Arquivo da categoria: Ditos Populares

A sabedoria popular está presente em todas as línguas, sendo expressa através de várias maneiras: provérbios, adágios, sentenças, aforismos, parêmias, apotegmas, anexins, rifões, ditos e ditados populares.

NUNCA CONHECI QUEM TIVESSE…

Autoria de Fernando Pessoa

fpessoa

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar.
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possibilidade do soco;
Eu que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu que verifico que não tenho par nisto neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo,
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu um enxovalho,
Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana,
Quem confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Quem contasse, não uma violência, mas uma covardia
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde há gente no mundo?

Então só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

A MULHER, A VIUVEZ E OS PROVÉRBIOS

Autoria de Lu Dias Carvalho

viuva

Se a mulher casada já não é bem vista pelos provérbios, imaginemos os comentários proverbiais direcionados à solitária viúva. A verdade é tão doída que um provérbio chinês reza que “A mulher com sorte morre antes do marido, a desgraçada morre depois”, uma vez que nada tem mais a esperar da vida. Entretanto, a morte da mulher é regozijo para o marido, pois “Luto por mulher morta só dura até a porta”, confessa um provérbio catalão, uma vez que “A mulher só oferece ao marido dois dias de felicidade: o das núpcias e o da morte”, como informa um ditado inglês. Tais bizarrices nos dão conta de como a vida da mulher em tempos idos era totalmente desprovida de respeito.

E como não poderia deixar de ser, os homens são aconselhados a não se casarem com viúvas, pois, segundo um provérbio francês, “Mulher que enterra um marido não se importa em enterrar outro”. E um inglês adverte: “Não cases com uma viúva, a menos que o primeiro marido tenha sido enforcado”, ou “Não te cases com viúva, pois a cada briga recordará o defunto”, sem falar que “Viúva é como lenha verde: chora, chora, mas pega fogo”. E se é rica, a coisa se complica, pois “Viúva rica por um olho chora, por outro pisca”, afirma um provérbio brasileiro. E pisca mesmo, principalmente se teve por companheiro um brutamontes, desprovido de qualquer sensibilidade.

O casamento é visto em grande parte das culturas como de fundamental importância para que a mulher tenha a sua fonte de sustento, a fim de que seja provida pelo homem. Quando fica viúva, ela se sente diminuída diante da família e da sociedade que a humilham e dela fazem troça, perdendo sua respeitabilidade, conforme afirma um provérbio mali: “O baobá caiu, agora as cabras sobem em cima dele”, ou um chinês que apregoa: “Uma viúva é um barco sem leme”, ou seja, ela não tem mais quem a oriente e proteja, a menos que se case novamente. Um provérbio espanhol, para lá de generoso, oferece uma boa solução para a viúva desgovernada, mas, se ela for atraente: “Viúva bonita deve ser casada, enterrada ou colocada num convento”. Quanta bondade!

Como acham que a mulher sempre necessita da companhia de um homem (um pai antes e um marido depois), em algumas culturas, na ausência de um deles, a viúva é “herdada” por um dos irmãos do marido morto, assim como seus filhos, pois ela não tem condições de gerir a própria vida, quanto mais a dos filhos. Um provérbio espanhol reza que  “Filho de viúva ou é malcriado ou mal-acostumado”.

Tais provérbios retratam uma época em que a mulher não trabalhava fora, não estudava e não era dona do próprio nariz. E, portanto, eram vistas como um encargo, mas hoje os tempos são outros. Bem, nem em todas as culturas… Muitas há que ainda continuam na Idade Medieval. O que é lamentável.

Fontes de pesquisa:
Nunca se case com uma mulher de pés grandes/ Mineke Schipper
Livro dos provérbios, ditados, ditos populares e anexins/ Ciça Alves Pinto
Provérbios e ditos populares/ Pe. Paschoal Rangel

A MULHER E A FALTA DE INTELIGÊNCIA

Autoria de Lu Dias Carvalho

burra

A mulher tem aspecto de anjo, coração de serpente e cérebro de burro. (Provérbio alemão)

Destituir a mulher de qualquer laivo de inteligência é o papel das culturas machistas. Como é que alguém que não tem cabeça pode ter cérebro, a parte mais nobre do corpo, responsável por manejá-lo? – questionam essas culturas. Porém, explica o machismo obsoleto que a natureza é muitas vezes responsável por graves distorções, a ponto de permitir que uma mulher nasça inteligente, qualidade que deveria ser acessível apenas aos homens. Um  provérbio russo logo explica o porquê de uma pessoa do sexo feminino nascer bem dotada intelectualmente: “Era para ser rapaz, mas acabou sendo moça”. Quanto azar da “pobre” família! É para rir, mesmo!

