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NÃO SEI! SÓ SEI QUE FOI ASSIM… (Parte IV)

Autoria de Lu Dias Carvalho

   As idas e vindas dos dois amigos ao Bosque do Silêncio continuaram por uma semana. Eles se escondiam em frente ao portão, amoitados detrás de uma touceira de espinhosos cactos. Mas nada acontecia. Celestina, no entanto, além de insensível ao toque do marido, tornara-se também insolente, irritadiça e rabugenta. Tudo para ela era motivo de agastamento. Brigava até mesmo por “dá cá aquela palha”. Além do mais, passou a não ligar com o esposo e a casa, ficando só a suspirar pelos cantos da morada, como se algo lhe faltasse.

     A dupla, formada pelos supostos detetives, resolveu dar duas semanas de trégua ao casal de enrabichados. Talvez o sujeito houvesse descoberto a presença do marido ali por perto e também se escondera, esperando um tempo propício para um novo encontro com a afogueada Celestina. O fato é que muitas noites transcorreram sem quaisquer novidades para o pobre marido, já cansado de tanto pelejar para pegar o tórrido casal de amantes em ação.

    Passado o tempo aguardado, marido e ex amante puseram-se de novo a vigiar Celestina. Eis que, já no segundo dia, avistaram a cena que tanto desejavam. A mulher era jogada de um lado para o outro, enquanto seus uivos de prazer faziam tudo em derredor estremecer, amedrontando, até mesmo, as almas penadas. Somente as corujas-de-igreja e os urutaus, com seus pios aterrorizantes, ousavam dar sinal de vida.

    Os dois homens correram para cima dos supostos amantes, mas foram vigorosamente seguros pelas pernas, sem compreender quem ou o que os prendia. Tomados pelo medo, tentavam correr a qualquer custo, mas em vão. Não havia força capaz de soltá-los. Debalde lutavam contra o que não viam.

    Os dois valentões – marido e antigo amante – acordaram esparramados no chão, extremamente cansados, praticamente sem energia vital, corpo e mente totalmente abilolados, mas com uma expressão de êxtase no rosto, como se tomados por um grande aprazimento. Nem mais se lembravam do que ali foram fazer. Não tinham ideia de que seus corpos foram tomados por dois súcubos.

   E por isso ou aquilo, para o bem ou para o mal, Celestina foi deixada literalmente de lado na cama. Assim como se deitava, ela amanhecia, sem que houvesse queixas por parte do casal em relação ao pavio seco e a cacimba vazia.

     O marido de Celestina, dizendo-se achacado por severas dores nas costas, o que o impedia de trabalhar na lavoura, pediu-lhe que arranjasse para si um serviço no Bosque do Silêncio – o que ela prazerosamente o fez. Os dois ali passaram a trabalhar desde o cair da noite ao amanhecer do dia naquele lugar.

  Os gemidos libidinosos acabaram? Não! Após a meia noite, uivos e suspiros langorosos entrelaçavam-se, agora com maior possança, ribombando pelos ares, de modo que nem as corujas-de-igreja e os urutaus por ali mais passavam.

  E o ex amante de Celestina, o que lhe aconteceu? Não sei! Só sei que foi assim…

 

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NÃO SEI! SÓ SEI QUE FOI ASSIM… (Parte III)

 Autoria de Lu Dias Carvalho

   O infeliz marido optou por apelar para as rezas, sejam elas quais fossem. Por sua casa passavam benzedeiros, mata-sanos, curandeiros, pajés, abençoadeiros, saludadores e quaisquer outros nomes que se queira dar aos charlatões. Mal um saía, outro entrava. O telhado da humilde casa já se encontrava atulhado de mil e uma raízes. Não havia mais onde botar as folhas de ervas que serviam para isso ou para aquilo. Garrafadas milagrosas e velas de sete dias espalhavam-se por todos os lados.

   Na cabeceira da cama do casal havia incontáveis patuás, com inúmeras finalidades e, debaixo, descansavam mil e um amuletos, não importando de que cultura fossem: ferradura, figa, olho grego, elefante com tromba para cima, cruz, dente de alho, sapo, pé de coelho, estrela de Davi, espelho de bolsa e outras bugigangas e quinquilharias desconhecidas dos leigos. O que importava era trazer Celestina para a vida dantes.

    Pobre homem, nada, absolutamente nada, ajudava-o a molhar o seu ressentido e choroso pavio. Já totalmente desenganado, resolveu vigiar sua mulher no serviço feito Bosque do Silêncio. Lá pelas tantas, quando a pálida lua reduziu ainda mais a sua languidez sobre o local, ele a viu se estrebuchar no chão. Em meio a gemidos de luxúria, ela se mergulhava no mundo voraz da voluptuosidade. Sem que ele soubesse como, era jogada de um lado para o outro, num estado de profundo gozo.

