Autoria de Lu Dias Carvalho
Ao ganhar ascendência, essa nova etiqueta também passou a ser aplicada aos equipamentos da violência, em particular às facas. (Steven Pinker)
Mexer com faca é provocar briga. (Ditado inglês)
Na Idade Média, as pessoas eram extremamente temperamentais, passavam da alegria à ira num piscar de olhos. Tinham o sangue à flor da pele, como diz um provérbio tão nosso conhecido. Não tinham nenhum controle sobre seus impulsos e emoções, embora fossem extremamente devotas, tivessem um medo aterrador de irem para o inferno, carregadas por sentimentos de culpa e estivessem sempre fazendo penitência para expiar seus “pecados”. Em suma, elas eram o que chamamos hoje de “cascas-grossas”.
O surgimento de certo tipo de etiqueta na Idade Média está correlacionado ao fato de as pessoas passarem a preocupar-se em não se parecer com um animal, evitar ofender os outros e, principalmente, não se parecer com os camponeses. Nem é preciso muita reflexão para concluir-se que o camponês ocupava o pior lugar na escala social da época, sendo despresado pela sociedade vigente. Tanto é que termos relativos a eles passaram a ter um sentido depreciativo: grosseirão, vilão, rústico, bronco, vulgar, etc. Ainda assim, apesar de tanto preconceito, foi com o ensino da etiqueta que a violência foi sendo abrandada.
A faca, por exemplo, era um objeto muito usado na Idade Média. Tanto servia como arma de defesa e ataque quanto como utensílio para cortar um bocado de carne, espetá-lo e levá-lo à boca. Assim sendo, quando se encontravam em festas ou reuniões, todos os homens encontravam-se armados. Esse fato era tão amedrontador, que as regras de etiqueta incluíam também a faca e, por incrível que isso possa parecer, tais conselhos continuam vigentes até os nossos dias, como por exemplo:
- Ao botar comida na boca não use a faca.
- Não limpe os dentes com a faca.
- Ao comer, use a faca somente quando for necessário.
- O pão deve ser partido com as mãos e não com a faca.
- Ao entregar uma faca a alguém, repasse-a com a ponta virada para si e o cabo para a pessoa.
- É falta de educação usar a faca para ajeitar a comida no garfo.
- Não segure a faca com a mão inteira, mas nos dedos.
- Não aponte alguém com a faca.
O garfo passou a ser usado em substituição ao ato de levar a faca à boca. Foram também criadas facas para serem usadas à mesa, sem necessidade de que cada um tivesse que tirar a sua da bainha, causando medo ao grupo dos presentes, já que se tratava de pessoas tão temperamentais. As facas postas à mesa tinham pontas arredondas, de modo a não ferir ninguém. E, segundo o escritor canadense Steven Pinker em seu livro “Os anjos bons da natureza humana”, muitos tabus medievais, relativos ao uso da faca, ainda persistem até os dias de hoje, como:
- Muitas pessoas jamais dão uma faca de presente, a não ser que esteja acompanhada de uma moeda, que o presenteado devolverá ao doador, como se estivesse pagando pelo objeto.
- Dar uma faca de presente pode simbolizar o “corte de uma amizade”.
- É motivo de azar entregar a faca na mão de uma pessoa. Ela deve ser deixada na mesa para que a pessoa apanhe-a.
- Uma faca, quando sobre a mesa, só deve ser usada se for realmente necessária.
Nota: Banquete Medieval, www.chateau-de-cherveux.com
Fonte de pesquisa
Os anjos bons da nossa natureza/ Steven Pinker/ Editora Companhia das Letras
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