A HORA DOS RUMINANTES (2) – DÚBIOS VISITANTES

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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Manarairema, aos poucos, ia sendo engolida pela noite, que trazia consigo uma friagem, que ficara escondida durante o dia. Os ouvidos das gentes estavam aguçados com a escuridão, para compensar a falta de uma visão mais ampla. O ladrar dos cachorros, o choro de crianças, o coaxar dos sapos, o barulho das asas dos morcegos esvoaçando, o zurro de um jumento, o cricrilar dos grilos e o nhenhenhém dos pernilongos tomavam uma dimensão, que seria imperceptível durante o dia.

Naqueles dias, o toucinho, produto de primeira necessidade, andava em falta no vilarejo. Muitos até diziam que chegaria os tempos em que o sal não tardaria a faltar. E, depois, faltaria tudo. Com certeza poderia ser o prenúncio do fim do mundo. Por isso, a visão de cargueiros na estrada trouxe esperanças para os dois homens que se encontravam na estrada. Até o sacolejar das bruacas podia ser ouvido com agrado.

As esperanças dos dois sujeitos sumiram com a evaporação dos aguardados cargueiros. De modo que se puseram a matutar sobre o acontecido. Era bem sabido que, quando se quer muito uma coisa, ela pode tomar vida em pensamento. Mas isso só aconteceria, se fosse só um a ver o sucedido, pensaram eles. Poderiam ser apenas animais soltos no mato. Mas, mesmo que fossem, eles não se escafederiam com tanta rapidez. Poderia ter havido um engano, pois, “no escuro toda corda é cobra e todo padre é frade”, já dizia o ditado. E o caso pareceu parar por aí.

Mas como “problema enterrado é problema plantado”, o fato é que em Maneirama quase todo mundo tivera a mesma visão. Essa era a conversa em cada palmo do lugar, naquela noite. A maioria persistia na certeza de que eram vendedores de toucinhos. Com certeza o toucinho era pouco e eles iriam vendê-lo para quem pagasse mais. Daí o silêncio danado de demorado.

Como “esperteza se vence com esperteza”, os moradores combinaram levantar-se bem cedinho e irem ao encalço dos cargueiros. Mas, ao se levantarem, depararam com um acampamento frenético do outro lado do rio. Com cerca de poucos minutos toda a cidade havia tomado conhecimento do fato. Com focos de lanternas, com todos os tipos de facho, todos os olhares estavam direcionados para o acampamento, curiosos para desvendar o mistério.

Alguém deduziu que poderia ser ciganos, mas um morador mais experiente explicou que os ciganos armam suas barracas espalhadas e nelas penduram panos em desordem. Os visitantes, ao contrário, acamparam em linha, duas fileiras certíssimas, com um largo no meio. Além disso, tinham cachorros. Coisa que cigano não usa ter. Seriam eles engenheiros, ou mineradores ou gente do governo? Quiçá!

A princípio os moradores pensaram em ir lá, para saber do que se tratava. Depois optaram por não ir. Se aqueles pareciam soberbos, eles também não iriam se oferecer. Seria melhor dar um tempo para daquela gente se assentar. Com certeza, logo depois viriam visitar o povoado. E também, se ali fossem, poderiam correr o risco de voltarem com o rabo entre as pernas, caso não fossem bem aceitos pelos forasteiros.

Os moradores de Manarairema esperaram impacientes pela visita. Todo mundo permaneceu de butuca nas janelas e portas esperando os visitantes. Nem mesmo comiam direito. E não aparecia uma vivalma. Os que moravam mais próximos ao acampamento iam transmitindo tudo para os mais distantes, feito um telégrafo.

A noite chegara outra vez, sem que houvesse novidade por parte dos estranhos. Os comerciantes ficaram com suas lojas abertas, para servir aos visitantes, caso precisassem de alguma coisa. Era uma forma de serem gentis e conservar o bom nome da cidade. Mas nada aconteceu, de modo que só restou à população ir dormir. Alguns até se levantaram no meio da noite para espiar o acampamento, em busca de novidade.

Os homens misteriosos continuaram fazendo obras no terreno, onde estavam acampados, de jeito que, vez ou outra, esbarravam em alguém da cidade, como da vez em que um deles quis comprar a carroça de Geminiano, que era um cara risonho mas sarçoso por dentro. Diante da insistência do visitante em lhe comprar a carroça, esse lhe dera as costas. E quando o forasteiro disse que “quando um burro fala, o outro pára para escutar”, ele lhe respondeu na lata que “não entendia conversa de burro”.

A história do encontro de Geminiano espalhou-se como penas ao vento. Recebendo ele muitos elogios por ter posto o visitante em seu devido lugar. Mas Amâncio Mendes da venda botou-se contra ele, fato que não foi tido como incomum, pois ele era sempre do contra. Já enraivado com o ocorrido, o carroceiro resolveu tirar satisfações com o vendeiro. Antes disso encontrou o Padre Prudente e relatou o sucedido. O padre deu-lhe conselhos de modo a deixar Amâncio de lado. Disse-lhe que “quando a conversa de um desmoraliza o outro, é porque o outro já estava desmoralizado”. Portanto, nada pegaria nele, que era um homem bom.

Geminiano ficou satisfeito com as palavras do vigário e pôs-se a matutar, gerindo a seguinte frase filosófica: “a fala de cada um devia ser dada em metros, quando ele nasce. Assim quem falasse à toa, ia desperdiçando sua metragem, um belo dia abria a boca e só saía vento”.

Nota:
Caros leitores, eu também não sei quem são esses visitantes misteriosos. Quem vocês pensam que sejam? O que estão fazendo em Manarairema? Por que ainda não tiveram contato direto com o povo do lugarejo?

Capítulo 3 a seguir…

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