Autoria de Lu Dias Carvalho
Dez filhas magníficas valem menos do que um filho com deficiência. (Provérbio chinês)
Muitos filhos, muitas bênçãos de Deus, muitas filhas, muitas desgraças. (Provérbio alemão)
As meninas sempre estiveram numa posição inferior à dos meninos na maioria das culturas, principalmente nas mais subdesenvolvidas, naquelas em que religião e Estado vivem de mãos dadas. Enquanto os filhos homens são recebidos com júbilo, as filhas são aceitas com pesar pela família. Tais culturas ignoram ou não valorizam o fato de que a mulher é imprescindível na perpetuação da espécie e na organização de uma sociedade. Esta diferenciação, que vem perdurando ao longo dos séculos em muitos países, é responsável pelo modo como homem e mulher encaixam-se dentro de tais culturas. Quanto mais severas forem as diferenças, mais díspares serão os papéis de ambos dentro da sociedade e menos valorizada será a mulher. Trata-se de um canteiro bem fértil para o feminicídio*.
Os provérbios são praticamente unânimes em reforçar a diferença entre filhas e filhos, apontando a inferioridade da mulher em relação ao homem. Vejamos alguns:
- A casa paterna é território dos rapazes e restaurante das moças. (Chinês)
- A jovem que se casa perde o parentesco. (Coreano)
- Cada filha é uma mão cheia de problemas. (Árabe)
- Quem tem um filho não morre completamente. (Dinamarquês)
- A mulher não é parenta de ninguém. (Mongo)
- Um filho tolo é melhor do que uma filha habilidosa. (Chinês)
- Ter um filho é uma bênção, ter uma filha é uma desgraça. (Chinês)
Em muitas culturas, quando o homem se casa, sua esposa é obrigada a acompanhá-lo, cortando todo o vínculo com a sua família de sangue. Ela e seus descendentes passam a ser propriedade do marido, fazendo parte unicamente de seu clã. O nascimento de uma menina em certas sociedades é visto como um castigo para os pais. Mas, por que tamanha diferenciação entre homem e mulher? Não resta dúvida de que tudo isto está embutido, principalmente, numa visão machista, pois quanto mais machista é a cultura, mais insignificante torna-se a mulher, a ponto de garotos de tenra idade darem ordens em casa, subjugando a mãe e as irmãs.
Outro fator concernente ao jugo da mulher diz respeito ao provimento da família. Por mais simples que seja uma cultura, a subsistência é a sua preocupação primordial. As famílias pesam a importância dos filhos e das filhas dentro delas. Como visto acima, em muitas sociedades, quando a filha se casa, ela deixa a sua família de origem e passa a fazer parte da família do marido, sendo mais um membro na força do trabalho doméstico do novo clã, uma vez que é proibida de trabalhar fora de casa.
Ao olhar sob a ótica da desvinculação da filha de sua família de sangue, as filhas trazem prejuízos para seus pais e irmãos – concluem eles – ao criá-las e depois repassá-las para uma nova família. Elas não são, portanto, um bom negócio, ainda que tenha trabalhado como burro de carga durante muitos anos em sua família de origem. O filho, por sua vez, jamais perde o vínculo com os pais, sendo responsável por eles na velhice. Um provérbio chinês diz que “O destino da filha é desaparecer e o do filho é permanecer”, ou seja, ela deixa os seus, enquanto o filho continua ajudando-os.
Só para se ter uma ideia do desencanto de um pai ruandês quando nasce uma filha, existe até um provérbio que vem em seu socorro: “Não se deve insultar quem tiver uma filha, se puder continuar tentando” (ter um filho). Um provérbio coreano é mais consolador: “Uma família sem uma única filha é como um fogo apagado”, enquanto outro alerta para a importância de uma menina, pois “A filha mais velha é a ama dos irmãos”. Mesmo quando se tenta valorizar a menina, pensa-se nos serviços domésticos que ela irá prestar.
*”O feminicídio é o homicídio praticado contra a mulher em decorrência do fato de ela ser mulher (misoginia e menosprezo pela condição feminina ou discriminação de gênero, fatores que também podem envolver violência sexual) ou em decorrência de violência doméstica. A lei 13.104/15, mais conhecida como Lei do Feminicídio, alterou o Código Penal brasileiro, incluindo como qualificador do crime de homicídio o feminicídio.” Veja mais sobre “Feminicídio” em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/feminicidio.htm
Fontes de pesquisa:
Nunca se case com uma mulher de pés grandes/ Mineke Schipper
Livro dos provérbios, ditados, ditos populares e anexins/ Ciça Alves Pinto
Provérbios e ditos populares/ Pe. Paschoal Rangel
Ilustração: Imagem da cerâmica do Vale do Jequitinhonha