Perdida, eu percebi alguém. E alguém também me percebeu. Percebi que queria saber mais além E além de mim esse alguém se perdeu.
Perdeu-se no que queria. De tão perdida Seu desejo não reconhecia. Um caminho para seguir? Não sabia! De uma direção precisava E isso a afligia.
Procurava entender o que buscava. Entender o cerco que a rondava. Os olhos ajudavam, Mas ela evitava.
Evitava sentir. Evitava estar ali. Não queria ver, não queria se ver. Talvez para si própria, Não quisesse viver.
Mas disso ainda não sabia. Lutava contra o que a perseguia. Mesmo não sabendo ao certo O que a afligia.
Vivera até ali sem saber. Andava mais um passo. Olhava para trás, Na esperança de entender Por que o seu verdadeiro sentido Era tão difícil reconhecer.
Sempre há aquele ponto mais longínquo pra buscar. Sinto-me como se fosse o vértice oposto de um triângulo, ao tentar alcançar aquele ponto mais extremo, mais penoso.
Nas poucas vezes que nele consigo tangenciar, com um ínfimo toque, sinto que ali preciso permanecer. Preciso entregar os meus órgãos, o peso da minha pele com suas frequências e oscilações a esta superfície.
Preciso tirar o peso, soltar o ar, deixar ir, ficar ali o tempo suficiente para conseguir sair, pois tem que sair, tem que seguir, tem que fazer, tem que ser, tem que, tem, tem, tem…
Sinto cansaço, não sei a razão, sinto-me pesada, sinto falta de mim. Este vértice do estranho me clama, olha pra mim, como se precisasse do meu tato…
Preciso ir pra lá! Preciso explodir para alcançar! Preciso organizar Preciso, preciso, preciso…
Ilustração:Jovem Mulher na Praia, 1896, Edvard Munch
Quem ousa dizer que não mais existem anjos, se eles grassam por todos os cantos da Terra, com suas mãos de luz e coração compassivo, levando lenitivo, alívio e amor aos locais mais diversos, onde a tristeza e a dor imperam?
Quem pode falar que não mais existem anjos, se eles deixam para trás seus entes queridos, para socorrer os membros de outras famílias, e mesmo fatigados, explorados e esquecidos, aliviam-nos no padecimento e na agonia?
Quem ousa dizer que não mais existem anjos, se eles, com seus trajes suaves, acalmam os doentes, acudindo-lhes o corpo com remédio, o espírito com palavras de incentivo, mesmo quando no próprio coração a dor impera?
Quem ousa dizer que não mais existem anjos, se esses estão em todos os lugares da Terra, curvados sobre o leito dos enfermos ? muitos já renegados pela família ? minimizando-lhes a dor e o pranto que no rosto sofrido rola?
Quem pode falar que não mais existem anjos, se esses socorrem todos os doentes, mesmo correndo o risco de infectarem-se e portarem doenças pra suas preciosas famílias, quando os familiais desses há muito já se afastaram?
Quem pode falar que não mais existem anjos, quando os sustenta um mísero salário e logo são esquecidos pelo bem que fazem, lesados por um sistema capitalista feroz e, inda assim, estão em seus postos, faça chuva ou sol?
São tantos anjos de luz, indulgente legião do bem. Anjos compassivos de diferentes idades, circulando por todos os quadrantes da esfera, sempre que o dever sagrado de salvaguardar vidas os chama em qualquer lugar da Terra.
Alguns são bem novinhos, ainda no iniciar de sua jornada. Outros muito experimentados na caminhada. Todos pelejando em apoio à vida. Anjos negros, brancos, amarelos, morenos e ruivos, todos luzindo belos fachos de luz.
Tais anjos espalham-se por todos os lugares: hospitais, postos de saúde, salas de cirurgias, apartamentos, serviços de urgência, zonas de guerra, enfermarias, casas de beneficências e como cuidadores nas casas de famílias…
Anjos cruzam céu, terra e ar em prol da vida. Anjos ornados das mais reluzentes auréolas. Anjos de asas recolhidas no próprio coração. Benditos sejam, filhos de luz, enfermeiros da Terra, mensageiros amados do Mestre Jesus!
Parem todos os relógios e as máquinas; calem
os telefones fixos e os móveis; ensurdeçam as
vozes dos homens e animais; enrouqueçam os
instrumentos e sons dos arredores; emudeçam
todos os sonidos da Terra e que só as lágrimas
anunciem a descida de seu corpo, seguido pelo
murmurar choroso do vento: — Ela partiu! Ela foi embora para sempre!
Que as aeronaves singrem no ar lastimando-se
e que escrevam nos céus a verdade mais cruel: ELA PARTIU para nunca mais voltar.
As estrelas não são bem vistas, apaguem-nas,
uma a uma, por favor! Guardem eternamente a
lua e as flores; desmontem para sempre o sol e
a brisa; escureçam o azul do céu de ?a só vez;
despejem os oceanos na amplitude do Cosmo;
livrem-se da música, das flores e árvores onde
cantam os curiós, sabiás, canários e rouxinóis,
porque coisa alguma trará a beleza de tempos
atrás e nada existe que possa minimizar minha
dor, pois eu nunca mais ouvirei o som doce de
sua voz no durar de meus dias na Terra.
