Arquivo da categoria: Canto da Amazônia

Artigos sobre a Amazônia brasileira, mostrando, principalmente, sua fauna e flora.

ARIRANHA – A FÊMEA É QUEM MANDA

Autoria de Antônio Messias Costa

  messias 3   ariranha

 A ariranha (Pteronura brasiliensis), também conhecida como onça-d’água, lontra-gigante e lobo-do-rio, é um mamífero carnívoro e predominantemente aquático, que possui hábitos noturnos. Até mesmo as suas tocas não distanciam mais que 9 metros das margens dos rios e lagos. Seus pés largos possuem membranas entre os dedos, e a cauda é musculosa e achatada a partir do meio até a ponta, trabalhando como uma espécie de leme no deslocamento na água. Tais atributos são associados a um corpo de alta flexibilidade, tornando-a uma excelente nadadora e uma caçadora de alta eficiência na captura de peixes, item alimentar básico.

Esse animal vive em grupo familiar, normalmente composto por 9 indivíduos, mas, que temporariamente, em eventuais associações, pode ser composto até por 20 elementos. Trata-se de indivíduos brincalhões e barulhentos. Possuem pelagem marrom escura, que é muito sedosa, e uma mancha branca no pescoço. Embora a pele seja “menos nobre” do que a da lontra, um parente próximo bem menor, têm sido procurada  pelos caçadores e empregada na indústria da moda, infelizmente.

A vida sócio-familiar desse animal é muito interessante, e pode servir de modelo para muitos humanos, exceto quanto ao item “mulher é quem manda”, pois nessa espécie funciona assim, são as fêmeas que dão as cartas. O grupo tem uma fêmea matriarca, que coordena o bando, amamenta os filhotes, cujo número pode chegar até a cinco rebentos, situação que exige a ajuda de todos, embora eles fiquem sempre sob a supervisão direta da mãe. O macho apoia e ajuda o grupo, entretanto, é subserviente à matriarca, que também o instiga e o procura para o acasalamento, o que é um prova de sua força, já que ele a morde na nuca, enquanto ela nada com ele ancorado em seu dorso.

O repertório dos sinais de vocalização da ariranha é vasto. Cada som possui um significado específico: fome, alerta, susto, chamamento, entre outros.  Tais animais são solidários no ataque em defesa da área de uso e alimentação. Em certas situações, o grupo intimida até mesmo grandes felinos como a onça. Imaginem uma grande e barulhenta família, que não passam de 20 quilos cada um, vivendo entre jacarés, sucuris e competindo pelos peixes com os humanos, tendo que criar estratégias especiais de sobrevivência. Tudo isso contribui para a fantástica evolução social desses animais. A coesão do grupo também se fundamenta na necessidade de possíveis enfrentamentos com outros grupos, nas disputas por territórios de boa oferta de alimentos e abrigos.

A viabilidade das ariranhas em cativeiro tem sido preocupante, pois, atualmente, poucos exemplares existem em zoológicos, alguns deles não passando de indivíduos isolados, o que é problemático em razão da necessidade social que possuem de viver em grupos. Outro fator a considerar é o canibalismo, pois, muitos filhotes simplesmente desaparecem sem deixar vestígios. Isso em parte explica-se pelo alto investimento de energia da mãe nos cuidados com os filhotes, principalmente quanto à amamentação, ensinamentos de natação e mergulhos, exigindo um grande dispêndio de energia. Também outros fatores de estresse devem ser considerados, tais como ameaças externas, indisponibilidade de bons estoques de oferta de alimento para o grupo familiar, ataques de predadores, etc.

As ariranhas vivem em forte coesão familiar, sendo o lar sagrado, de modo que quem o invadir se dará muito mal, pois elas lutam ferozmente em sua defesa. O número de indivíduos deve corresponder ao que possa dispor para alimentação. Não há incesto na espécie. Quanto aos bebês, os primeiros cuidados ocorrem por conta da mãe, e só mais tarde os outros membros poderão ajudar. A figura do pai é secundária.

