OS SINOS NOS TEMPOS DE QUARESMA

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Autoria de Luiz Cruz

sino

Quaresma é a designação do período de quarenta dias que antecede a principal celebração do cristianismo – a Páscoa, que começa na quarta-feira de Cinzas e termina no domingo de Ramos, anterior ao domingo de Páscoa. Para os cristãos, trata-se do período para refletir sobre o tempo que Jesus passou no deserto e o seu sofrimento na Cruz. O tempo quaresmal tem história muito antiga. No Oriente encontramos os primeiros sinais de um tempo pré-pascal, com a preparação espiritual à celebração do grande mistério da fé, através das “Cartas Pascais” de Santo Atanásio, entre os anos de 330 e 347. No ocidente, há informações sobre o período a partir do século IV, especialmente na Espanha e na Itália. A Quarema, segundo os cristãos, é o período para se preparar, através da reflexão e introspecção das ações e atitudes diante do próximo e do mundo e, enfim, chegar à Páscoa como um marco de renovação e libertação.

Os sinos são instrumentos que compõem o universo litúrgico do cristianismo. São utilizados para anunciar as celebrações e, especialmente na Quaresma, lembrar-nos dos dias que Cristo passou se habilitando para momentos difíceis, de dor e sofrimento, mas que resultaram na renovação – a ressureição. Em Tiradentes, durante a Quaresma, nos dias de Via-Sacra e das tradicionais festas que antecedem a Semana Santa, os toques de sinos são significativos e expressivos. Os dobrados são lentos, cadenciados, marcantes e remetem-nos aos diversos momentos da Paixão de Cristo.

Toque Dobre da Festa do Senhor Bom Jesus dos Passos
Dobre apenas do sino grande, girando-o em torno de seu eixo – 360º, na média de 10 a 15 minutos, às 12, 15 e 18 h, deixando-o descair. Esse dobre produz sons cadenciados, lentos, dolorosos e marcantes. É executado na Festa de Passos, que acontece desde 1722 e promovida pela Venerável Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos. Ele é tocado na Matriz de Santo Antônio, à saída da imagem de Nosso Senhor, fechado em velário roxo, para a Capela de Nossa Senhora das Mercês, que o recebe com o mesmo toque. Há um diálogo entre os sinos, o da Matriz chama e o das Mercês responde. É executado também na Capela de São João Evangelista, quando daí parte a imagem de Nossa Senhora das Dores para compor a procissão do Encontro. O dobre fúnebre é repetido durante a Rasoura dos Passos, pequena procissão de Nosso Senhor em torno da Capela de Nossa Senhora das Mercês, às 10h, após a realização da Missa Solene, e também na saída e chegada da Procissão do Encontro de Cristo e Nossa Senhora. A cerimônia do Encontro é realizada na Rua Direita, em frente à Capela de Nossa Senhora do Rosário e após o Sermão do Encontro, o sino da capela é dobrado.

Toque Dobre da Festa de Nossa Senhora das Dores
O sino grande é dobrado em seu eixo – 360º. O sino da Capela de São João Evangelista chama e é respondido pelo sino grande das Mercês, nos horários de 12, 15 e 18h, ao final do dobre, deixa o sino descair. É executado na Capela de São João Evangelista, onde se realiza o Setenário das Dores.

Toque Dobre de Via-Sacra
O sino grande é levado a pino e dobrado em seu eixo – 360º, lento e doloroso. É executado à saída e chegada da Via-Sacra, geralmente das capelas de São João Evangelista, Rosário, Mercês e Bom Jesus da Pobreza, nos horários de 12, 15 e 18h. A Via-Sacra é promovida pela Irmandade dos Passos.

Toque da Semana Santa
Repique festivo na saída e na chegada da Procissão de Ramos dá início à Semana Santa. O dobre doloroso é executado nos sinos da Matriz, Rosário e Mercês, às 12, 15 e 18h, descaindo ao final da sequência durante segunda, terça e quarta-feira Santas. Na sexta-feira da Paixão, o sino é substituído pelas matracas, que acompanham a Cerimônia de Adoração da Cruz e a Procissão do Enterro. Os sinos voltam a ser tocados no Sábado de Aleluia. No domingo de Passos, eles são repicados para a Procissão da Ressurreição de Cristo.

Os toques de sinos precisam ser executados conforme a tradição e respeitados como elementos litúrgicos, assim, serão devidamente protegidos e conservados, tanto os toques quanto os próprios sinos. Além de fazerem parte de uma arte que  vem se perpetuando através dos tempos e assim deve continuar.

Nota: Henrique Rohrmann dobrando o sino da Matriz de Santo Antônio. Fotografia: LC

Referência
CRUZ, Luiz Antonio da. e BOAVENTURA, Maria José. Manual de Técnicas e Manutenção de Patrimônio. Tiradentes: IHGT, 2016.

