Arquivo da categoria: Ditos Populares

A sabedoria popular está presente em todas as línguas, sendo expressa através de várias maneiras: provérbios, adágios, sentenças, aforismos, parêmias, apotegmas, anexins, rifões, ditos e ditados populares.

TER FILHAS É TER PROBLEMAS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Dez filhas magníficas valem menos do que um filho com deficiência. (Provérbio chinês)

Muitos filhos, muitas bênçãos de Deus, muitas filhas, muitas desgraças. (Provérbio alemão)

 As meninas sempre estiveram numa posição inferior à dos meninos na maioria das culturas, principalmente nas mais subdesenvolvidas, naquelas em que religião e Estado vivem de mãos dadas. Enquanto os filhos homens são recebidos com júbilo, as filhas são aceitas com pesar pela família. Tais culturas ignoram ou não valorizam o fato de que a mulher é imprescindível na perpetuação da espécie e na organização de uma sociedade. Esta diferenciação, que vem perdurando ao longo dos séculos em muitos países, é responsável pelo modo como homem e mulher encaixam-se dentro de tais culturas. Quanto mais severas forem as diferenças, mais díspares serão os papéis de ambos dentro da sociedade e menos valorizada será a mulher. Trata-se de um canteiro bem fértil para o feminicídio*.

Os provérbios são praticamente unânimes em reforçar a diferença entre filhas e filhos, apontando a inferioridade da mulher em relação ao homem. Vejamos alguns:

  • A casa paterna é território dos rapazes e restaurante das moças. (Chinês)
  • A jovem que se casa perde o parentesco. (Coreano)
  • Cada filha é uma mão cheia de problemas. (Árabe)
  • Quem tem um filho não morre completamente. (Dinamarquês)
  • A mulher não é parenta de ninguém. (Mongo)
  • Um filho tolo é melhor do que uma filha habilidosa. (Chinês)
  • Ter um filho é uma bênção, ter uma filha é uma desgraça. (Chinês)

Em muitas culturas, quando o homem se casa, sua esposa é obrigada a acompanhá-lo, cortando todo o vínculo com a sua família de sangue. Ela e seus descendentes passam a ser propriedade do marido, fazendo parte unicamente de seu clã. O nascimento de uma menina em certas sociedades é visto como um castigo para os pais. Mas, por que tamanha diferenciação entre homem e mulher? Não resta dúvida de que tudo isto está embutido, principalmente, numa visão machista, pois quanto mais machista é a cultura, mais insignificante torna-se a mulher, a ponto de garotos de tenra idade darem ordens em casa, subjugando a mãe e as irmãs.

Outro fator concernente ao jugo da mulher diz respeito ao provimento da família. Por mais simples que seja uma cultura, a subsistência é a sua preocupação primordial. As famílias pesam a importância dos filhos e das filhas dentro delas. Como visto acima, em muitas sociedades, quando a filha se casa, ela deixa a sua família de origem e passa a fazer parte da família do marido, sendo mais um membro na força do trabalho doméstico do novo clã, uma vez que é proibida de trabalhar fora de casa.

Ao olhar sob a ótica da desvinculação da filha de sua família de sangue, as filhas trazem prejuízos para seus pais e irmãos – concluem eles – ao criá-las e depois repassá-las para uma nova família. Elas não são, portanto, um bom negócio, ainda que tenha trabalhado como burro de carga durante muitos  anos em sua família de origem. O filho, por sua vez, jamais perde o vínculo com os pais, sendo responsável por eles na velhice. Um provérbio chinês diz que “O destino da filha é desaparecer e o do filho é permanecer”, ou seja, ela deixa os seus, enquanto o filho continua ajudando-os.

Só para se ter uma ideia do desencanto de um pai ruandês quando nasce uma filha,  existe até um provérbio que vem em seu socorro: “Não se deve insultar quem tiver uma filha, se puder continuar tentando” (ter um filho). Um provérbio coreano é mais consolador: “Uma família sem uma única filha é como um fogo apagado”, enquanto outro alerta para a importância de uma menina, pois “A filha mais velha é a ama dos irmãos”. Mesmo quando se tenta valorizar a menina, pensa-se nos serviços domésticos que ela irá prestar.