É importante compreender que a ariranha ainda é estigmatizada em face de um incidente ocorrido no Zoo de Brasília, quando uma criança caiu dentro do recinto de exposição e o militar que a salvou foi mordido pelos animais, e terminou morrendo por infecção. Imaginemos que alguém adentre pelo telhado de nossa casa, à noite, e se não teríamos uma reação de extremada defesa? O que fizeram os animais naquele recinto foi defender a sua morada de indivíduos estranhos, uma vez que não tinham por onde fugir. No entanto, quando em contato com a natureza, as ariranhas selvagens não mostram agressividade alguma em relação ao homem. A curiosidade desses bichinhos leva-os, inclusive, a aproximarem-se de embarcações.

Antes, a espécie ocupava grande área do continente sul-americano, entretanto, com a devastação e degradação crescente de seu habitat e a redução de alimentos pela competição humana, a ariranha tem sido extinta em muitas áreas antigas de ocorrência, e hoje, até mesmo na Amazônia, a espécie vem sendo ameaçada em muitas regiões.

Nota: fotos do autor

O MIMOSO SAGUI-ANÃO

Autoria de Lu Dias Carvalho

      Marc      Marc1

A Amazônia com seus peixes elétricos, aranhas gigantescas, mamíferos que vivem submersos nos rios, sapos azuis, etc, foi sempre um lugar exótico para os pesquisadores estrangeiros. A primeira expedição científica realizada àquela região aconteceu em 1638, chefiada pelo naturalista alemão George Marcgrave. Os interesses dos estrangeiros variaram de acordo com a época:

  • Até o final do século XVII deu-se a busca por animais exóticos.
  • Nos séculos seguintes, a procura era pela coleta de animais desconhecidos.
  • Até os anos 40, era feita a coleta de espécimes diferentes de nossa fauna e flora por coletores estrangeiros, pagos por museus internacionais.

Como podemos ver, somente há pouco tempo o governo brasileiro conscientizou-se de que precisava assumir a dianteira da pesquisa científica na Amazônia, ao invés de deixa-la nas mãos de estrangeiros. Antes disso, muitas das riquezas da região foram levadas a bel-prazer dos interesses estrangeiros, fato comum aos países subdesenvolvidos, e o nosso não estaria imune a isso. A visão brasileira era a de desfrutar das riquezas que ali existiam em abundância, sem nenhuma preocupação em preservar.

Temos vários estrangeiros radicados na Amazônia, muitos deles são naturalistas preocupados em conhecer, estudar e preservar a flora e a fauna. Um deles é o holandês Marc van Roosmalen, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia que vive em Manaus há quase duas décadas.

Foi Marc quem recebeu da mão de um caboclo uma lata de leite em pó, toda furada, com uma miniatura de macaco dentro. Ficou surpreso e encantado. O animal era totalmente desconhecido da Ciência. Seria preciso descobrir seu habitat. E assim se pôs a navegar com seu barco, em busca da região do Rio Madeira. Levava uma foto do macaquinho que era mostrada aos ribeirinhos. A maioria dizia nunca tê-lo visto, enquanto outros diziam conhece-lo, mas na verdade estavam confundindo-o com outro tipo de sagui.

A estrelinha da busca era um pequenino macaco, pesando cerca de 170 gramas e medindo 15 centímetros em idade adulta, possivelmente um parente do sagui-leãozinho. Conhecedor de que os rios são barreiras naturais para os macacos, pois esses não sabem nadar, Marc sabia que a distribuição geográfica dos macacos era bem delimitada, por isso, acreditava que o pequenino ser possivelmente estaria na margem esquerda do Rio Aripuanã, afluente do Madeira, local onde se encontram os saguis-leõezinhos. O mateiro que o acompanhava, Valquemar Souza Aguiar, tinha a intuição de que deveriam subir o rio Aripuanã. E assim fizeram.

Em Nova Olinda, vilarejo à beira do rio Aripuanã, onde viviam poucas famílias, um rapaz que ali vivia, Damião Lisboa Pereira, contou que animaizinhos iguais ao da foto estavam sempre numa árvore em seu quintal. Que alívio! Nova espécie descoberta.

O sagui-anão (Callibella humilis) foi descoberto em 1998. Habita principalmente as florestas de terras baixas, endêmico da Amazônia brasileira, restrito à margem oeste do rio Aripuanã, é abundante próximo a assentamentos humanos, sendo um pouco maior do que o sagui-leãozinho. Esse novo gênero descoberto tem sido considerado como um possível elo entre saguis e saguis-leõezinhos, os menores primatas do mundo.

