Autoria de Antônio Messias Costa
No mundo animal, a ariranha (Pteronura brasiliensis) ocupa um lugar de destaque, em razão de suas características comportamentais diferenciadas e muito interessantes. Trata-se de uma espécie ameaçada de extinção tanto pela destruição do seu habitat quanto pela competição com o homem, pelo seu principal alimento, o peixe. Na Amazônia, existe ainda a cruel crença de que, amarrando as vibrissas (bigodes) da ariranha na rede, os peixes são atraídos.
A ariranha pertence à mesma família do furão, um inquieto carnívoro de não mais de quatro quilos, adaptado ao meio terrestre, enquanto ela é semiaquática, chegando a 30 quilos de peso corporal. Possui um corpo longo e maleável, membranas interdigitais e uma longa cauda, cujo terço final, achatado, lembra um remo, um equipamento perfeito de natação e propulsão.
Essa espécie animal dorme cedo, logo ao escurecer, em tocas subterrâneas nos barrancos, à beira d’água, cuja entrada é protegida por um emaranhado de galhos. Vive em grupos familiares de até 12 indivíduos, e pare, em média, três filhotes por vez, cuidados inicialmente pela mãe e depois por todos do grupo. Todo o agrupamento é proveniente de um só casal, e a mãe, matriarca, é quem o gere, cuidando e ensinando os filhotes a nadar, um empreendimento pesado, mas, com o crescimento dos filhotes ela passa a receber apoio de todos da família.
A despeito dos cuidados da mãe e do grupo com os filhotes, ainda ocorre o infanticídio, tanto motivado por fatores de estresse por ameaças e causas que imagino estarem relacionadas ao alto gasto energético nessas atividades, como é o caso da prole muito numerosa (pode chegar a cinco filhotes) e poucos membros familiares para ajudar. É curioso notar o empenho do grupo em induzir os filhotes a ingerir alimentos sólidos, muito cedo, buscando se livrar do alto investimento em cuidados.
O alto metabolismo da ariranha obriga-a a ingerir bastante alimento, o que a torna muito voraz. Este comportamento alimentar insaciável, associado à ocorrência de um acidente humano acontecido em um zoológico brasileiro (invasão do recinto por particular para retirada de uma criança) envolvendo a espécie, estigmatizou-a, de modo que esta é a imagem que ainda perdura. Entretanto, o ocorrido deu-se em defesa de seu território, marcado com almíscares de suas glândulas perianais, que têm uma função social muito importante.
No mês de novembro, dois filhotes de ariranha, fêmeas, com cerca de três meses de idade e pesando três quilos, chegaram ao Parque Zoobotânico (Belém/PA), provenientes de resgate na área de construção da Hidrelétrica de Belo Monte, no estado do Pará, criando uma oportunidade única do acompanhamento das duas irmãs, em sua fase inicial de vida. No início, eram arredias, entretanto, após as primeiras alimentações já procuravam estreitar aproximações com os tratadores, que receberam a orientação de desestimulá-las, pois a aproximação geraria dependências psicológicas a elas desfavoráveis.
A cada dia aumenta o vínculo familiar entre as duas irmãs, exceto, como era de se esperar, na hora de comer, quando aconteciam as encenações e escaramuças de que “tudo é meu”. Após a alimentação, os ternos laços voltavam através de brincadeiras, cheiros e um vasto repertório de sons. Hoje, para evitar o risco de se engasgarem na competição, ambas comem separadamente, recebendo pedaços maiores de peixe. Elas percebem e aprendem tudo muito rapidamente, adequando-se, e facilitando todo o manejo a elas dedicado.
As duas ariranhas têm crescido rapidamente e merecido todo o zelo da equipe do Parque Zoobotânico, mas a primeira morada, toda revestida de borracha, e o pequeno tanque estão ficando pequenos e brevemente deverão ir para um ambiente maior, anexo ao espaço de exposição, onde se encontra o macho Erê, infelizmente ainda solitário. Será um grande desafio, após 11 meses de idade, tentar uma aproximação entre eles, porque os grupos familiares geralmente são formados quando são mais jovens. Entretanto, todos os cuidados serão tomados para que tudo transcorra bem e esses fantásticos animais formem um grupo familiar no Parque.
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Oi, Messias, tudo bem?
As irmãzinhas seriam a Malhada e a Castanha? Já estou com saudades!Tomara que o Erê as recebam com todo amor e carinho, ou pelo menos, uma delas! Vamos torcer!
Beijos
Suzy
Antônio Messias
Achei seu artigo muito legal, pois sou apaixonada por bichos e gosto muito de conhecê-los, ainda que seja através da leitura. A ariranha é um animalzinho muito interessante. Parabéns pelo artigo.
Lorena,
Que bom que tenha gostado Lorena. É impressionante como aprendemos com eles. Cada um de nós, tem o seu “bicho” adormecido dentro de si. Na realidade, procuro escrever bem mais sobre minhas observações e vivência. Sugiro ler sobre a preguiça com o filhotinho, fiz observações bem interessantes, também sobre uma visita que fiz aos filhotes de gorilas no zoo-bh, quando a mãe tomou o filhote da outra mãe. Até o meio do ano estarei lançando um livro de fotos, frases e textos, com abordagens diferentes e interessantes sobre interações afetivas entre os animais.
Abraços,
Messias
Lu
É muito difícil interferir nesses tristes processos nos rincões dos rios amazônicos. Mas com os avanços da comunicação, certamente chegará um dia em que os ensinamentos da conservação também chegarão a esses locais, ensinando, além da saúde básica, a importância dos animais para o equilíbrio e manutenção dos ecossistemas.
Abraços
Messias
Muito interessante e informativo o seu texto sobre a ariranha.
Nele você diz:
“Na Amazônia, existe ainda a cruel crença de que, amarrando as vibrissas (bigodes) da ariranha na rede, os peixes são atraídos.”
É uma pena que tais superstições ainda persistem em meio àqueles que se situam próximos aos animais, pois deveriam ser os primeiros a zelar por eles. Somente a educação será capaz de eliminar tais crenças, que vão se perpetuando de geração em geração.
Vida longa para as duas irmãzinhas e um bom relacionamento com Erê.
Abraços,
Lu