Autoria do Dr. Ivan Large
Os ponteiros do relógio indicam que a minha jornada já terminou. A minha secretária confirma que eu não tenho mais pacientes para atender. Apronto-me para ir embora, mas no momento de trancar a porta da minha sala, eu o vejo aparecer. É um velhinho magro, todo enrugado, vestido com um terno sujo e rasgado, A miséria está impregnada nos seus traços e no seu vestuário.
Ele chega com a cabeça baixa, titubeando pelo corredor que dá acesso ao meu consultório. Segura com uma mão um saco de plástico, contendo todos os seus pertences, e com a outra aperta com força o seu olho direito. No rosto, uma expressão de dor que não deixa dúvida nenhuma – está procurando ajuda. Quando chega perto de mim, ele me olha com seu olho descoberto, sem falar, mas o seu olhar diz tudo, pois é como se gritasse por socorro.
Eu pergunto como eu poderia ajudá-lo. Em vez de resposta, emite um som incompreensível, uma espécie de grunhido, que me indica claramente que não adianta tentar comunicar-me com ele pela linguagem articulada ou outros meios estabelecidos pela sociedade civilizada. Ele não faz mais parte desta sociedade baseada na vida em família, no aconchego de um lar. Vive na solidão fria da rua, dorme numa esquina deserta, debaixo de um pedaço de papelão imundo.
Ele não faz mais parte desta sociedade, cujos filhos estudam, aprendem a falar mais de uma língua, a comunicar-se com o mundo através do celular ou computador. Faz tempo que não fala, e não tem ninguém com quem se comunicar. Não faz mais parte desta sociedade que se abastece no supermercado, frequenta restaurantes chiques e “shopping centers”, enquanto, para sobreviver, precisa disputar com alguns cachorros os restos de comida apodrecendo no lixo. Não faz mais parte desta sociedade, cujos membros mais perceptivos enxergam extraterrestres em seus OVNI, veem até aura em volta da gente, mas não o veem.
Eu abro novamente a porta da minha sala e o faço entrar. Quando tento examiná-lo, ele se recusa a tirar a mão da frente do olho. Tenho que puxá-la com força e segurar com firmeza as suas pálpebras. Com muita dificuldade, consigo expor o seu olho e, projetando um feixe de luz, descubro um corpo estranho, provavelmente metálico encravado na sua córnea (só Deus sabe desde quando). Com ajuda de uma pequena agulha, eu tiro com muito cuidado a causa do seu sofrimento. Instantaneamente, a dor estampada na face do meu paciente dá lugar a uma expressão de imensa surpresa, Com os olhos arregalados, parece procurar em todas as direções algum objeto misterioso, a sua dor, talvez. Menos de um segundo atrás, ele estava com uma dor insuportável, que o impedia de dormir e até de comer. E de repente, a dor some!
Para qualquer um com capacidade intelectual suficiente para entender o processo desta cura, o alívio resultante da retirada da causa do sofrimento não passaria de um fato completamente natural, suscetível de provocar sentimentos de felicidade e até de alegria, mas não de surpresa. Mas ele, vivendo enclausurado na mais profunda ignorância, tendo abdicado de sua capacidade de raciocínio, como um mecanismo inconsciente de defesa, numa tentativa desesperada de fugir de sua degradante existência, é incapaz de explicar essa mudança e só consegue constatá-la com surpresa.
É a ignorância gerando a surpresa. E nós, seres superiores, estaríamos completamente imunes a esse tipo de surpresa? Será que nenhum fato de maior importância poderia escapar a nossa insuperável capacidade de entendimento? Que tal um fato que todos tentam evitar, mas do qual ninguém conseguirá escapar? Que tal a morte? Não a do vizinho ou mesmo de um parente muito próximo, mas a nossa própria morte. Ou seriamos tão ignorantes sobre esse fato como qualquer vagabundo embrutecido?
Nós que fomos criados à imagem de Deus e recriamos Deus à nossa imagem. Nós que já andamos sobre a lua e pretendemos conquistar o universo! Nós que possuímos armas super potentes, capazes de destruir a Terra em poucos dias (apesar de não termos ainda os meios de reconstruí-la). Nós não poderíamos admitir que algum fato pudesse escapar ao nosso entendimento. Por isso, fizemos questão de explicar tudo, inclusive a morte que já foi amplamente estudada, e com um luxo impressionante de detalhes por todas as civilizações, religiões e filosofias que se sucederam desde o inicio da humanidade.