*”O feminicídio é o homicídio praticado contra a mulher em decorrência do fato de ela ser mulher (misoginia e menosprezo pela condição feminina ou discriminação de gênero, fatores que também podem envolver violência sexual) ou em decorrência de violência doméstica. A lei 13.104/15, mais conhecida como Lei do Feminicídio, alterou o Código Penal brasileiro, incluindo como qualificador do crime de homicídio o feminicídio.” Veja mais sobre “Feminicídio” em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/feminicidio.htm

Fontes de pesquisa:
Nunca se case com uma mulher de pés grandes/ Mineke Schipper
Livro dos provérbios, ditados, ditos populares e anexins/ Ciça Alves Pinto
Provérbios e ditos populares/ Pe. Paschoal Rangel

Ilustração: Imagem da cerâmica do Vale do Jequitinhonha

PROVÉRBIOS – MENINA OU MENINO?

Autoria de Lu Dias Carvalhomeome

Os provérbios existentes em todas as culturas valorizam a presença dos filhos na vida dos pais. Eles são vistos como suporte para seus genitores principalmente na velhice. Contudo, em algumas culturas a diferença entre menino e menina é bem clara, como veremos a seguir.

Os tibetanos chegam a afirmar que “um filho não é a mesma coisa que uma filha”, ou seja, ele é muito mais desejado. Embora se saiba que a mulher é de fundamental importância para uma cultura, inclusive na descendência e criação de novos indivíduos, o nascimento de uma menina tem sido preterido em muitas delas. Tal postura contribui para colocar a fêmea humana à margem das decisões sociais e políticas da sociedade em que vive, uma vez que é vista como um indivíduo inferior.

Diz certo provérbio que “Quem não tem o que se ama, ama o que se tem”, portanto, não havendo outra saída, a garota indesejada é recebida, mesmo que a contragosto, pelos pais. Mesmo assim, ela continua vítima da mordacidade dos provérbios populares nas culturas machistas. Os chineses dizem que “Num tanque sem peixes salvam-se os girinos”, ou ainda, “Na falta de mercúrio, a argila serve”. Tais provérbios poderiam ser traduzidos como “Quem não tem cão caça com gato” em sua modalidade atual. Outros ditos populares acompanham a malícia em relação ao nascimento de meninas, mas também é possível pinçar aqui e acolá alguns provérbios que fogem à regra, ainda que se tenha que ler, nas entrelinhas, certo tipo de consolo:

  • A filha mais velha é a ama dos irmãos. (Prov. vietnamita)
  • Bendita a casa em que a filha nasce antes do filho. (Prov. judaico)
  • É melhor dar à luz uma boa filha, e depender de um genro, do que parir um mau filho. (Origem desconhecida)
  • Primeiro uma filha, depois um filho, e então a família. (Prov. estadunidense)
  • Uma boa filha equivale a dez filhos, se achar um bom noivo. (Prov. bengali)
  • Uma família sem uma única filha é como um fogo apagado. (Prov. coreano)

As sociedades que trabalham com essa diferença arcaica entre o sexo masculino e o feminino partem do pressuposto de que “A casa paterna é território dos rapazes e restaurante das moças”, como apregoa um provérbio chinês. Alegam que, ao casar-se, a jovem passa a pertencer à família do marido, enquanto o moço fica permanentemente ao lado dos pais, zelando por eles. Um provérbio coreano chega a ser mais rude ao rezar que “A jovem que se casa perde o parentesco”, pois seus filhos não são considerados como descendentes de sua família original, passando a fazer parte do clã do marido. E, como se não bastasse a negação por parte da própria família, a esposa, muitas vezes, também não é aceita pelo clã do marido, sob a alegação de que “A mulher não é parente de ninguém”, como alerta um provérbio mongol. Mulheres que vivem em culturas deste tipo são, certamente, frágeis e vulneráveis, repassando para suas filhas a mesma insegurança, numa cadeia continuada que só tende a enfraquecer a própria sociedade em que se encontram.

O que fica patente nessas culturas é o desprezo pela mulher, pelo fato de essas não serem provedoras, limitando-se apenas a manter a casa e a criar os filhos, como se tais funções desmerecessem-nas. O mesmo aconteceu com as mulheres de vários países, hoje tidos como civilizados, quando eram apenas “donas de casa”. Ao assumirem funções de trabalho fora do lar, elas passaram a ser vistas com respeito. Quanto ao fato de a mulher casar-se em determinadas culturas e passar a fazer parte da família do marido, o que vemos no Ocidente é o contrário. Reza um provérbio bem conhecido que “Quando um homem se casa, a família da mulher ganha um filho e a sua perde um”, pois a filha acaba sempre levando o marido para sua família, com a qual mantém maior contato. O ideal é que ambas as famílias se enriqueçam com o novo membro, seja ele homem ou mulher.