Fonte
Ciência na Mata/ Veja
Nota: Imagem copiada de http://veja.abril.com.br/especiais/amazonia

A ONÇA GUMA E SUA CONDUTA MASTURBATÓRIA

Autoria de Antônio Messias Costa

GUMA

Guma é o nome de batismo de uma onça macho, nascida e retirada da floresta amazônica, ainda pequenina, com não mais de um mês de vida. Crescera sendo cuidada como um gatinho doméstico, a despeito de seu desenvolvimento cada vez mais rápido. Ainda filhote, era motivo de afeto e cuidados constantes que, por outro lado, ia sufocando seus instintos e necessidades naturais.

O dono de Guma passeava pelas ruas de sua cidade, exibindo o animal com ostentação. Muitas pessoas dele se aproximavam, tanto para tocá-lo, como para satisfazer a própria curiosidade. Como o capturou? Onde? O que come? É agressivo? Algumas outras, mais preocupadas e comprometidas com o filhote, traziam outras preocupações. Ele é feliz fora de seu habitat? Quando será enviado a um zoológico, para um projeto de reabilitação e reintrodução? Outras perguntas de natureza mais íntima também eram formuladas, como: O que leva uma pessoa a ostentar um animal de natureza selvagem, como trunfo, desfilando pelas ruas, tanto a pé quanto em carros? Onde estão sua sensibilidade e compreensão sobre a vida animal?

Envolvido na área, eu já presenciei situações parecidas à descrita acima, que me levaram a algumas deduções bastante lógicas. Podemos buscar um paralelo, por exemplo, com o tipo de cão que cada pessoa possui. É fácil perceber a razão pela qual os “bad boys” preferem cães agressivos; as pessoas amáveis possuem predileção pelos dóceis; as emocionais buscam os cães mais sensíveis e frágeis, enquanto aquelas que se sentem diferenciadas, artisticamente ou financeiramente, preferem os mais raros e diferentes, geralmente muito caros. Evidentemente existem inúmeras exceções.

Existem poderosos chefes de tráfico, assim como políticos ricos, que possuem zoológicos particulares. Certamente é algo que os diferencia e dá status, o que faz lembrar o início da criação dos zoológicos medievais, quando os imponentes chefes de clãs mantinham zoos particulares, num misto de curiosidade, maldade e diversão – época de grande sofrimento para os animais. Tratava-se de pessoas que viviam um tempo de ignorância, incapazes de compreenderem, ou pelo menos respeitarem essas formas diferentes de vida. Existiam até varas compridas para instigar os animais durante as visitas, de modo a expô-los à apreciação dos visitantes. Além do mais, o homem achava-se produto de outro mundo que não o animal. Os circos também eram um cenário de grande judiação para os bichos, panorama que ainda sobrevive em alguns países.

Retornando à onça Guma, de tanto vê-la exposta, alguém ligou para os órgãos de fiscalização, que prontamente tentaram buscar uma melhor alternativa de vida para ela. O Parque Zoobotânico do Museu Emílio Goeldi, Belém/PA, foi contatado e dispôs-se a aceitá-la, à época já com quatro anos, portanto adulta. Guma foi mantida, sozinha (onças são animais solitários, exceto quando filhotes e na época de acasalamento), num ambiente enriquecido com tanque, troncos de árvores, vegetação e toca, e, que lhe oferecia boa qualidade de vida.

Já no primeiro dia de Guma em cativeiro, a equipe de ajuda presenciou uma cena incomum. O animal masturbava-se sem parar, ação que virou rotina em sua vida, quase sempre estimulada pela presença dos tratadores, quando esses se aproximavam do recinto para manejo, limpeza, alimentação, etc. O comportamento estereotipado do felino também era feito na presença do público, à distancia, embora nem sempre percebido. (Ver imagem acima)

Sensibilizada com o sofrimento do animal, a equipe de técnicos do Parque Zoobotânico do Museu Emílio Goeldi procurou identificar as razões que aguçavam tal comportamento. Foi feito um trabalho metodológico, que permitiu concluir que o estímulo era maior com a presença masculina. Na tentativa de minimizar o problema, realizou-se um trabalho de enriquecimento ambiental, que consistia na introdução de aromas, pelos e pedaços de alimentos escondidos e pendurados nas árvores, de modo a fazê-la gastar energia, ao buscar ações diferentes da obsessão por masturbar-se.