Longe de mim a pretensão de querer discutir sobre essas teorias. Gostaria apenas de relembrar as últimas palavras que foram atribuídas a Jesus no término da sua vida terrestre: “Eli, Eli lama sabbachtani?”, Essas quatro palavras foram traduzidas de diferentes maneiras, e essas traduções foram objeto de várias interpretações que geraram muitas polêmicas. Por isso, nem mencionarei os diversos sentidos atribuídos a elas. Limitar-me-ei a observar apenas o tom delas. E esse tom, na minha modesta opinião, parece ser de interrogação. Será que até o próprio filho de Deus, Ele que durante a sua vida respondeu a todas as perguntas, quando confrontado com a sua própria morte, como humano que ainda era, teria tido uma surpresa?
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Imagine alguém que sonhou em ser feliz e ter em seus pensamentos esperanças extraordinárias, ao lado de quem ama muito. E que este alguém encontrou a sua cara metade e com ela se casou e tiveram, durante anos e anos, ao lado, familiares unidos, linda e maravilhosamente, repletos de muito sentimento de amor, origem dos avós, que, em seus corações, cultivadas foram a solidariedade e a compaixão, suas grandes riquezas.
Imagine que tudo isto estava navegando de uma forma constante, mesmo ao meio de tristezas e de grandes alegrias, enfrentando as turbulências e tempestades da vida, indo como um navio vibrante e potente ao longo do oceano da vida, sempre com esperanças, alimentadas pela expectativa de um porvir venturoso. Imagine a felicidade ao olhar, ao redor, seus filhos e seus sobrinhos, todos brincando, alegres e felizes e vê-los crescer e terem a grande alegria de sorrirem e cantarem juntos.
Imagine que, de repente, como uma foice terrível, algoz destino, legou ao seu filho, mais inteligente e culto, um surto psicótico, que logo foi traduzido pelo médico como esquizofrenia. Imagine que o efeito disto foi, momentaneamente, muito desastroso, mas que acabou sendo absorvido na esperança de que a doença, com a medicação, mantivesse-o como uma pessoa normal.
Imagine, porém, que os sentimentos negativos de seu filho, legado da doença, cada vez mais se fortalecem, e estão, dia a dia, afastando aquele casal, que conhecia profundamente a felicidade, longe de sua família. Imagine, agora que, ao passar do tempo, as crises repetem-se, e, devagar, as esperanças começam a declinar e morrer, como o sol que se esconde no poente. Depois, a solidão ao meio da noite terrível, sem mais sonhar com o nascer do sol. Imagine como este alguém e sua esposa, pessoa de esplendorosos valores humanos, com a alma repleta de muita ternura e carinho, devem estar se sentindo.
Imagine que daqui a alguns dias o Natal irá chegar e a reunião festiva de toda a família, comemorando-o, que todos nos acostumamos a ter, desde os tempos de nossos avós, poderá sequer acontecer. E se isto ocorrer, talvez, nutrido pelos sentimentos negativos, o filho querido e doente se tranque no quarto e não queira ver nenhum de seus familiares, nutridos pelos pensamentos mais bizarros do mundo. Imagine que o nosso desejo sempre foi de uma bênção de Deus, que nos leve paz ao espírito, que possibilite reaver os felizes dias em que nossa família se reuniu nos natais passados. E esse dia seria tê-lo de volta, como era antes. Esquecer? Como?
Imagine que em todo o tempo, ao vê-lo doente, ele que é tão culto e inteligente, sem condições de inserir-se na sociedade, conviver com o trabalho e com amigos, jamais pensar em ter sua alma gêmea. Jamais. Imagine toda felicidade transformando-se em desgraça; a esperança, em decepção, desilusão, agonia; a alegria, em tristeza. Imagine toda a força da nossa jornada, os momentos de intensa felicidade e amor, correndo como uma enxurrada de uma tempestade incessante, erodindo o solo de todos os nossos sentimentos.
Imagine, agora, e reflita como a vida pode se transformar em morte. Sentir que a coragem mitiga, dia a dia, minuto a minuto. E que a beleza da vida, seu esplendor, a luz que nos ilumina, também declina, de tal forma, que, de repente, por que não deixar de viver? Imagine agora que é possível, sim, pensar no dia da própria morte, e não ficar surpreso, quando o passamos entender como o dia da nossa libertação, o último voo de um pássaro que foi feliz.
Oswald
O que sei é que ninguém passa impune pela vida. Até o próprio Cristo recebeu a sua quota de sofrimento. Todas as religiões, ou quase todas, pregam que a Terra é um lugar apenas de passagem, de purificação para uma outra vida. Se assim for, nada nos resta fazer senão levar o nosso fardo, que começa com a perda de nossos entes queridos.