Fontes de pesquisa:
Nunca se case com uma mulher de pés grandes/ Mineke Schipper
Livro dos provérbios, ditados, ditos populares e anexins/ Ciça Alves Pinto
Provérbios e ditos populares/ Pe. Paschoal Rangel

A MULHER DEPOIS DO CASAMENTO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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A escuridão oculta tudo, menos uma má esposa. (Provérbio hebraico)

Uma boa esposa deve ser submissa como um bode expiatório, atarefada como uma abelha, bela como uma ave do paraíso e fiel como uma rolinha. (Provérbio russo)

De modo geral os provérbios populares trazem contidos em si uma visão machista, pois refletem a sociedade que os criou. E não se poderia esperar outra coisa, senão a crítica à mulher, seja ela solteira ou casada. São poucos aqueles que conseguem sair da caixinha antiquada e bolorenta e ver os gêneros como detentores dos mesmos direitos, como companheiros de passagem pelo planeta.

Trataremos hoje especificamente das mulheres casadas e o parecer do macho sobre elas. Segundo os ditos, o homem precisa ter muita sabedoria para não acabar nos braços de uma megera, pois é depois do casamento que ela irá mostrar sua verdadeira índole, pois é muito astuta. Um provérbio servo-croata afirma que “Enquanto está com a mãe, a mulher é terna como um cordeiro; quando se casa mostra os dentes”. Outros dois ditos populares, um russo e outro estadunidense, questionam: “Se as solteiras são belas, doces e meigas, de onde saem todas as esposas más?”; “Se todas são moças boas, de onde saem as megeras?” (estadunidense).

Por que as mulheres são consideradas más? O conceito de “uma boa esposa”, visto em certas culturas, está ligado, sobretudo, à total submissão feminina. A mulher deve estar ciente de sua posição inferior, e sem reclamar, conservando o bico fechado. Logo, quem foge a tal preceito é tida como perversa e má aos olhos da sociedade. O mais questionável é que um bom casamento depende unicamente da esposa, como se o homem dele não fizesse parte. A mulher é vista como um tesouro na vida do marido ou como sua ruína, como rezam os provérbios a seguir: “Uma boa mulher salva o maridos dos maus caminhos” (chinês), “A mulher conserta o que o marido estraga” (chileno) e “A esposa é um véu para o marido” (oromo).

Para a compreensão dos argumentos acima, basta tomar conhecimento do provérbio hebraico: “Ele se casou com uma mulher má, e se tornou mau; ela se casou com um homem mau e o tornou bom”. E um provérbio persa confirma que “Uma mulher boa torna o marido bom”. Com tanto poder, eram as mulheres que deveriam estar à frente de todos os assuntos importantes, não é mesmo? O problema é tão sério em relação à “mulher má” que existem até provérbios dando conselhos ao homem: “Se tens uma mulher má, não vás a funerais, pois tens um em casa todos os dias” (armênio) e “Quem tem uma mulher boa, tem um anjo a seu lado, e quem tem uma mulher má, tem o diabo sobre os ombros” (estadunidense).

Alguns poucos provérbios, ainda que não degradem o homem, aconselham-no no trato com sua esposa: “Um bom cão não mata os frangos; um bom marido não bate na mulher” (chinês), “Um bom marido é melhor do que um amigo ou um irmão” (tadjique) e “Um bom marido vale por duas boas mulheres, pois o que é raro é mais valioso” (estadunidense). Fica subentendido, neste último dito, que são poucos os bons esposos. Um intrigante conselho também é dado por um provérbio árabe: “Sê bom para a tua mulher e terás a do vizinho”. A Rússia traz um provérbio condenatório ao mau marido, o que é difícil de encontrar na maioria da literatura popular: “Um homem mau desconfia sempre que a esposa é infiel”, e a China contribui com “Um mau marido é uma triste sepultura para a esposa”. Mas um dito hebraico joga toda e qualquer esperança no chão, ao alegar que “Antes maldade de homem do que virtude de mulher”. Mulheres, somente o estudo – fonte do saber – poderá libertá-las!

