se de acordo com os interesses pol\u00edticos do reino. Por\u00e9m, sabedor de que em cachorro fraco as pulgas deitam-se e rolam, rejeitou todas as ofertas. Somente In\u00eas imperava em seu cora\u00e7\u00e3o. Preferia a bolsa leve ao cora\u00e7\u00e3o pesado. N\u00e3o mais iria escutar o pai e perder aquela que o enfeiti\u00e7ara loucamente. Estava na hora de virar a mesa.<\/p>\n

Seu pai, o esperto rei Afonso IV, que mandava e desmandava no peda\u00e7o, sabedor de que o seguro morreu de velho, p\u00f4s-se a tramar algo p\u00e9rfido. Enquanto seu filho Dom Pedro estava ca\u00e7ando, matando os animaizinhos que nenhuma culpa tinham no cart\u00f3rio, entrou em conluio com os seus conselheiros.\u00a0 Achou que o melhor a fazer seria mandar a vaca para o brejo de uma vez por todas, ou seja, assassinar In\u00eas, pois um homem prevenido vale por dois. Assim, a infeliz foi degolada sem d\u00f3 ou piedade. Nem \u00e9 preciso dizer que Pedro ficou inconsol\u00e1vel.\u00a0 Continuou resistindo a casar-se novamente, a menos que fosse com In\u00eas, embora j\u00e1 morta.<\/p>\n

O velho rei acabou batendo as botas, pois a morte n\u00e3o poupa o fraco e nem o forte. Dom Pedro tornou-se o novo rei. E como vingan\u00e7a \u00e9 um prato que se come frio, dizem a boca pequena que ele ordenou que o corpo de sua amada fosse exumado, seu esqueleto recomposto e, depois de casar-se com ela, coroou-a como rainha.<\/p>\n

Contam os mais linguarudos que o novo rei ordenou que toda a corte beijasse as m\u00e3os, digo, os ossos metacarpianos de sua amada, sendo prontamente atendido, pois macaco velho n\u00e3o mete a m\u00e3o em cumbuca, pois manda quem pode e obedece quem tem ju\u00edzo. Contam ainda que Dom Pedro transformou-se num justiceiro, jogando no calabou\u00e7o, quando n\u00e3o os degolava, todos os envolvidos na morte de sua amada In\u00eas.<\/p>\n

Como desgra\u00e7a pouca \u00e9 bobagem, o rei ia \u00e0s masmorras s\u00f3 para ter o gostinho de ver os infelizes serem castigados. E como o arrependimento sempre vem tarde demais, os prisioneiros ficavam a implorar-lhe clem\u00eancia:<\/p>\n

\u2013 <\/i>Perd\u00e3o, meu rei! Perd\u00e3o, meu rei!<\/p>\n

\u2013 <\/i>Agora \u00e9 tarde, In\u00eas \u00e9 morta! \u2013 respondia-lhes o rei.
\n<\/i><\/p>\n

De fato n\u00e3o havia mais nada a fazer, mais nada a ser desculpado.\u00a0 Melhor seria que os conspiradores ficassem calados, pois m\u00e1s desculpas s\u00e3o piores do que nenhuma. Mas, como do dito ao feito existe muita dist\u00e2ncia, n\u00e3o quero me comprometer com conversa fiada, pois em boca fechada n\u00e3o entra mosca e quem conversa muito d\u00e1 bom dia\u00a0 cavalo. Estou aqui apenas vendendo o peixe pelo pre\u00e7o que comprei. Quem quiser que v\u00e1 dar vaz\u00e3o \u00e0s suas caraminholas, fazendo pesquisas.<\/p>\n

Obs.:
\n<\/span>Lu\u00eds Vaz de Cam\u00f5es imortalizou a hist\u00f3ria de amor entre Dom Pedro e In\u00eas de Castro.
\n(Os Lus\u00edadas, canto III, estrofes 118-135\/ 1572)<\/p>\n

Ilustra\u00e7\u00e3o:<\/span>\u00a0 Ophelia<\/em>, 1852, Sir John Everett Millais<\/p>\n

Views: 24<\/p>","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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