Para ratificar que a mulher é desprovida de inteligência, reza um provérbio judaico que “A mulher tem seios no lugar do cérebro”, ou seja, como ela é muito limitada e ignorante, jamais poderá ocupar o lugar que por direito cabe ao homem. Mas alguém já ouviu dizer que seios possuem neurônios? E com o tamanho deles nos dias de hoje, muitas mulheres mal aguentariam levantar a própria cabeça, se fosse confirmada fosse a teoria das culturas machistas. O mais engraçado é que tal macheza baba sobre os peitões, ainda que inflados pelo silicone.

A mulher, tida como dentro dos padrões estabelecidos como belos, sofre um verdadeiro esculacho. Ela carece de uma fagulha sequer de inteligência, conforme afirma o provérbio mongol: “Mais bela do que um pavão, porém menos inteligência do que uma pedra”. E um provérbio japonês vem endossar o mongol, ao dizer que “Cabeça de boneca e cérebro vazio”. Mas, se o pai é rico, a filha não tem que se preocupar com o fato de ser bonita e burra. Ele é consolada com um provérbio marroquino: “Beleza já tens, minha filha, a inteligência terei de comprá-la”. Um pai consciencioso, que quer um bom futuro para os netos, já que a mãe não tem cérebro, arremata com um provérbio judaico: “Um pai deve casar a filha com um homem culto, mesmo que seja obrigado a vender tudo para pagar o dote”. Uau!

Triste mesmo é o futuro da garota que nasceu muito inteligente sem ser rapaz, pois o provérbio polonês diz que “Uma jovem que lê, que canta e compõe, dificilmente encontrará um marido”. Partindo desta premissa todas as mulheres solteiras são inteligentes, enquanto as casadas… Coitadinhas, são tão burrinhas! E o pior é que me encontro entre elas. Vixe Maria!

Fontes de pesquisa:
Nunca se case com uma mulher de pés grandes/ Mineke Schipper
Livro dos provérbios, ditados, ditos populares e anexins/ Ciça Alves Pinto
Provérbios e ditos populares/ Pe. Paschoal Rangel

A MULHER E OS PÉS

Autoria de Lu Dias Carvalho

pes

Os pés da mulher são vistos como fetiche em algumas culturas, enquanto noutras ninguém lhes dá a mínima atenção, a não ser os podólatras (pessoas que obtêm prazer por meio do contato com os pés). Tal obsessão encaixa-se no grupo da parafilia (distúrbios psicossexuais em que a excitação sexual não se encaixa dentro dos padrões normais). Os pés são, metaforicamente falando, uma representação do tamanho da genitália feminina. E devem ser pequenos, pois, quanto menores forem mais atração exercem, pois mostram a vulnerabilidade da fêmea, reafirmando o quanto ela é frágil e, consequentemente, submissa ao macho. Tais culturas se esquecem de que o tamanho dos pés, normalmente, está ligado à estrutra corporal. Mas vá lá entender a humanidade!

As mulheres de pés grandes não são bem vistas pelos provérbios, porque representam um perigo para o homem. O macho é sempre alertado: “Procure uma mulher de pés pequenos, porque a de pés grandes é como você”, ou seja, a de pés grandes irá competir com o poderio masculino. É por isso que “A moça de pés grandes têm problemas depois do casamento”, pois o homem diz: “Não quero um sapato maior do que meu pé.”, ou seja, uma mulher superior a ele, que  poderá usurpar o seu poder dentro da família.

Quem não se lembra do sofrimento pelos quais passavam as crianças chinesas em tempos idos? Elas tinham que se transformar em mulheres com pés pequeninos e em forma de lótus, para agradar seus maridos, ficando literalmente aleijadas. E quem nunca ouviu contar a história de Cinderela que, com seu “sapatinho” de cristal, quase deixou um certo príncipe ruim do juízo, revirando toda um reino para botar o sapatinho no pezinho da moçoila? As histórias infantis, muitas vezes, são expressões do machismo. Nelas, poucas são as mulheres empoderadas. E quando o são, fazem o lado ruim do conto infantil – as bruxas. Já pensaram nisto?