Nota: artesanato brasileiro

Fontes de pesquisa:
Nunca se case com uma mulher de pés grandes/ Mineke Schipper
Livro dos provérbios, ditados, ditos populares e anexins/ Ciça Alves Pinto
Provérbios e ditos populares/ Pe. Paschoal Rangel

OS PROVÉRBIOS E O AMOR

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Reza um provérbio russo que “O amor é um anel e um anel não tem fim”, no que está coberto de razão, pois o amor, se não é, deveria ser a mola que move a vida no planeta Terra. Sem ele a existência humana não terá nenhum sentido, ainda que alguns tolos pensem que o ato de viver concentre-se na acumulação de poder e riqueza, pois só “Onde semeia amor nasce alegria”, diz um provérbio conhecido em todo o mundo. Os tolos acabam partindo bem mais pobres do que chegaram ao mundo. Quando os provérbios referem-se ao amor, eles o fazem em três sentidos: o amor a Deus, o amor entre todos os homens e o amor entre duas pessoas, que deveriam se completar em todos os sentidos. Neste texto, daremos maior relevância ao último sentido.

Os provérbios são muito criativos ao abordar este tipo de amor. Eles estão presentes em todas as culturas e em todos os tempos, desde que o homem aprendeu a expressar seus sentimentos. Ora abordam sua brandura, companheirismo e generosidade, ora mencionam sua irracionalidade, engano, ciúme, desacertos e decepções. Talvez seja por isso que um provérbio húngaro ironiza: “Em sonhos e no amor nada é impossível”. É interessante também notar que em todas as culturas o primeiro amor parece deixar marcas indeléveis. Um provérbio árabe diz que “O primeiro amor é o único verdadeiro”, enquanto um português confirma que “Não há amor como o primeiro”. Um provérbio polonês, talvez querendo expressar a força dos sentimentos contida no primeiro amor, afirma: “O primeiro amor é como uma serpente: se não destrói, paralisa”.

Os provérbios confirmam que não é fácil a vida dos enamorados, pois muitas desventuras aguardam-nos. Um provérbio indiano avisa: “Há mil desditas num único amor”, portanto, não digamos que não fomos avisados. A paixão é responsável por um sofrimento ainda maior, uma vez que “Quem depressa se apaixona, depressa se separa”, vindo a sofrer grandes mágoas, já que “Um amor ardente e uma razão fria raras vezes andam juntos”. Um provérbio senegalês vai fundo na ferida: “Se as punhaladas de amor fossem uma doença das pernas, muitos coxeariam”, no que está coberto de razão.

O bom mesmo é levar a sério o provérbio romano que afirma: “Não há doença pior que o amor”, e tentar não cair em qualquer esparrela. Primeiro é necessário não ir com muita sede ao pote, e olhar com mais calma o que se esconde dentro dele. Muitas vezes, ao invés de água limpa, pode estar escondido um escorpião. O melhor a fazer é se afastar, pois “O que os olhos não veem o coração não sente”, reza um provérbio brasileiro. Sem se esquecer de que “O amor é cego, mas os vizinhos não”, como adverte o provérbio mexicano. Todo cuidado é pouco, para que não aconteça o que é apregoado pelo provérbio surinamês: “O amor cega os olhos e só a dor os abre

Quem pensa que os provérbios não diminuem a mulher, quando se trata do amor, pegou o bonde errado, enquanto o homem passa como vítima. Ela jamais poderá tomar a dianteira, pois “Se um homem persegue uma mulher, acaba em casamento; se uma mulher persegue um homem, acaba em ruína”, já que “A galinha não deve cacarejar”, ou “O cavalo não pode vender a si próprio”. Mas ela é também muito poderosa, pois, “Nem mesmo Deus pode segurar uma mulher apaixonada” e “Quando uma mulher quer uma coisa, pode enganar mais de cem homens”, pois “A mulher encontra o amante mesmo que ele esteja fechado num baú”. A vítima deve estar ciente de que “O coração feminino é tão instável como a água que escorre numa pétala de lótus“.