As ações empregadas na ajuda a Guma surtiram efeito por pouco tempo. A medida seguinte foi utilizar o método de recompensa e punição, que consistia em utilizar uma forte buzina quando ela ameaçasse se masturbar, e recompensá-la quando não o fizesse. O interessante nessa técnica comportamental é estabelecer o momento certo da recompensa ou punição, porque na cabeça do animal pode ocorrer que deva agir negativamente para ser punido e depois recompensado. Os resultados foram importantes, mas depois de alguns meses o problema voltou. Também é interessante notar como esses animais identificam e sentem as pessoas, mesmo que não interajam com elas no dia a dia.

Além do comportamento alterado descrito acima, Guma mia como gato, não sabe gastar as unhas nos troncos do recinto, o que nos obriga a anestesiá-la para a correção dessas, sob o risco de adentrarem em seus coxins plantares, como já ocorrera antes. É justamente quando vê a zarabatana com a anestesia, que de fato ela se torna uma onça, mostrando a sua agressividade natural. É a oportunidade que a equipe técnica tem para, além de aparar suas unhas, avaliar seus dentes e realizar coleta de sangue para acompanhar seu estado de saúde.

É importante saber que os animais selvagens sentem-se bem, quando podem desenvolver suas necessidades biológicas de caçar, voar, reproduzir, alimentar-se do que gosta, enfim cumprir o seu papel biológico na natureza. Privá-los disso é impingir-lhes sofrimento físico e psicológico, com sérias consequências. Por isso, os zoológicos de qualidade modernizam-se para acompanhar os avanços do conhecimento das necessidades biológicas das diferentes espécies. Por outro lado, animais nascidos em cativeiro são mais adaptáveis, pois sentem menos a necessidade de uma vida natural, uma vez que não a conhecem, muito embora seus instintos básicos gritem por necessidades biológicas, que devem ser supridas.

Os zoológicos são importantes porque tornam os animais conhecidos, propiciam inúmeras pesquisas em benefício da conservação no ambiente natural, já sob risco de doenças, em razão dos impactos ambientais – daí existir a Medicina de Conservação. Sem a existência deles, os animais selvagens dificilmente seriam vistos e sentidos e, consequentemente, defendidos, assim como os seus ambientes, cada vez mais reduzidos e ameaçados.

Nota: foto do animal masturbando-se tirada pelo autor do texto.

ARIRANHA – UMA FAMÍLIA MUITO UNIDA

Autoria de Antônio Messias Costa

ariranha

No mundo animal, a ariranha (Pteronura brasiliensis) ocupa um lugar de destaque, em razão de suas características comportamentais diferenciadas e muito interessantes. Trata-se de uma espécie ameaçada de extinção tanto pela destruição do seu habitat quanto pela competição com o homem, pelo seu principal alimento, o peixe. Na Amazônia, existe ainda a cruel crença de que, amarrando as vibrissas (bigodes) da ariranha na rede, os peixes são atraídos.

A ariranha pertence à mesma família do furão, um inquieto carnívoro de não mais de quatro quilos, adaptado ao meio terrestre, enquanto ela é semiaquática, chegando a 30 quilos de peso corporal. Possui um corpo longo e maleável, membranas interdigitais e uma longa cauda, cujo terço final, achatado, lembra um remo, um equipamento perfeito de natação e propulsão.

Essa espécie animal dorme cedo, logo ao escurecer, em tocas subterrâneas nos barrancos, à beira d’água, cuja entrada é protegida por um emaranhado de galhos. Vive em grupos familiares de até 12 indivíduos, e pare, em média, três filhotes por vez, cuidados inicialmente pela mãe e depois por todos do grupo. Todo o agrupamento é proveniente de um só casal, e a mãe, matriarca, é quem o gere, cuidando e ensinando os filhotes a nadar, um empreendimento pesado, mas, com o crescimento dos filhotes ela passa a receber apoio de todos da família.

A despeito dos cuidados da mãe e do grupo com os filhotes, ainda ocorre o infanticídio, tanto motivado por fatores de estresse por ameaças e causas que imagino estarem relacionadas ao alto gasto energético nessas atividades, como é o caso da prole muito numerosa (pode chegar a cinco filhotes) e poucos membros familiares para ajudar. É curioso notar o empenho do grupo em induzir os filhotes a ingerir alimentos sólidos, muito cedo, buscando se livrar do alto investimento em cuidados.