   O esposo chifrado, por mais que tentasse, não conseguia descobrir a identidade de seu rival, não lhe era possível avistá-lo. A frouxa luz que vinha da lua parecia coligada com os amantes. Suportaria tudo de Celestina, menos uma traição tão escancarada e desenvergonhada jamais. Logo o seu nome estaria falado em toda a freguesia.

     O marido voltou destroçado para casa. Ali estava a causa da frigidez de sua mulher, antes tão obcecada pelos carinhos da vida a dois. Queria pegá-la, junto ao seu amante, no flagrante. Sabia que sozinho não daria conta, pois o sujeito parecia muito forçudo, pois levantava Celestina nos braços como se fosse uma pena, jogando-a de um lado para outro, colocando-a nas mais inusitadas posições.

     O traído lembrou-se, então, de seu substituto na lavoura – aquele mesmo que fora amante de Celestina. Contou-lhe todo o sucedido e pediu-lhe ajuda para pegá-la no flagra. O moço, ainda ressentido com o abandono por parte da antiga amante, julgando que ela se encontrava nos braços de outro, viu no convite um jeito de vingar-se da famigerada usurpadora de corações. Ela não perderia por esperar.

     Mal Celestina partiu para seu serviço no Bosque do Silêncio, marido e antigo amante puseram-se a espreitá-la caminho a fora, munidos de grossas varas de marmelo. Tinham como intuito dar uma boa surra nos dois devassos, a fim de criarem vergonha na cara. Escondidos, os dois viram o novo dia engatinhar e o sol nascer, sem que algo acontecesse. A mulher estava ali quietinha, num fechar e abrir de olhos.

   A dupla pôs-se de volta, cada um para a sua casa, de modo a não despertar a curiosidade de Celestina, que nesse dia chegou em casa um pouquinho mais animada, mas nada que fosse capaz entusiasmá-la na alcova. Literalmente continuava boa de cama, ou seja, dormia profundamente, não querendo ser perturbada por nem mesmo um beijo. Como uma estátua ela se deitou e como tal se levantou.

Obs.: Se corajoso fores, não percas o episódio IV.

 

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NÃO SEI! SÓ SEI QUE FOI ASSIM… (Parte II)

Autoria de Lu Dias Carvalho

   Os encontros entre Celestina e seu amante aconteciam ao cair do sol, dia sim e outro também. Mas, como o mundo é muito cruel com os amancebados, o pai do traído recuperou-se antes do tempo previsto, voltando o filho para casa bem antes do esperado. Em apuros, a esposa, irrequieta, tratou de fechar portas e janelas, sob o argumento de que queria ficar na maior intimidade com o seu maridinho, sem que nem mesmo o miado de seu gato ou os ganidos de seu cão os incomodasse.

  Que dureza de vida! No horário de sempre, o amante bateu na porta cerca de três vezes. Arrepios e medo. Celestina disse ao marido que poderia ser uma alma das trevas que escapara do Bosque do Silêncio, sendo preciso agir com cautela e sabedoria, pois uma alma penada jamais poderia ser enxotada, sob risco de revoltar-se e acabar com a vida do ofensor. Pediu-lhe que deixasse por sua conta o contato com o ser do além. Ela, então, recitou em voz alta:

    – Alma sarapantosa que vieste me sarapantar, volta com o teu pavio seco, e num outro dia venhas molhar. Aqui em casa não tem óleo, água ou qualquer outra coisa para te dar. Sigas em paz!

    A suposta alma sarapantosa foi-se embora, sabedora de que o mar ali não estava para peixes, enquanto o marido pôs-se a louvar a coragem de sua destemida mulher.

   As coisas teriam terminado por aí, se um íncubo, ao fazer uma vistoria pelas redondezas, não tivesse assistido a toda a cena. Desse dia em diante, Celestina passou a não ter mais sossego. Moradora que era do Bosque do Silêncio, a tal criatura, conhecida desde a Idade Média como sendo um demônio masculino que tinha relações sexuais com mulheres, não mais a deixou em paz, dela se apoderando como se fosse sua preciosa amante, noite após noite.

      A pobre mulher, quando em casa, não mais tinha aquela ardência amorosa de antes, exigindo a presença do corpo de seu marido. Seu assanhamento não mais habitava a cama do casal. Chegava em casa de manhã, após o serviço de porteira no Bosque do Silêncio, sempre entorpecida, maldisposta e desmilinguida.

  A única coisa que Celestina fazia ao voltar, era contar os sonhos eróticos que tivera, ao adormecer no serviço por alguns minutos. O coitado do marido, entusiasmava-se com os sonhos, mas não tardava a receber um chega para lá, sem entender necas de pitibiriba. Celestina se parecia com uma piedosa beata, alheia aos afagos amorosos do companheiro. Até o velho gato que lhe roçava as pernas causava-lhe repugnância.