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15 comentaram em “OS SINOS NOS TEMPOS DE QUARESMA

  1. Professor Toledo

    Prezado Luiz
    Sempre admirei os dobres dos sinos e sua linguagem de puro exercício e refinamento de nossos sentidos.
    Aqui em Oliveira hoje, ao terminar minha coluna semanal, em que fazia alusão ao sino da antiga ermida de São Sebastião (infelizmente demolida), e seus sons que atravessavam a cidade e podiam ser ouvidos até em povoados, zona rural, em tardes barrocas.Foi fundido em 1885 e nomearam-lhe Gregório. Já o da matriz é o famoso Jerônimo… Tenho um conto sobre o último, que, pasme: chegou a ser preso, por ter afundado dois homens solo a dentro em sua queda.Tenho alguns de porte menor em meu acervo.Aqui em minha casa de 1901, se atende ainda por sino, afixado à porta principal.
    Obrigado, pelo texto, gentileza. Amei!
    Abraços

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    1. Luiz Cruz

      Professor Toledo
      A cidade de Oliveira é privilegiada, um fundidor de sinos atuou na cidade e região, legando-nos belos exemplares. As histórias envolvendo os sinos, especialmente em Minas, resultam em vasto repertório. Precisamos trazer isto ao grande público e desde já solicito a gentileza de publicar o seu conto. Parabéns por manter exemplares de sinos em seu precioso acervo.
      Grato por sua presença aqui no blog.
      Abraço,

      Luiz Cruz

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  2. Ricardo Ribeiro Resende

    Importante realçar esta tradição muito especial na Região do Rio das Mortes. Realmente, a linguagem dos sinos nos emociona e nos faz refletir muito e pensar no período quaresmal (preparação dos católicos para a Páscoa), como foi bem ressaltado no seu texto. Para quem não é especialista e músico, aprende-se muito sobre estes costumes ainda existentes na saudosa e querida Tiradentes.
    Abraços

    Ricardo

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  3. Ulisses Passarelli

    Valeu, Luiz Cruz!
    Belo registro desta tradição em Tiradentes. Importante ressaltar isto porque habitualmente estamos acostumados às matérias sobre os sinos de São João del-Rei e nos esquecemos das outras cidades das Vertentes, também muito tradicionalistas e cheias de cultura.
    Parabéns pelo texto.

    Att. Ulisses Passarelli.

    Responder
    1. Luiz Cruz

      Olá Passarelli,
      Seu retorno é muito importante para mim, pois tenho grande admiração pelo seu trabalho de pesquisador e defensor do Patrimônio Imaterial da região Campo das Vertentes.

      A história dos sinos, a linguagem e o acervo em São João del-Rei são impressionantes. São belíssimos e emocionantes. Mas as outras cidades mantêm, também, a tradição dos sinos e seus toques.

      Fizemos o primeiro inventário de sinos históricos, em Tiradentes, um trabalho pioneiro no Brasil. Agora, desejamos que nossa experiência seja inspiradora para outras localidades. O mais importante passo para a proteção é o inventário e o conhecimento do nosso acervo cultural.
      Um abraço,

      Luiz Cruz

      Responder
    1. Luiz Cruz

      Olá Thonny,
      Obrigado pelo seu retorno, sempre bem vindo!
      O universo dos sinos é muito rico e breve teremos mais textos sobre o tema.
      Um abraço,

      Luiz Cruz

      Responder
  4. Paulo Monteiro

    Luiz
    Belo texto! Aprendi muito com ele. Parabéns pelo texto e por sua luta em preservar as tradições tiradentinas.

    Abraços

    Responder
    1. Luiz Cruz

      Olá Paulo,
      Muito obrigado pelo seu retorno!
      A região de Tiradentes é muito significativa para a linguagem dos sinos, especialmente São João del-Rei e Prados. Os sinos são mais que mensageiros, no período quaresmal nos tocam profundamente.
      Breve teremos mais textos sobre o tema, acompanhe.
      Abraço,

      Luiz Cruz

      Responder
  5. Luiz Cruz

    Lu
    Obrigado por sua atenção de sempre. Os sinos são elementos muito interessantes. Eles compõem um universo extremamente rico e um forte traço da cultura mineira.
    Um abraço,

    Luiz Cruz

    Responder
      1. Luiz Cruz

        Olá, Jadir!
        Obrigado por sua presença aqui no blog. Breve teremos mais textos sobre os nossos sinos.
        Abraço,

        Luiz Cruz

        Responder
  6. LuDiasBH Autor do post

    Luiz

    Muito interessante essa forma de repicar dos sinos por ocasião da Quaresma. Aposto que grande parte das pessoas não sabem o que significa esse ritual. Você sempre ajudando a cidade de Tiradentes a conservar sua cultura maravilhosa.

    Abraços,

    Lu

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    1. Luiz Cruz

      Olá Lu,
      Especialmente em nossa região, os sinos têm uma função da maior relevância e são utilizados o ano inteiro.
      Realmente, como você disse, precisamos trazer a público as informações sobre a história dos sinos, tão antigas e ricas de detalhes.
      Um abraço para você.

      Luiz Cruz

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