Por favor, meus parentes e meus amigos, atem
laços violetas nas torres das igrejas; botem um
manto roxo nos letreiros luminosos; impeçam as
crianças de divertirem-se nos parques; amarrem
tarjas negras nos braços dos passantes; cubram
a felicidade impressa no rosto dos enamorados;
empanem de preto a cor verdejante dos campos
e permitam-me também murchar, expirar, morrer,
porque minha vida já não tem mais significado.
Eu lhes suplico, ó gentis presentes, que não me
estanquem a voz com frases feitas; não me falem
de céu, paraíso ou eternidade; não me consolem
com promessas ocas e não me entorpeçam com
o sono da caridade, pois tudo será inútil diante da
dor pungente que me dilacera corpo e alma. Mas,
por favor, abracem-me! Abracem-me!
Ó minha mãe e adorada amiga, jamais tocarei
de novo a sua face e nem sentirei a ternura de
seu abraço; não ouvirei sua voz chamando por
meu nome e nem sentirei o repercutir de seus
passos pela casa. Quando a noite ou o dia vier,
eu estarei só, e sozinha estarei quando a vida
me machucar, pois você era o meu Norte e o
meu Sul, era também o meu Leste e o Oeste.
Você, minha mãe, era tudo para mim — o meu
incondicional amor — desde que visitei a Terra.
Era os meus dias úteis e meus finais de semana,
a minha força, os meus causos, a minha poesia
e era também a minha alegria mais profunda.
Eu imaginava que o amor de mãe fosse eterno,
porém a realidade aparece agora nas lágrimas
que ora escorrem pelo meu rosto murcho e roto,
na dor que despedaça meu coração sem rumo,
com o sentimento forte de ter morrido junto, pra
depois constatar angustiada que fiquei para trás,
aqui, sozinha neste vasto e inseguro mundo.
Que nos abracemos agora todos nós, filhos sem
mãe, deserdados do amor materno. Que o nosso
conforto seja capaz de arrefecer o nosso luto, por
termos ficado tão sós, sós nos braços do mundo.
Mas a vida deve continuar, dizem os sábios, pois
assim é, nada há que mude, apesar de tudo.
Nota: este poema é uma homenagem à minha mãe Etelvina Dias e a todas as mães que já nos deixaram.
Meu amor e eu no trem,
descendo a Serra da Graciosa
em direção a Paranaguá.
Eis mais uma curva nervosa: – Venha pra cá, meu bem! Vá pra lá, minha sogra!
Virgem Maria, oops!,
que curva mais fechada!
A máquina até cheira o rabo
do último vagão desregulado.
Ele me enche de afeto na janela. – Meu bem, isso não é nada!
E o trem cabriola abrutalhado,
jogando de um lado pra outro. – Meu amor, vá pra sua janela, Ai meu Deus, o trem vai virar!
Piuípiuípiíishishishapshashap
Já estou vendo Paranaguá!
Hmm! Que viagem mais ligeira!
Que pressa do trem no chegar!
Não precisava descer tão rápido!
A excitação foi tamanha, diante
de tanta beleza, que nem deu
tempo da gente se beijar.
Sinto a língua molhada no meu rosto,
lambuzando-me com beijos de afago.
O corpo enroscado às minhas pernas,
olhos bebendo-me a alma – em tragos.
Enquanto Amiga corria pela praia,
de volta ao seu costumeiro destino,
lágrimas escorriam sobre meu rosto,
de volta ao meu, perdida – sem tino.
Ela – só um pontinho na areia branca.
Eu – um tosco borrão dentro do barco.
Ambas perdidas no tempo e no espaço,
salpicadas de gotas e pingos – amargos.
A chuva caía lá fora, molhando-a toda.
Regavam-me o rosto lágrimas doídas.
Eu levava um sentimento dilacerante,
ao deixá-la sozinha pra trás – na vida.
Ainda sinto o seu corpo naquele banho.
Desajeitada, com uma carência franca,
queria fugir, em meio às minhas pernas,
que, rijas, a sustinham – pelas ancas.
Ensaboava seu corpo de pelos dourados,
com o meu sabonete cheiroso de lavanda,
salpicando sobre si uma cascata cheirosa
de uma reconfortante espuma branca.
Deitamo-nos ao sol diante do mar azul,
sob o olhar surpreso de nossos vizinhos.
E secamos nossos corpos encharcados,
sob o farfalhar do morno vento marinho.
Eu – explodindo de afeto.
Ela – carente de afeição.
Eu – acariciando seu corpo.
Ela – beijando minha mão.
Antes de partir, roguei aos pescadores
que olhassem aquele serzinho solitário,
que caçava caranguejo, com destreza,
nas areias da praia – em desamparo.
Ainda sinto a ternura de seu abraço,
sua língua molhada sobre minhas pernas,
e seus olhos famintos de amor nos meus.
Amiga, como foi difícil dizer-lhe Adeus!