É interessante notar que nas culturas em que as mulheres cobrem o corpo, os pés são colocados mais em evidência no imaginário popular, isto porque, muitas vezes, eles são a única parte visível do corpo da infeliz enclausurada em toscas burcas. E, através deles, o homem imagina poder avaliar a idade da mulher e, possivelmente a sua beleza, como reza o provérbio etíope: “A beleza da mulher vê-se nos pés.

Fontes de pesquisa:
Nunca se case com uma mulher de pés grandes/ Mineke Schipper
Livro dos provérbios, ditados, ditos populares e anexins/ Ciça Alves Pinto
Provérbios e ditos populares/ Pe. Paschoal Rangel

O HOMEM É A CABEÇA DA MULHER

Autoria de Lu Dias Carvalho

cabeça

Mantém-te afastado do amor da mulher, pois sua beleza é lasciva e o seu corpo é um cemitério de luxúria. (Provérbio hebraico)

A história da mulher através dos tempos é de muita obediência acompanhada da depreciação de seu corpo físico. Ela foi sempre menosprezada por ter um corpo feminino e não masculino, a começar pelo fato de “não ter cabeça”, ou melhor, por essa parte de seu corpo só servir para transportar peso: lenha, água, gamelas com produtos agrícolas, entre outras coisas, enquanto o macho do passado seguia na frente, apreciando a paisagem, sem se importar com a mula descadeirada que seguia atrás. É possível encontrar uma série de provérbios que atestam isso. E mais triste é saber que, em pleno século XXI, muitas mulheres continuam como mulas de carga em várias partes do mundo, subjugadas pela vontade masculina.

Nas culturas em que a distância entre macho e fêmea humanos é acentuada, o corpo feminino ainda é visto como fonte de pecado, tendo o homem que ser muito previdente para não se deixar seduzir pela luxúria que dali emana. É por isso que, principalmente nas sociedades guiadas por extremistas religiosos, a mulher é obrigada a ocultar seu corpo, para que não venha a perturbar o espírito masculino, despertando-lhe o desejo, pois toda a fonte do mal está nela, que é sempre cheia de astúcia e pecaminosidade. Poderosa, não?

O engraçado nesta farsa é que a mulher, se seguir direitinho as leis do macho, ganhará a salvação. Se for dedicada e cumprir o papel de esposa obediente e temente a seu companheiro, poderá se tornar o corpo do marido, embora ele seja sempre a cabeça, pois é quem tem o cérebro, a parte mais importante da estrutura humana. O corpo é visto como inferior, porque é responsável pelas emoções e pelos impulsos não controláveis, enquanto a cabeça é superior, pois nela está a mente, a razão, a massa cinzenta, a inteligência. A mulher, coitada, não possui nada disso – reza a cultura machista. Mesmo o Cristianismo reza que o homem é a cabeça da família, alimentando o ego do machismo. O Budismo é talvez a religião mais liberal para com as mulheres.

Diz um provérbio holandês que “Uma mulher não tem cabeça”, ou seja, ela não deve ter ideias próprias e, tampouco, vontades, pois isso é de competência do marido, ser supremo, responsável por todas as decisões da família. Para que seja considerada boa e digna de ser elogiada, a fêmea humana tem que se lembrar de que é acéfala, mula sem cabeça. Coitada! A obediência é que a torna uma companheira perfeita. Tanto é que a jovem que se julga dona de suas ações, e que só faz o que bem quer, está fadada a ficar solteira para sempre, uma vez que “Uma jovem com vontade própria nunca se casará”. Trocando em  miúdos, deverá sempre ser amestrada pelo homem.

Uma mulher virtuosa cobre sempre a cabeça, pois só assim será respeitada. A perniciosa, fonte de todo o mal, deve sempre abaixar os olhos diante de um homem, para não espalhar o desejo e a confusão, pois “A mulher é como uma cebola, deve sempre curvar a cabeça”. Se o homem é a cabeça, como poderia a pretensiosa também ambicionar tal posição uma vez que “Não pode haver duas cabeças sob o mesmo chapéu”? Ainda bem que o uso de chapéu entrou em desuso.

