TAIGUARA (I) – O SONHO DE LIBERDADE

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Autoria de Edward Chaddad

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Nosso povo sempre sonhou em ser livre.

O Hino à Proclamação da República que havia sido feito, na verdade, para ser o Hino Nacional, mostrava, com toda ênfase, em versos fortes, este sentimento que habitava o seio de nossa Nação: “Liberdade, Liberdade, abre as asas sobre nós…”. Todavia, mesmo depois da proclamação da República, tivemos pouco tempo de democracia, tênue e frágil, tempo do coronelismo, da elite agroexportadora, época em que o povo votava a descoberto, vigiado, e as mulheres nem tinham este direito. Na primeira República, também chamada de República da Oligarquia, imperava o liberalismo, que fragilizava o Estado e concedia total liberdade social, econômica e política ao setor privado, esmagando o trabalhador.

A libertação dos escravos deu abrigo à escravidão do trabalhador, sem legislação que o protegesse, restando sem horário de trabalho, sem férias, sem descanso semanal, sem o mínimo de remuneração para sobrevivência própria e de sua família. Sem nada, sem garantia alguma, sem futuro!

A chamada primeira República teve vida efêmera e, com a crise de 1929, trouxe-nos o Estado Novo brasileiro, introduzindo a ditadura de Getúlio, como reação ao declínio do liberalismo no mundo e ao avanço do comunismo. Para tanto, basicamente Getúlio promoveu mudanças sociais, máxime com introdução das leis trabalhistas. Porém, também legou-nos a censura, a ausência e agressão à liberdade diante um poder ditatorial.

Com o fim da 2ª Guerra Mundial, a queda de Hitler e a derrubada de quase todos os Estados Novos, o período ditatorial no Brasil finalizou, oportunizando a convocação de uma Assembleia Constituinte, que resultou na Constituição Federal de 1946, uma das mais bem elaboradas em todos os tempos, que marca o início da 2ª República, a verdadeira alvorada de um Estado democrático, onde o povo governa e a liberdade é o dogma que se devia respeitar. Naquele momento, com mais fervor, o País passou a acreditar que, com a democracia, íamo-nos tornar livres, fazendo valer a vontade coletiva, dentro da legalidade.

Porém, a trégua demorou pouco e, logo, em 1964, com a ditadura militar, o sonho novamente se desmoronou e passamos por 21 anos de trevas, em que o ir e vir só era possível para alienados ou ignorantes, também aos cidadãos fragilizados e impotentes diante do reino da vontade de poucos. Voltamos neste período negro da história de nossa República a sentir o gosto amargo do silêncio, sob as penas da lei do suserano, até a Nova República, em 1985.

Neste período – regime militar – (1964/1985), aqueles que se atreviam a protestar, a contrariar o poder ditatorial, clamando pela democracia, eram presos, inclusive muitos deles torturados. Houve mortes e desaparecidos. Outros se autoexilaram ou fugiram para países que lhes deram abrigo e proteção. Entre eles, políticos, jornalistas, cientistas, professores, estudantes, liberais, artistas e soldados de nossa Pátria.

Taiguara Chalar da Silva, nascido no Uruguai, filho de músico, o maestro Ubirajara Silva, mas que, aos quatro anos de idade, veio residir no Brasil, tornou-se um brasileiro por vontade e escolha própria, um ser humano que amou demais o Brasil e a liberdade. Na década de 60, estudava Direito, quando desistiu da futura profissão para se dedicar exclusivamente à música, tornando-se um artista extraordinário. Taiguara não foi somente um cantor. Era também um grande músico, um pianista e compositor maravilhoso. Ele chegava ao sublime quando, no piano, cantava e tocava as músicas que compôs, onde desfrutava a liberdade que ela, a música, proporciona ao ser humano.

“In veritas”, falar sobre a música é descrever a liberdade. Nela não há limites para a imaginação, para a criação, para o revelar do que mais intimamente vai no interior, no coração do compositor, seja nas notas musicas, seja nas letras que descrevem o desejo mais forte de liberdade! Por isso, Taiguara foi o artista mais censurado pela ditadura. Mais de cem músicas de sua lavra foram contidas na sua divulgação.

Pressionado pelos donos do Poder, embora considerado um dos símbolos da resistência à censura, Taiguara não teve outra saída que não se autoexilar, buscando segurança até que o pesadelo passasse, até que as trevas se dissipassem, até, como ele cantou, o amanhecer, com os raios brilhantes do sol, anunciando a liberdade, viesse.

Para ilustrar este primeiro texto sobre Taiguara Chalar da Silva, um dos mais importantes compositores de nossa música, escolhi a sua composição que mais reflete o seu sonhar pela liberdade. E não só a música, mas a letra desta música tem um significado maravilhoso, escondido no seu coração.

Que as Crianças Cantem Livres

O tempo passa e atravessa as avenidas
E o fruto cresce, pesa e enverga o velho pé.
E o vento forte quebra as telhas e vidraças
E o livro sábio deixa em branco o que não é.

