Autoria de Lu Dias Carvalho
Esta é uma história real. Os eventos descritos no filme ocorreram em Minnesota em 1987. A pedido dos sobreviventes, os nomes foram trocados. Por respeito aos mortos, o resto foi contado exatamente como aconteceu.
Fargo – Uma Comédia de Erros (1996) é uma das belas criações cinematográficas dos irmãos e parceiros Ethan e Joel Coen, indicado para o Oscar de melhor direção, melhor filme, melhor fotografia, melhor roteiro original, melhor montagem, melhor ator coadjuvante e melhor atriz. Foram sete indicações no total. Levou duas estatuetas: melhor atriz (Frances McDormand) e melhor roteiro original (irmãos Coen). Pode ser classificado como uma “dramédia”.
O filme poderia ser qualquer um dos muitos outros que mostram histórias sobre crimes, sem grande relevância. Mas não o é. Trata-se de um dos mais geniais filmes já feitos sobre o tema. É produzido e dirigido pelos irmãos Coen, que dirigem, produzem e escrevem a quatro mãos. Os dois irmãos fazem parte da constelação de bons cineastas surgidos na década de 80 nos Estados Unidos. Dentre os seus premiados filmes, Fargo é, sem dúvida, um dos melhores. A trama provoca choque, admiração, horror e também boas risadas, entrelaçando corrupção, sequestro, mal-entendidos e assassinatos. Como o próprio título diz o que vemos é uma série de erros que fogem ao controle dos envolvidos.
Para melhor entendimento da película é preciso conhecer um pouco dos personagens centrais:
Jerry Lundegaard (William H. Macy) – é o gerente executivo de uma revendedora de automóveis do seu mandão e implacável sogro Wade Gustafson (Harve Prasnell). Ele precisa de setecentos e cinquenta mil dólares emprestados para construir estacionamentos para si. Com a compra já engatilhada, recorre ao sogro que se recusa a fazer o empréstimo. Ele, então, tem a patética ideia de sequestrar a própria mulher e exigir do sogro rico o pagamento. Aos dois sequestradores caberá parte do dinheiro e um carro zero e a ele pertencerá a maior parte do resgate. Aos raptores diz que dividirão o resgate de 80 mil dólares, mas diz ao sogro que os bandidos estão exigindo, para resgatar sua filha, um milhão de dólares. Espera que tudo dê certo, com a esposa libertada sem sofrer qualquer dano físico, e ele tenha acesso aos 920 mil dólares para comprar os terrenos.
Jean (Kristin Rudrüd) é a esposa de Jerry, totalmente dedicada ao marido e ao filho. O que deixa o espectador irritado com a agressão feita a ela.
Carl Showalter (Steve Buscemi) e seu soturno, violento e cruel cúmplice Gaear Grimsrud (Peter Stormare) aceitam executar o rapto por quarenta dólares e mais um carro zero, que será roubado por Jerry da agência do sogro. Só que tudo descontrola nas mãos dos dois, com um erro atrás do outro. Gaear é um psicopata brutal e irrefreável, de modo que o irrequieto Showalter, que pensava estar no comando da ação, não consegue mais controlá-lo e tampouco os acontecimentos.
Marge Gunderson (Frances McDormand) é a chefa de polícia da pequena cidade de Brainerd/ Minnesota. Ela se encontra no sétimo mês de gravidez e sofre com problemas de enjôo pela manhã. Come qualquer coisa que encontra pela frente e sua fala traz o famoso sotaque da gente de Minnesota. Vive harmoniosamente com seu marido Norm. Apesar de parecer uma pessoa comum, é uma policial muito esperta e intuitiva, capaz de tirar conclusões rápidas e certeiras dos acontecimentos. Pela marca dos sapatos deixada pelos assassinos, ela é capaz de determinar a altura deles e concluir que não são da cidade. Ela conduz a investigação do triplo assassinato com confiança, apesar de se encontrar pesada pelo adiantado estado de gravidez. A personagem ganha a simpatia do espectador assim que aparece na tela, com seu jeito simples.
Jerry contrata os sequestradores através de um mecânico que lida com criminosos. Não possui nenhuma informação sobre os dois contratados, mas espera que o plano dê certo. E, três dias depois, sua esposa é sequestrada na própria casa e levada para o cativeiro. Mas, na estrada assustadoramente desértica, o carro é parado por um policial. E ali acontecem três assassinatos. A chefa de polícia Marge é chamada para descobrir os responsáveis pelo triplo homicídio.
A história complica-se, quando o sogro resolve entregar pessoalmente o resgate, fato que impediria que Jerry recebesse os 920 mil dólares, jogando todos os seus planos por água abaixo. E, quando a policial Marge aparece em sua vida, fazendo-lhe perguntas desconcertantes, Jarry vai perdendo o seu autocontrole e se embaraçando mais ainda.
Os irmãos Coen criam em Fargo uma tragicomédia interessantíssima e bizarra, ao mesmo tempo, que, apesar de ser violenta e perturbadora, é também risível. Misturam maldade com inocência numa dosagem exata. Eles assustam, abismam e divertem os espectadores.