O engraçado é que a mulher é também considerada o pescoço que segura a cabeça, logo, poderá girá-la para onde bem entender.  Por isso, o provérbio russo diz com muita sensatez que “O marido é a cabeça, a mulher é o pescoço; ela pode orientá-lo para onde quiser”. Hum! E um provérbio inglês confirma que “O homem é a cabeça, mas é a mulher que a gira”. Ainda bem que caíram na real!

Calminha, meu caro leitor. A mulher não deve se sentir vingada com o afago dos dois provérbios acima, pois, para acabar com a possibilidade de que ela possa ficar girando muito o pescoço, um provérbio inglês ensina que “Às jovens que assobiam e às galinhas que cacarejam convém cortar-lhes o pescoço”. E um provérbio alemão acaba por colocar a mulher no lugar que o machão julga ser o dela, ao dizer que “A mulher pode mandar no coração e na panela, mas o corpo e a cabeça pertencem ao homem”. Quanta petulância!

Fonte de pesquisa:
Nunca se case com uma mulher de pés grandes/ Mineke Schipper
Provérbios e ditos populares/ Pe. Paschoal Rangel

FILHAS E PEIXES SÃO PERECÍVEIS

Autoria de Lu Dias Carvalhofilhas

A virgindade feminina sempre foi olhada com muito rigor, enquanto a masculina ninguém sabe, ninguém viu, ninguém dá notícias. O “pipiu” do macho não é da conta de ninguém. Diante da cultura machista é perda de tempo esperar que os ditos populares pendam para o gênero feminino. Um provérbio indiano afirma que “A castidade da jovem é seu dote”, enquanto um árabe apregoa que, “Se a tua filha vai à rua, assegura-te de que a honra se mantenha”. O macho não entra nesta história.

A honra de toda a família, nas mais diversas culturas, está depositada num fragmento de carne vermelha denominado hímen, que o Aurélio define como “prega formada pela membrana mucosa da vagina, cujo orifício externo oclui parcial ou totalmente, e que apresenta uma abertura de forma e diâmetro variáveis”. Jovens impúberes são dadas em casamento para que não venham a manchar o nome da família. Muitas vezes é tão exorbitante a diferença entre a idade da menina e a do marido que um provérbio russo zomba do casal: “A noiva nasceu e o marido já monta a cavalo.”.

O medo de que a filha possa perder a virgindade e até mesmo ficar prenhe, em determinadas culturas, leva os pais, muitas vezes, a entregá-las a qualquer pretendente. E sem falar no famigerado dote. Também há o temor de que fiquem solteironas, sendo mal vistas e sirvam de escárnio de todos. Quanto mais rapidamente a família se livrar das filhas, mais em paz poderá dormir, pois “As meninas são como cavalos: se não as oferece quando são jovens, perdem a sorte”, diz um provérbio italiano.

Como mercadorias “perecíveis” que são, as filhas devem deixar logo a casa dos pais, aconselhados pelo provérbio árabe: “Casa o teu filho quando quiseres e a tua filha quando puderes”. E um provérbio hebraico é imperativo: “Se a tua filha envelhece, liberta o teu escravo e casa-o com ela”, ratificado pelo indiano: “A menina com mais de 10 anos terá de casar-se com um pária, se preciso for”. Trocando em miúdos, a situação da menina e tão caótica que, se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. E tão grave que, até mesmo na casa dos pais, a virgindade da garota corre perigo, pois ali os ratos também podem fazer estrago. Motivo mais do que necessário para casá-la ainda criança.

As culturas cristãs e islâmicas, para piorar, ainda elevam a perda da virgindade à categoria de pecado: “A que peca em segredo, dá a luz em público”, pois “A virgem impaciente é mãe sem ser noiva”. Sendo que não vale a pena, pois “Cinco minutos de prazer, nove meses de desgraça”. Os pais precisam estar alertas para o fato de que “Antes mau dote do que má prenda”, ou seja, uma gravidez indesejada. Mesmo que a “pecadora” venha a se casar, isso não limpará a honra da família, já que “Um vestido bonito não tapa a vergonha”. Engraçado é que o famigerado “pecado” não diz respeito aos homens. E ainda há gente que acredita em…

Fontes de pesquisa:
Nunca se case com uma mulher de pés grandes/ Mineke Schipper
Livro dos provérbios, ditados, ditos populares e anexins/ Ciça Alves Pinto
Provérbios e ditos populares/ Pe. Paschoal Rangel