A mulher também é vista como interesseira, ao contrário do homem. Ela não se preocupa com o amor, mas com o dinheiro e a vida boa que o enamorado pode lhe proporcionar. Sendo assim “Mostra o dinheiro e a mulher aparece“, diz um provérbio árabe, enquanto um espanhol afirma que “Na guerra e no amor o dinheiro é o vencedor“. E um indiano, muito filosófico, afirma: “Se lhes deres comida, belos presentes e amor, as mulheres ficam mansas“. Mas um provérbio russo afirma que “Sem a mulher, as flores não florescem e os botões não desabrocham“.

Nos dias de hoje, o amor romântico anda cada vez mais escasso. A mulher já não tem como objetivo o casamento, e não mais se contenta em ser apenas dona de casa. Ela estuda, sai, trabalha fora e contribui com o rendimento familiar. Os laços mais fortes do amor passaram a ser o companheirismo e o respeito às diferenças.

Fontes de pesquisa:
Nunca se case com uma mulher de pés grandes/ Mineke Schipper
Livro dos provérbios, ditados, ditos populares e anexins/ Ciça Alves Pinto
Provérbios e ditos populares/ Pe. Paschoal Rangel

Nota: Imagem copiada de gartic.uol.com.br

AS SOLTEIRONAS E OS PROVÉRBIOS

 Autoria de Lu Dias Carvalho

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A vida da solteirona é pior do que a vida num mau casamento. (Provérbio búlgaro)

 Casei para não me chamarem de solteirona, tive filhos varões para não me chamarem de estéril. (Provérbio ladino)

 Antes solteirona do que casada sem amor. (Provérbio russo)

Se certas culturas não perdoam as mulheres jovens, é possível imaginar o tipo de destaque que dão àquelas que ficaram solteiras. Ao analisar os provérbios populares é possível conhecer a filosofia machista de tais sociedades. Enquanto os homens são tidos como prontos para o casamento em qualquer que seja a sua idade, ainda que se arrastem com bengalas, a mulher já nasce com data de vencimento. Um provérbio árabe reza: “Casa o teu filho, quando quiseres, e a tua filha assim que puderes”. Trocando em miúdos, a mulher é vista como uma “mercadoria perecível”, pois “Antes um marido de madeira, que solteira”, como apregoa o provérbio libanês.

Algumas sociedades partem do pressuposto de que toda mulher deve se casar, sendo aquelas, que não se vestem conforme o figurino, motivo de zombarias como se fossem uma aberração da natureza. As chamadas “solteironas” são depreciadas e desdenhadas como algo sem valor, preteridas por todos os homens. Se fossem deixadas de lado, tudo bem, mas são vistas como um perigo para a sociedade, pois, pelo fato de não terem um marido, imaginam que seu corpo esteja à disposição de todos. Por isso, um provérbio adangbe diz que “Se não se casar será uma figueira”, ou seja, será como uma figueira à beira da estrada, onde todos põem a mão para colher seus frutos, quando bem quiserem, pois não há quem a proteja.

Diferentes expressões são usadas para referir-se a uma solteirona em certas culturas, por exemplo: uma noite sem lua (bengali); um saco de arroz que ainda não foi pago (chinês); uma palmeira sem tâmaras (árabe); um cavalo sem rédeas (turco); um terreno baldio (judaico); carta não entregue (húngaro), etc. A maioria das sociedades atribui a uma falha o fato de uma mulher ficar solteira, como ser feia, ter má saúde ou mau comportamento, pois, se assim não fosse, um homem teria se casado com ela, pois, como diz um provérbio árabe “Tudo que cai é sempre apanhado por alguém, e até a solteirona às vezes tem sorte”. O machismo fica claro, ao transformar o homem em sujeito e a mulher em objeto, mostrando quem escolhe e quem é escolhido. Um provérbio minianka resume o desdém e a maldade para com a mulher solteira: “Quem não tem trabalho para fazer, pode cavar a sepultura da solteirona”.

Alguns provérbios, contudo, trazem alento para a mulher que, por livre vontade, não opta pelo casamento:

  • Antes só do que mal acompanhada. (Brasil)
  • As solteiras não correm o risco de ficarem viúvas. (Ladino)
  • Antes solteira do que mal casada. (México)
  • Antes solteira honesta do que casada desvalorizada. (Estônia)
  • Antes solteirona do que casada sem amor. (Rússia)

Para felicidade da maioria das mulheres ocidentais, esses provérbios vão ficando para trás, pois nas nações civilizadas elas são donas do próprio nariz, fazem suas próprias escolhas e casam-se quando bem querem, e se o querem. O estudo e o trabalho são as duas grandes forças que contribuíram (e ainda contribuem) para que a sociedade mudasse sua visão sobre a mulher, que vem se tornando cada vez mais independente. Muitas delas são parceiras de provisão ao lado de seus companheiros.