Cenas imperdíveis:
• O tiro impiedoso dado por Gaear no policial que os aborda na estrada e o sangue jorrando da cabeça do pobre homem.
• Jean, descalça e com os olhos vendados, tentando fugir de seus agressores, correndo pela neve, totalmente desnorteada, enquanto Carl ri.
• Gaear empurra a perna do seu parceiro para dentro de uma máquina de tritura madeira.
• A cordialidade com que a chefe Marge aborda as pessoas, tentando desvendar o crime.
• A cena em que os assassinos juntam-se a duas prostituas num quarto de motel e assistem a um programa televisivo.
• As persianas do escritório de Jerry que lembram, visualmente, as grades de uma prisão.
• O encontro de Marge e um companheiro de classe da universidade. O sujeito é solitário e é também um mentiroso compulsivo, na tentativa de esconder seu desespero. O encontro desperta-a para as possibilidades da mentira.
• A maioria das cenas passa num ambiente, onde o frio, a neve, amplidão e a monotonia são a tônica.
• As mortes na estrada acontecem quase na total escuridão. Toda a cena foi iluminada por lâmpadas semelhantes a faróis de carro, presas nos para-choques.
• Quando Marge chega ao local dos crimes, acontece o contrário, tudo é muito branco.
• Não há movimentos bruscos e nem cortes no filme, para diminuir a dramaticidade da narrativa e jogar toda a emoção nos personagens. A paisagem monótona, os extensos espaços vazios e a brancura da neve também contribuem para isso.
• As filmagens foram feitas em dias cinzentos, sem sol e a linha do horizonte dificilmente é vista. Observem.
• Mesmo nas cenas de interiores há o predomínio da luz natural, reforçando a sensação de que o espectador está acompanhando uma história real.
Curiosidades:
• Fargo é o nome de uma pequena cidade no estado americano de Dakota do Norte.
• O inverno de 1955 foi o segundo mais quente na região em 100 anos. Por isso as cenas externas tiveram que ser filmadas cada vez mais ao norte, de Minnesota a Dakota e até no Canadá.
• Em várias cenas foi preciso colocar neve, produzida artificialmente, nas locações, nas noites anteriores às filmagens.
• A cortesia vista em várias personagens é conhecida nos Estados Unidos como “Minnesota Nice”, pois, segundo Joel Coen, “trata-se de uma cultura muito educada”. “A hostilidade quando existe é encoberta pela simpatia”, completa Ethan Coen.
• O sotaque do lugar também é muito interessante. Podemos ver isso no personagem de William H. Macy (o gaguejar, o raciocínio truncado e as frases incompletas, por exemplo).
• Macy chegou a ser indicado para o prêmio de melhor ator coadjuvante. E seu desempenho em Fargo tornou-o um ator muito disputado.
• Frances McDormand (Marge) é esposa de Joel Coen.
• A barriga falsa de Marge tem enchimento de alpiste, para ter peso e lhe dar um ar cansado para caminhar. Na vida real Frances McDormand e o marido, Joel Coen, não tiveram filhos, mas adotaram Pedro, um menino paraguaio.
• O ator Steve Buscemi (Carl) é um dos preferidos dos irmãos Coen. Já trabalhou com eles em outros filmes. É também diretor e roteirista.
• Embora não seja um documentário, Fargo foi filmado como se fosse. Os espectadores têm a impressão de serem testemunhas de uma história que se desenrola naquele presente momento.
• Apesar do título, muito pouco da trama do filme se passa na cidade de Fargo.
• Paul Bunyan, o lenhador gigante, é um personagem do folclore americano.
• Nada do que acontece no filme é verdadeiro. Até os atores foram enganados. Jornalistas perderam muito tempo pesquisando os supostos crimes que teriam inspirado os irmãos Coen, antes de descobrir que haviam sido enganados.
• Nos créditos finais há outro aviso. O de que as pessoas e eventos mostrados no filme são fictícios.
• Dizem que uma japonesa viajou de Tóquio para Dakota do Norte, em dezembro de 2001, e foi encontrada tentando encontrar o dinheiro do resgate de Jean Ludegaard, enterrado por Carl Showalter. Mas, em 2003, o jornal inglês The Guardian publicou a verdadeira história de Takako Konoshi: ela cometeu suicídio por causa de uma decepção amorosa. E a notícia de sua caça ao tesouro era inverídica.
• Fargo foi recebido com aclamação pela crítica mundial. O crítico de cinema, Roger Ebert, diz que Fargo é seu favorito quarto filme da década de 1990 (ele também o chamou de “best of 1996”). Disse: “Fargo é um dos melhores filmes que já vi”. Muitos críticos proeminentes denominaram-no de “o melhor do ano”.
Fontes de Pesquisa
A Magia do Cinema/ Roger Ebert
Cinemateca Veja
1001 Filmes para ver…./ Editora Sextante
Wikipédia
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