Ainda hoje, Oswald, visitei uma amiga querida. Há cerca de um ano foi diagnosticada com câncer de mama. Fez o tratamento direitinho. Os últimos exames foram auspiciosos, mas ao retornar, mês passado, para uma nova avaliação, descobriu que estava com câncer em um dos pulmões e no fígado. Sua única filha forma o ano que vem em Farmácia. Seu marido, apaixonadíssimo por ela, chora em segredo. Perdeu 15 quilos, está magérrima, mas, confiante, segue fazendo suas dolorosas quimioterapias. Ao encontrá-la hoje, envergonhei-me diante de sua coragem, de sua luta pela vida. Enquanto eu e mais dois amigos esquivávamos de tocar no assunto, ela o abordou. E sorriu junto conosco. E contou casos e falou de sua maneira de ser e de como olha para a vida. Falou-nos que cada um carrega um fardo. E que o seu não é pior do que muitos outros que encontra em seu caminho. Falou sobre as crianças que vê fazendo terapia, mal chegaram ao mundo. Não sei, mas algo me diz que a minha amiga irá vencer essa parada pela força inesgotável que carrega em seu espírito. Nunca vi ninguém tão sofrido e ao mesmo tempo tão iluminado. Seus grandes olhos verdes encontram-se mais belos ainda, profundos e sábios.
Oswald, penso que a força está na aceitação amorosa do que lhe foi entregue. A revolta somente duplica a carga. Para mim, a saída é aceitar e aceitar. Imagine quantos pais no mundo passam pelo mesmo que você. Uma pintora, irmã de uma vizinha, tem uma filha que está passando pelo mesmo problema de seu filho. Você não foi o único a ser contemplado com esse bilhete. Veja as estatísticas sobre esquizofrenia no mundo. A Ciência está a campo, tentando desvendar seus meandros. A partir do momento que aceitar seu filho com o problema que carrega, sua vida será imensamente melhor. Lembre-se de que ele não tem culpa. Ame-o mais e mais, apesar das crises, apesar do desencanto, apesar dos sonhos partidos, apesar do “eu queria que ele fosse…”. Nessa hora é preciso jogar o orgulho de pai no lixo, que sonhou tanto para o filho, e dar vida ao amor sublime e incondicional de quem ama os inocentes, os humilhados, os sofridos, os sem rumo, os desalentados, os em esperança.
Amigo, o meu primo, após três filhos, teve o quarto com Síndrome de Down. Ao saber da notícia, pôs-se a chorar. Uma enfermeira abraçou-o e disse-lhe: “Por que está chorando, se ganhou um anjo para a sua vida?” E que anjo! Os outros dissiparam-se pelo mundo (Portugal, EUA), mas Rafael continua com ele. Veja seu filho como um homem que está a se transformar num anjo. Transforme essa mágoa no mais belo canteiro de amor e envolva-o. Somente assim os três irão se sentir felizes: sua esposa, você e seu filho.
Oswald, é preciso também diminuir a dor de sua mulher. As mães aceitam os problemas dos filhos com muita facilidade, pois elas são mais abnegadas. Os pais são mais orgulhosos. Pelo visto, vocês formam um casal maravilhoso, contudo, meu amigo, ela está sofrendo duplamente: com o problema do filho e muito mais com a sua não aceitação. Ela sofre triplicado. Sofre sobretudo por você. Penso eu, que seu papel será carregar o fardo junto com ela, mostrando-lhe que, unidos, vocês darão conta da missão que lhes foi imposta. E que, apesar de tudo, o amor de ambos é tão grande, mas tão grande, que continuará a gerar maravilhas, aconteça o que acontecer.
Abraços,
Lu
Obrigado por suas palavras.Já havia lido ontem. Dei um tempo para refletir e muito sobre elas todas. Foram palavras muito sábias, ditas no momento de muita aflição. Mas foram palavras poderosas, que me acordaram. Vou ter que aceitar e continuar a lutar. E o faço basicamente, nas suas próprias palavras, “apesar de tudo, o amor de ambos é tão grande, mas tão grande, que continuará a gerar maravilhas, aconteça o que acontecer”
Muito obrigado!E um feliz, mas muito feliz Natal!
Oswald
Ao aceitar os fatos, sua vida tornar-se-á muito mais leve. E ao lado dessa sua companheira maravilhosa, como assim a descreve, será tudo muito mais fácil, pois o amor verdadeiro vence qualquer barreira. Sempre que precisar, venha aqui conversar conosco. Estaremos sempre com o coração aberto para recebê-lo.
Feliz Natal para você, também, assim como para toda a sua família.
Lu