O alto metabolismo da ariranha obriga-a a ingerir bastante alimento, o que a torna muito voraz. Este comportamento alimentar insaciável, associado à ocorrência de um acidente humano acontecido em um zoológico brasileiro (invasão do recinto por particular para retirada de uma criança) envolvendo a espécie, estigmatizou-a, de modo que esta é a imagem que ainda perdura. Entretanto, o ocorrido deu-se em defesa de seu território, marcado com almíscares de suas glândulas perianais, que têm uma função social muito importante.

No mês de novembro, dois filhotes de ariranha, fêmeas, com cerca de três meses de idade e pesando três quilos, chegaram ao Parque Zoobotânico (Belém/PA), provenientes de resgate na área de construção da Hidrelétrica de Belo Monte, no estado do Pará, criando uma oportunidade única do acompanhamento das duas irmãs, em sua fase inicial de vida. No início, eram arredias, entretanto, após as primeiras alimentações já procuravam estreitar aproximações com os tratadores, que receberam a orientação de desestimulá-las, pois a aproximação geraria dependências psicológicas a elas desfavoráveis.

A cada dia aumenta o vínculo familiar entre as duas irmãs, exceto, como era de se esperar, na hora de comer, quando aconteciam as encenações e escaramuças de que “tudo é meu”. Após a alimentação, os ternos laços voltavam através de brincadeiras, cheiros e um vasto repertório de sons. Hoje, para evitar o risco de se engasgarem na competição, ambas comem separadamente, recebendo pedaços maiores de peixe. Elas percebem e aprendem tudo muito rapidamente, adequando-se, e facilitando todo o manejo a elas dedicado.

As duas ariranhas têm crescido rapidamente e merecido todo o zelo da equipe do Parque Zoobotânico, mas a primeira morada, toda revestida de borracha, e o pequeno tanque estão ficando pequenos e brevemente deverão ir para um ambiente maior, anexo ao espaço de exposição, onde se encontra o macho Erê, infelizmente ainda solitário. Será um grande desafio, após 11 meses de idade, tentar uma aproximação entre eles, porque os grupos familiares geralmente são formados quando são mais jovens. Entretanto, todos os cuidados serão tomados para que tudo transcorra bem e esses fantásticos animais formem um grupo familiar no Parque.

O FURÃO – UM COMEDOR VORAZ

Autoria de Antônio Messias Costa

 furao   furao1

Num sábado tranquilo, chegaram ao Museu Goeldi, Belém/PA, dois indivíduos meio mascarados, de não mais que 300 gramas cada um, em uma caixinha. Eram, na realidade, dois irmãozinhos desamparados, encontrados em uma das matas da periferia da cidade de Belém. Muito provavelmente a mãe deixou-os para caçar, ou os abandonou, ameaçada pelo desmatamento que avança em razão da urbanização crescente na periferia das grandes cidades amazônicas.

Os recém-chegados foram pesados e medidos, assim como acontece com os bebês humanos, já despertando o sentimento e os cuidados de toda a equipe. A seguir, foram mantidos em caixinhas, aquecidos, onde se lambiam e se enrolavam em constantes afagos, como se o vínculo tivesse alto risco de ser perdido ou esquecido. A primeira refeição foi constituída de leite com enriquecimento vitamínico e mineral. Logo depois receberam uma vasilha pequena e pesada, para não ser entornada, com alimento, pois se trata de uma espécie voraz por comida, mas sem culpa, pois o alto metabolismo da espécie é o único culpado por tal comportamento.

Posta a vasilha no chão, deu no que se vê na foto, num salve-se quem puder na batalha pela comida. Parecia ser aquele o primeiro e último prato de suas frágeis vidas. Os dois pirralhos chegaram a ficar entalados, já que a abertura do vasilhame permitia acesso, mas com certo nível de educação, pois o alimento era acrescentado aos poucos, e, como diz o ditado “quem vai com muita sede ao pote além de se lambuzar, corre o risco de se engasgar.”.

A competição desenfreada e ruidosa não acabou por aí. Cheios, mais ainda assim ávidos por alimento, os dois passaram a se agredir com mordidas na orelha e membros, certamente um treinamento para escaramuças alimentares futuras, o que certamente não haverá, pois passarão a comer separados. O engraçado é que, cessado o momento da refeição, tudo voltou ao normal, como se nada tivesse acontecido. Os vínculos afetivos têm que ser aprofundados pelo amor à boa convivência e parentesco. Depois, num sono só, dormiram os dois furões, como se fossem dois anjinhos abraçados.