Pode não ser essa mulher o que te falta
Pode não ser esse calor o que faz mal
Pode não ser essa gravata o que sufoca
Ou essa falta de dinheiro que é fatal

Vê como um fogo brando funde um ferro duro
Vê como o asfalto é teu jardim se você crê
Que há sol nascente avermelhando o céu escuro
Chamando os homens pro seu tempo de viver

E que as crianças cantem livres sobre os muros
E ensinem sonho ao que não pode amar sem dor
E que o passado abra os presentes pro futuro
Que não dormiu e preparou o amanhecer…

Nota:

Há um vídeo, no Youtube, onde Taiguara interpreta esta música e, além de mostrar um pouco de seu drama, revela-se um ser humano altamente sensível e que nos emociona intensamente ainda hoje. Cliquem no link abaixo para ouvirem a música:

http://www.youtube.com/watch?v=wrWSACrF7hE

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6 comentaram em “TAIGUARA (I) – O SONHO DE LIBERDADE

  1. Edward Chaddad

    JORGE VALENTE

    Gostei muito de seu comentário, que acrescentou bastante ao meu texto, onde tentei fazer recordar este notável artista, que posso chamar de brasileiro e carioca, também.
    O disco que você mencionou é um dos melhores. Podemos encontrar em CD, mas é difícil de adquiri-lo.

    Infelizmente, as músicas deste disco foram praticamente esquecidas e descartadas pelo mundo de nossa música, o que é um fato decepcionante, pois a nova geração pouco conhece este grande artista e, o pior, as músicas deste disco de vinil, que você se refere, na qual o artista esforçou-se demais para produzi-lo, inclusive oom grande orquestra e que ficou esquecido.
    Ainda procurei, v. gratia, na Rádio Uol para escutá-las e nem lá consegui. É uma pena.

    Muito obrigado por suas palavras.

    Responder
  2. Edward Chaddad

    Querido primo

    Tenho grande obsessão pela música e ela aumenta muito quando me deparo com artistas como Taiguara, que, além de ter sido notável cantando, ainda tem o mesmo tom, quando compõe, seja na música, seja nos versos, e quando executa suas músicas, no piano. E ainda quando parece um grande ator, durante os seus shows, falando sobre a vida.
    Agradeço muito suas palavras. Estou agora em franca recuperação.

    Um grande abraço

    Responder
  3. Edward Chaddad

    LuDias

    Agradeço muito seu comentário.
    Para mim, Taiguara foi um verdadeiro homem show. Não era apenas um cantor, era também grande compositor, músico instrumentista de um talento notável, além de, quando fala, nos intervalos de seus shows, ser também um verdadeiro ator.
    Taigura, além de tudo, é um marco na música brasileira que protestou contra a ditadura.

    Obrigado por suas palavras e pela oportunidade de expor minhas ideias.

    Responder
  4. JORGE VALENTE

    Olá, gostei do texto. Taiguara fala no programa ensaio da TV Cultura que foi batizado com 1 ano de idade em Porto Alegre, cidade que seu pai residia. Nasceu em Montevidéu porque sua mãe (cantora) da Orquestra do Pai morava. Quando tinha 4 anos seus pais se mudaram para o RJ e na sua adolescência mudaram pra São Paulo, mas depois ele voltou pro RJ, morou em vários lugares mas no final morou novamente no RJ, e se considerava um Carioca (isto está numa música do disco Imyra de 1975). Faleceu em São Paulo pois morava no RJ e estava muito mal e o Hospital Sírio Libanês foi uma última tentativa de salvá-lo do câncer. Foi enterrado no RJ…

    Responder
  5. Beto

    Querido primo,

    O Taiguara também marcou profundamente a minha juventude. Principalmente a música e seus lindos versos:

    “Hoje
    Homens de aço esperam da ciência
    Eu desespero e abraço a tua ausência
    Que é o que me resta, vivo em minha sorte”.

    E você conseguiu, de maneira esplêndida, resumir numa linha do tempo as nossas experiências da época, associando-as com os fatos relevantes do momento político que vivíamos.

    Estou aguardando a parte 2.

    Abraços,

    Responder
  6. LuDiasBH Autor do post

    Ed

    Taiguara é realmente um dos nomes da música nacional.
    Nele, um conjunto de fatores contribuem para que seja um dos mais destacados cantores de sua época e dos dias de hoje: voz, letras de qualidade, conhecimento musical.
    Seus CDs ainda vendem bastante, pois encanta todas as gerações.

    Achei também muito interessante a sua explicação sobre o contexto político que levou o cantor a se autoexilar, pois as novas gerações não conhecem a sua história.

    Não podemos jamais nos esquecermos desse período pelo qual passou nosso país.

    O VÍRUS DA ARTE E Cia. fica feliz com a sua presença, agora como escritor.

    Abraços,

    Lu

    Responder

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