       Preocupado com a falta de vitalidade da mulher, que parecia ter sido abduzida por um extraterrestre, o marido resolveu levá-la ao doutor da cidade vizinha, que disse ser coisas de hormônios em baixa, enchendo-a de pílulas. Passado o tempo de espera, conforme pedira o esculápio, o pobre homem não viu mudança alguma na postura de sua outrora assanhada Celestina. Os lençóis continuavam sem amassos. Tal como se deitavam, assim amanheciam, como se ambos fossem dois fervorosos penitentes.  

   Os sintomas da mulher continuavam os mesmos, ou melhor, sua energia vital parecia estar sendo drenada para o Bosque do Silêncio, pois se recusava a faltar um só dia no trabalho. Podia estar mazelenta do jeito que fosse, mas, mesmo se arrastando, rumava feliz para o seu rotineiro serviço. O que havia por lá de tão atrativo?

Obs.: Se corajoso fores, não percas o episódio III.

 

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NÃO SEI! SÓ SEI QUE FOI ASSIM! (Parte I)

Autoria de Lu Dias Carvalho

   O Bosque do Silêncio passava por um período de amedrontadora efervescência, após o último conciliábulo de bruxos e bruxas, realizado num sábado à meia-noite, cerca de duas semanas ao que ora é aqui contado. Nem mesmo o pintor espanhol, Francisco de Goya, em seus inimagináveis delírios, seria capaz de transferir às suas telas, durante o período em que suas pinturas retratavam feitiços e bruxarias, os horrores que ali tiveram vez. Não se falava noutra coisa no lugar senão nas diabruras ali acontecidas.

     Os visitantes em derredor daquele maldito bosque, amedrontados com as sandices ali perpetradas, há muito venderam suas terras, hoje tomadas pela erva daninha e por plantas espinhosas. Não haviam palavras, contidas na mente humana, em qualquer que fosse o idioma, capazes de descrever a aversão, a repulsa e o ódio que nutriam pelos acontecimentos advindos daquele local.

    A verdade, caros leitores, é que não passava um dia sequer sem que gritos, urros e gemidos chegassem aos ouvidos dos antigos moradores. Não houve benzeduras, pajelanças ou exorcismos que dessem jeito naquela escabrosidade que subia aos céus e descia à terra, espalhando-se como esconjuro e pestilência. Até mesmo os bichos dali se escafederam, não se sabe para onde. Sumiram no mundo!

   Para o bem da verdade, nem todos abandonaram aquelas cercanias. Um casal negou-se a deixar suas terras, vizinhas ao sinistro bosque. Enquanto o homem labutava na lavoura, a mulher trabalhava à noite na portaria do Bosque do Silêncio, não dando a mínima importância ao que ali acontecia. Dizia ser filha de cabra macho e não seria qualquer disse me disse que a amedrontaria, expulsando-a de suas terras.

    Alardeava a dita mulher que a laúza e a danação que dali se ouvia não passavam da voz do vento, ecoando em meio aos arbustos, árvores, pedras e grotas presentes no sombrio lugar. É fato que ela nada temia, pois esses seres escalafobéticos somente ali chegavam pouco antes da meia-noite, cobertos da cabeça aos pés por uma capa e capuz escuros, sendo de pouco falar. Deles só ouvia a senha para a abertura do rangente portão de ferro. Serviço que ela fazia com  o maior prazer.

    De uma feita, o marido de Celestina – pois este era o nome da mulher – viajou para visitar o pai doente. Ficaria por lá cerca de quatro a cinco semanas. Tempo suficiente para que sua esposa, muito chegada a um embeleco amoroso, necessitasse urgentemente de alguém que lhe oferecesse um bom chamego. Sua quentura, conhecida em toda a redondeza, era capaz de acender até fogueira.

   O marido, sabedor do queimor que saía dos quartos de Celestina, deixou-lhe um sem conta de ervas e raízes para banhos e chás, a fim de acalmar o fogaréu que dela tomaria conta durante a sua ausência. E assim, viajou o moço tranquilamente, certo de que todas as providências haviam sido tomadas em relação ao abrasamento da esposa.

  Não se sabe se foi pelo fato de a mulher não ter tomado os chás, ou por esses não terem produzido efeito algum, o fato é que ela caiu de amores pelo substituto do marido na lavoura, um rapaz musculoso e com a testosterona a sair-lhe pelos poros. Assim, a fome e a vontade de comer uniram-se numa comilança amorosa de dar arrepios até mesmo nos habitantes do Bosque do Silêncio.

Obs: Se  corajoso fores, não perca o episódio II.

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