O furão, pertencente à família Mustelidae, é um animal caracterizado pelo corpo longo e maleável e de altíssimo metabolismo, razão de sua voracidade. Carnívoro por natureza, é um predador voraz de aves e pequenos mamíferos, entre outros animais. Possui uma taxa metabólica duas vezes maior do que a de um indivíduo do mesmo porte. Por estas razões, também atinge a idade adulta muito rapidamente.

Assim como outros mustelídeos, o furão possui glândulas de almíscar, perianais, de grande importância no relacionamento social do grupo. Também pertence à mesma família da ariranha e da lontra, animais de hábitos semiaquáticos, razão pela qual possuem a cauda como um remo e membranas interdigitais. O furão e a irara são os representantes terrestres mais conhecidos, possuem unhas resistentes e são bem adaptados ao meio terrestre. É imprescindível que haja pequenos lagos em seu ambiente de exposição, pois ele não se aquieta, chegando a fazer trilhas de tanto que se movimenta dentro do recinto, o que lhe causa superaquecimento e a necessidade de se refrigerar.

Denúncia: por ter hábitos predominantemente diurnos, o furão é vítima frequente em estrada, onde é morto por veículos.

Nota: fotos do autor

A FESTA DO CÍRIO E OS PERIQUITOS

Autoria de Antônio Messias Costa papagaio

O Círio de Nazaré é, sem dúvida, uma festa religiosa contagiante e comovente, atraindo multidões de turistas brasileiros e de todo o mundo, o que torna Belém a capital da fé em um período de quinze dias do mês de outubro. Chama a atenção a procissão da corda, a procissão dos navios e as diferentes formas de pagamento de promessas. Também é um período de banquetes festivos, onde a exótica culinária paraense apresenta a maniçoba e o pato no tucupi, partes integrantes da gastronomia comemorativa.  No decorrer dos dias, os estampidos sinalizam as comemorações, cuja intensidade é maior no encerramento, em frente à igreja de Nossa Senhora de Nazaré, onde os foguetes são utilizados de forma prolongada e intensa.

A cidade de Belém, com seus 400 anos de existência, está localizada em uma área outrora da mais rica biodiversidade Amazônica, com elevado grau de endemismo, ou seja, com muitas espécies de animais que só aqui existiam. Ainda nos dias de hoje, foi descoberta uma nova espécie de aranha, no Bosque Rodrigues Alves, uma mata primária ainda mantida, graças a Deus, que contribui para amenizar o rigor do clima na região. Também o gavião-real, a maior ave de rapina, hoje ameaçada de extinção, existia na região da cidade. Belém, com suas mangueiras e áreas verdes, ainda é local de uma riquíssima avifauna. Até mesmo poraquês e sucuris, nas “águas altas”, visitam locais da cidade, onde os canais podem leva-los. No entanto, a festividade do Círio de Nazaré vem trazendo conflitos, que a cada ano tornam-se maiores, envolvendo diferentes entidades: religiosa, de proteção animal e órgãos de fiscalização animal e de direito. Trata-se de uma situação complexa, em que a tomada de decisão deve ser bastante analisada e justa, tanto para os homens quanto para os animais aqui citados.

O ponto do conflito é o foguetório do encerramento da festividade, em frente à Basílica de Nossa Senhora de Nazaré, situada em frente à Praça do CAM, onde centenas de periquitos-de-mangueira escolheram as antigas sumaumeiras como dormitório e abrigo, principalmente na época das festividades do Círio de Nazaré, aproveitando as mangueiras, para se banquetearem na época de sua frutificação.

Numa rápida enquete com vendedores ambulantes, lojista, devotos e moradores dos arredores da Praça, posso afirmar com segurança que 90% deles, embora enfatizem a importância da tradição, anseiam por uma solução, para que os periquitos-de-mangueira não sejam molestados pelo barulho do foguetório. Para melhor entender a complexidade do problema é importante conhecer o significado do estresse para a vida desses animais, com riscos de morte, sendo, portanto, necessário levar em conta os princípios humanitários.

Primeiramente é preciso compreender que existem dois tipos de estresse. O bom, que é aquele que nos mantém vivos e atentos à nossa segurança, e o ruim que, ao contrário, provocado por fatores externos, hostis aos nossos sentidos auditivos, visuais e olfativos, interfere negativamente na vida do indivíduo.

