Van Eyke – OS ESPONSAIS DOS ARNOLFINI

Siga-nos nas Redes Socias:
FACEBOOK
Instagram

Autoria de LuDiasBH
espanr

Tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é uma terra santa. (Êxodo)

Também conhecida como As Bodas de Arnolfini ou O Casal Arnolfini esta é uma das pinturas mais famosas e mais conhecidas de Jan van Eyke e um dos seus mais admiráveis trabalhos. Acredita-se que esta obra retrate Giovanni Arnolfini, um rico mercador italiano, e sua noiva Giovanna Cenami que se estabeleceram e prosperaram na cidade de Bruges (hoje Bélgica) entre 1420 e 1472. O quadro pode ter sido encomendado para celebrar o matrimônio do casal. Os estudiosos do assunto ainda não chegaram a uma conclusão final sobre as figuras retratadas, assim como a que cerimônia a cena refere-se, mas trataremos a obra como um casamento.

Para muitos, na pintura de Jan Van Eyck não apenas está registrada uma cerimônia de casamento, como traz uma visão das obrigações inerentes ao casamento naquela época em que homem e mulher detinham diferentes deveres. Enquanto Giovanni mostra-se altivo e indiferente, sua esposa inclina a cabeça em atitude de submissão. A postura dos esposos é extremamente cerimoniosa, bem propícia à solenidade da ocasião. O casal encontra-se de pé em seu quarto. A jovem mulher coloca sua mão direita aberta, com a palma virada para cima, sobre a mão esquerda do noivo que tem a mão direita erguida para prestar o juramento do matrimônio. No casamento cristão o ajuntamento das mãos do casal faz parte do ritual da união. O gesto das mãos encontra-se quase que no centro da composição. É importante observar que a curva que elas criam é também vista no candelabro, dando uma unidade à composição.

Embora o noivo ainda se encontre de chapéu e tabardo (antigo capote de mangas e capuz) com remates de pele de marta, já não usa mais os tamancos — retirados antes de entrar na casa. Tal gesto e a presença do cãozinho são tidos como sinais de fidelidade. Também se tirava os sapatos durante uma cerimônia religiosa. Enquanto as sandálias vermelhas de Giovanna estão perto da cama — posição indicativa de seu compromisso com o lar —, os tamancos do marido estão mais próximos do mundo externo, ou seja, na saída. Na época havia uma crença de que os pés descalços em contato com o chão tornavam a mulher mais fértil.

A mulher, cuja sombra projeta-se sobre a cama do casal, representa a domesticidade. À cabeceira de uma cadeira encontra-se uma estatueta de madeira, representação de Santa Margarida com um dragão aos pés — seu atributo —, sendo ela padroeira das parturientes. Giovanna aparenta estar grávida, embora a maneira de prender a saia no alto fosse moda naquela época. A presença da estatueta da santa poderia reforçar a impressão de que ela estivesse grávida, mas estudos comprovam que o casal nunca teve filhos. A santa representada tem a seu lado uma escova (espanador), podendo ser também Santa Marta — padroeira das donas de casa — que tem o mesmo objeto como atributo.

A presença da cama simboliza a continuidade da linhagem e do sobrenome e também a consumação do matrimônio, santificado pelos sacramentos. É também o lugar em que se adentra no mundo por ocasião do nascimento e dele se sai ao morrer. O vermelho das cortinas representa a paixão. Naquela época fazia parte dos costumes das famílias abastadas botar uma cama no salão — parte da casa onde eram recebidas as visitas. Normalmente era usada como assento, mas, após o parto, era comum a mãe receber ali, ao lado de seu bebê, a visita de parentes e amigos.

Giovanna não usa um vestido de noiva branco, pois tal costume só apareceu após a metade do século XIX. O verde de seu vestido elegante e luxuoso, com punhos de arminho, representa a fertilidade. Está também adornada com um colar, vários anéis e um cinto todo brocado em ouro. O luxo da vestimenta indica que a ocasião era muito especial.  Ela pousa como grávida para dar destaque ao ventre, tido à época como a mais bela parte do corpo, assim como os seios pequenos e rígidos.

Um rosário de contas de cristal e giesta encontra-se à direita do espelho. Naquela época era um presente importante que o noivo dava à futura esposa. O cristal simbolizava a pureza, enquanto as contas evidenciavam a virtude da noiva e o compromisso de permanecer sempre devota. O rosário e a giesta referem-se às virtudes cristãs de “ora et labore” (oração e trabalho). A moldura do espelho apresenta medalhões com cena da Paixão de Cristo.

As laranjas na iconografia cristã são representativas do fruto proibido do Jardim do Éden, relembrando o pecado da luxúria, sendo que o casamento cristão santifica os instintos pecaminosos da humanidade. No contexto da composição, elas são também um sinal de prosperidade, pois só as classes ricas podiam comprar frutas importadas, o que era negado às pobres. A luz que entra pela janela é suave e circunda as formas com delicadeza. A claridade desfaz-se lentamente em uma atmosfera tangível. O marco arquitetônico e o recurso do espelho ao fundo dão uma sensação de real profundidade.  Através da janela aberta é possível ver uma sebe. O noivo encontra-se ao pé da janela, pois o homem simboliza a ligação entre o casal e o mundo exterior.