Fontes de pesquisa
Nunca se case com uma mulher de pés grandes/ Mineke Schipper
Livro dos provérbios, ditados, ditos populares e anexins/ Ciça Alves Pinto
Provérbios e ditos populares/ Pe. Paschoal Rangel

Ilustração: artesanato brasileiro

A POLIGAMIA E OS PROVÉRBIOS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Não se podem enfiar dois fios numa mesma agulha. (Provérbio árabe)

A poligamia na Antiguidade estava presente na maioria das culturas.  O dicionário Aurélio define-a como a “união conjugal de um indivíduo com vários outros simultaneamente”. Embora este tipo de união esteja presente em muitas sociedades ainda nos dias de hoje, a monogamia (prática socialmente regulamentada segundo a qual uma pessoa, seja homem ou mulher, não pode ter mais de um cônjuge) costuma prevalecer em todas elas.

A prática da poligamia tem sido cada vez menor, pois países como a China e o Japão, em que tal costume era comum na forma de concubinato (união legalmente reconhecida, dotada de direitos e deveres, mas diferenciada do casamento), já caiu em desuso. A poligamia tem sido mais forte em meio aos povos africanos, entre os islâmicos, muitos dos quais seguem o decreto de Maomé que diz que um homem pode ter até quatro mulheres e entre a comunidade religiosa dos mórmons.

Embora a poligamia esteja presente em muitas culturas, a poliandria (união conjugal com mais de um homem) não é aceita, sob a alegação de que, ao gerar um filho, nenhum dos homens sabe quem é o pai (hoje já existe o exame de DNA). E não são poucos os provérbios populares mundo afora que reforçam tal ideia, através de uma  linguagem metafórica que se refere ao útero e, muitas vezes, ao pênis, também: “Um bule pode servir cinco xícaras de chá. Mas onde já se viu uma xícara servir cinco bules?”; “Dois hipopótamos machos não podem viver no mesmo charco”; “Só pode haver um tigre em cada caverna”; “Dois ursos não passam o inverno na mesma gruta”; “A mulher de um homem não pode comer o arroz de dois homens”. E nos casos raríssimos em que a poliandria costuma acontecer, os filhos são vistos como pertencentes a todos os companheiros da mãe.

São abundantes em todo o mundo os provérbios populares que justificam a poligamia e incentivam-na: “Não te contentes com uma, se podes manter duas”; “Pode-se sempre acrescentar mais um prato de arroz”; “Até um lobo pode se casar duas vezes”; “Uma mulher aquece o coração, a outra a panela”; “Castiga a mulher má com uma nova mulher”. A escritora holandesa Mineke Schipper em seu livro mencionado em nossas fontes de pesquisa levanta alguns pontos alegados pelos polígamos:

  1. sentem-se mais atraídos por uma mulher mais nova do que a que possuem;
  2. desejam ter uma grande descendência, coisa que uma só mulher não lhes pode proporcionar;
  3. precisam suprir a falta de relações sexuais com a esposa durante a última fase da gravidez, depois do parto e durante a amamentação;
  4. fazem jus à própria “natureza” masculina;
  5. mostram prestígio ao sustentar várias mulheres;
  6. terem mais filhos é sinal de amparo na velhice e mais investimento;
  7. muitas mulheres significa maior ajuda em casa e no campo;
  8. se uma mulher morre, outra(s) cuidarão deles;
  9. é uma forma de castigar a mulher (ou mulheres) rebeldes;
  10. se uma das mulheres é estéril, as outras compensam.

Atualmente, com a globalização e as crises econômicas em praticamente todo o mundo, assim como a dificuldade em criar filhos, é provável que a poligamia tenda a diminuir cada vez mais, pois essas culturas são extremamente machistas, e não permitem que as mulheres trabalhem fora, para ajudar no orçamento familiar.

Ilustração: artesanato do Vale do Jequitinhonha.

Fontes de pesquisa:
Nunca se case com uma mulher de pés grandes/ Mineke Schipper
Livro dos provérbios, ditados, ditos populares e anexins/ Ciça Alves Pinto
Provérbios e ditos populares/ Pe. Paschoal Rangel