Temos conhecimento de que animais da floresta são atletas, aptos a fugir ou lutar sob ameaças, ao contrário dos que vivem em cativeiro, que não mais reconhecem as ameaças externas, são portadores de obesidade e hipofunção da adrenal, uma glândula localizada próxima a cada rim, responsável pela produção de hormônios que elevam a taxa cardiorrespiratória, oxigenando mais o cérebro, requerendo mais glicose que é o combustível vital ao bom funcionamento da máquina corporal. O cortisol é o hormônio ruim resultante do estresse negativo, que diminui a imunidade do organismo, e o predispõe a fratura.

Alguns podem questionar: já que os periquitos são atletas e são livres por que não se mudam para uma área mais segura, fugindo dos fatores de estresse, ou seja, do foguetório? Acontece que no mundo natural funcional, custo x benefício é balanceado. Os periquitos têm abrigos, são pouco hostilizados na maioria do tempo, dispõem de fontes de alimento (mangueiras, sumaumeiras) de fácil localização e baixa competição, daí se manterem nas sumaumeiras da CAN, apesar do estresse ruim que os acomete. E a situação dos urubus? E os cães comidos em países asiáticos? E o cavalo que tem sua carne oferecida em restaurantes franceses? E as touradas na Espanha? Como visualizar neste contexto a proteção dos periquitos, em uma festa, cujo ponto alto do encerramento é o foguetório?

Em primeiro lugar é importante compreender que pertencemos à classe dos mamíferos, à qual pertencem inúmeras outras espécies. Diferenciamo-nos por ter consciência, pois, se assim não fosse, não compartilharíamos todas as benesses científicas (medicamentos, tecidos, vacinas) que tiveram os animais, principalmente os primatas, como cobaias de pesquisa biomédica. Assim é ético e moral que tenhamos um compromisso com esses nossos companheiros de planeta.

Voltando às indagações anteriormente feitas, os urubus são verdadeiros “cidadãos” urbanos, resistentes às infecções e bem adaptados às mais diversas agressões do meio urbano. Possuem um papel ecológico muito importante por agirem como lixeiros. As questões que envolvem o uso de animais domésticos como alimento requerem o entendimento de que o homem faz um investimento na alimentação, saúde e criação desses, dando-lhes qualidade de vida. Estes seriam os princípios éticos que, infelizmente, o mundo desenvolvimentista eliminou. É importante que o abate desses animais atenda a princípios éticos e humanitários, de modo que a morte seja rápida e com quase ausência de dor. O escritor Desmond Moris, no seu livro “O Contrato Animal”, retrata com clareza tais princípios.

O cavalo e o cão são espécies que contribuíram para o desenvolvimento da humanidade, principalmente o cavalo, utilizado em guerras, correios, explorações e ainda hoje, juntamente com o cão, torna a nossa vida mais alegre e mais viável. O consumo desses animais “afetivos” e vinculados à nossa existência sinaliza o grau evolutivo de quem os consome, e se torna mais grave no aspecto humanístico, se alternativas alimentares existirem. Assim é fácil compreender que a miséria e a fome, que imperam nas baixas castas na Índia, não se justificam com tanta abundância de vacas. A tradição, neste caso, cria uma situação injusta em razão da ignorância.

Outro ângulo da questão é a relação presa x predador. Neste caso há uma oportunidade de fuga e luta, sendo que algumas espécies, como a dos roedores, existem em grande número para serem consumidas por outras. Diferentemente do que acontece com o homem, os mecanismos reguladores nas outras espécies animais existem para mantê-las, enquanto nós proliferamos, tomamos e invadimos espaços dos animais, desertificamos e contaminamos o planeta com agrotóxicos.

Mas o que tem a ver tudo isto com a questão dos periquitos? É simples. A necessidade de se buscar uma solução em respeito a esses animais não reside em “se morreram apenas 3, 5, ou 100”, mas no simbolismo que o respeito à vida representa, em um mudo de taxas de violência alarmantes, insegurança e competição desenfreada. Se religião é o modo como interagimos entre nós, humanos, e entre as outras formas de vida, comecemos por respeitar a vida, por menor que ela possa parecer. Assim, a comunhão entre homem e natureza merecerá verdadeiramente as bênçãos da Virgem de Nazaré.