Um lustre de metal de sete braços pende do teto com uma única vela acesa. Representa a presença de Deus onipresente que testemunhou o casamento, o que tornava desnecessárias as testemunhas terrenas. O leitor deve estar se sentindo confuso com a ausência de um sacerdote, uma vez que se tratava de um casamento cristão. No século XV o casamento era o único dos sacramentos que não exigia a presença de um sacerdote ou de testemunhas. Podia ser realizado em qualquer ambiente. Eram os próprios nubentes responsáveis pelo matrimônio. Cabia aos noivos apenas a tarefa de ir à igreja juntos e, no dia seguinte, revelavam publicamente o casório. Mas nem isso era obrigatório.

 A presença de testemunhas no casamento só era necessária quando envolvia um casal com fortuna. Elas testemunhavam o contrato de casamento que dizia respeito aos bens dos cônjuges e tinha que ser assinado por duas testemunhas. Na composição o homem segura a mão da mulher com a sua mão esquerda, quando o normal seria a direita. Isso denota que a esposa vinha de classe social baixa, devendo abrir mão de seus direitos na herança. Pela presença das duas testemunhas no espelho (uma de azul e outra de vermelho) deduz-se que a pintura realmente registra uma cerimônia de casamento. Há também a hipótese de que uma das testemunhas seja um clérigo.

A presença do cãozinho quebra um pouco a sisudez da cena. É impossível não observar a maestria com que seu pelo foi pintado. Ele representa o amor simples, o bem-estar e a fidelidade. Em destaque na composição encontra-se, numa caligrafia gótica, a inscrição em latim “Johannes de Eyke fruit hic” (Jan van Eyke esteve aqui). O que nos induz a acreditar que o pintor ali se encontrava, testemunhando e registrando o ato solene que uniu o casal.

Atualmente fala-se que a cerimônia apresentada pode ter sido feita para trazer fertilidade para Giovanna, já que o casal não tivera filhos, e uma vez que esse tipo de cerimônia era muito usado naqueles tempos, com tal objetivo. Os que defendem tal corrente ancoram-se nas gárgulas sorridentes, atrás do casal, num banco. Elas simbolizariam o mal que paira sobre ele, sendo a causa do castigo pela vida adúltera que levava Giovanni Arnolfini. Elas são características do período gótico.

Esta composição de Van Eike, apesar de ter sido feita na Idade Média, quando a pintura limitava-se a uma mera representação fisionômica, encanta sobretudo pela capacidade especial na apresentação das texturas de superfície: a madeira dos tamancos e do assoalho, o corte do arminho sobre o casaco do noivo e os reflexos no espelho. O pintor trabalha na obra com uma vasta gama de tons de tinta a óleo. Cria grandes áreas de cores vivas (roupas de cama vermelhas e as vestes da mulher em verde e azul) em contraste com cores escuras. Este quadro surgiu num inventário, cem anos depois de ser pintado pelo artista.

Denotam a riqueza do casal:

  • laranjas caras e importadas;
  • tapete anatoliano luxuoso ao lado da cama;
  • opulência da mobília;
  • uso de joias;
  • roupas caras feitas de bons tecidos.

Obs.: Complete o estudo desta obra acessando: Van Eyke – O ESPELHO E AS CONTRADIÇÕES

Ficha técnica:
Artista: Jan van Eyke
Ano: 1434
Dimensões: 82 x 60 cm
Material: Óleo sobre tábua de carvalho
Localização: National Gallery, Londres

Fontes de pesquisa:
– Os pintores mais influentes…/ Editora Girassol
– História da Arte/ E.H. Gombrich
– Tudo sobre a Arte/ Editora Sextante
– 1000 obras primas…/ Könemann
– Arte em detalhes/ Publifolha
– Los secretos de las obras de arte/ Taschen

Views: 31

4 comentaram em “Van Eyke – OS ESPONSAIS DOS ARNOLFINI

  1. Antônio Costa

    Lu,

    São muitos os detalhes para imprimir a presença do divino a abençoar a união. Mais atenção me chamou o gestual clérigo do marido a expor com a mão esquerda a mão da esposa de ares angelicais. Além da simbologia da pobreza e humildade que menciona o texto, não deixa de expor também (mesmo inconscientemente à época), a pureza e propósito sincero da futura companheira.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Antônio

      Essa composição é um dos maravilhosos trabalhos criados no Renascimento do norte europeu. Veremos outros tão importantes como esse.

      Abraços,

      Lu

      Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Geraldo

      Quem agradece a sua presença e comentário sou eu, meu amiguinho. Imagino que esteja fazendo o curso de História da Arte aqui no nosso espaço. É um grande prazer contar com a sua companhia.

      Abraços,

      Lu

      Responder

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *