Arquivo da categoria: Historiando Canções

Histórias que remetem à obra musical de vários compositores brasileiros (MPB)

Historiando Chico Buarque – O QUE SERÁ

 Autoria de Lu Dias Carvalho

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O que será que será/ Que dá dentro da gente e que não devia/ Que desacata a gente, que é revelia. (Chico Buarque)

Hoje amanheci de mal com a vida. Feito uma aranha irrequieta teço mil indagações sem encontrar resposta plausível para tamanha judiação com o povo brasileiro. Na pauta da minha mágoa e indignação encontra-se grande parte dos homens e mulheres públicos de meu país, que afanam nossa gente sem nenhuma comiseração.  Para que tanta riqueza e poder, ó malditos pútridos, se a vida é tão finita? Os imorais não veem nisso nenhuma transgressão, mas eu me vejo na mais profunda das prostrações, observando o mar de lama que se agiganta, sustentado pela mais hedionda e abominável corrupção.  Como é grande a desdita de nossa impotente nação!

Não mais preciso indagar sobre “O que será que me dá/ Que me bole por dentro, será que me dá/ E que me sobe às faces e me faz corar/ E que me salta aos olhos a me atraiçoar/ E que me aperta o peito e me faz confessar/ O que não tem mais jeito de dissimular/ E que nem é direito ninguém recusar” o fato de tomar conhecimento de tanta podridão e patifaria. Essa pungente agoniação “(E) me faz mendigo, me faz suplicar” que tenham piedade de meu país. E eu me pergunto se tamanha devassidão “(O que) não tem medida, nem nunca terá/ (O que) não tem remédio, nem nunca terá.”? Será que para isso “(O que) não tem receita” ou castigo?

Na rua, as pessoas estão a se perguntar: “O que será que será/ Que dá dentro da gente e que não devia/ Que desacata a gente, que é revelia/ Que é feito uma aguardente que não sacia/ Que é feito estar doente de uma folia/ Que nem dez mandamentos vão conciliar”? Muitas delas não avaliam que a corrupção que grassa no nosso país “Nem todos os unguentos vão aliviar/ Nem todos os quebrantos, toda alquimia/ Que nem todos os santos, será que será”, se os calhordas não forem punidos com exação. Sem a mão rigorosa da justiça “O que não tem descanso, nem nunca terá/ O que não tem cansaço, nem nunca terá/ O que não tem limite”, será para sempre o maldito estigma da nação brasileira.

Não mais é preciso que se pergunte: “O que será que me dá/ Que me queima por dentro, será que me dá/ Que me perturba o sono, será que me dá/ Que todos os tremores me vêm agitar/ Que todos os ardores me vêm atiçar/ Que todos os suores me vêm encharcar/ Que todos os meus nervos estão a rogar/ Que todos os meus órgãos estão a clamar/ E uma aflição medonha me faz implorar”? Mas será que essa gente desonesta, debochada, depravada e putrefata “(O que) não tem vergonha, nem nunca terá/ (O que) não tem governo, nem nunca terá/ (O que) não tem juízo”?

Obs.: Ouça a música SERÁ QUE SERA (À Flor da Pele)

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Historiando Chico Buarque – BENVINDA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Dono do abandono e da tristeza/ Comunico oficialmente/ Que há lugar na minha mesa/ Pode ser que você venha. (Chico Buarque)

O compositor encontrou-a numa noite de lua-crescente. Na pracinha, ele observava as crianças em euforia e os namorados a arrulharem seu amor. Fora ali buscar inspiração para seus versos que andavam meio desbotados. Sentada na relva estava ela, Benvinda, entretida num livro de poesias, como se fora uma maravilhada ninfa. Aproximou-se dela, sem incomodá-la, até que seus olhos encontraram-se. O amor brotou e criou forma. Preencheu o seu vazio e por muito tempo foram felizes, até o dia em que uma reviravolta no destino levou para longe sua Benvida.

O artista, não mais aguentando o padecimento da solidão, escreveu na areia estes versos para sua musa: “Dono do abandono e da tristeza/ Comunico oficialmente/ Que há lugar na minha mesa/ Pode ser que você venha/ Por mero favor/ Ou venha coberta de amor/ Seja lá como for/ Venha sorrindo, ai/ Benvinda/ Benvinda/ Benvinda/ Que o luar está chamando/ Que os jardins estão florindo/ Que eu estou sozinho”. Mas veio a onda, levou-os e ela não os leu!

O compositor reuniu então toda a gente da boemia, e mandou um recado para sua amada: “Cheio de anseios e esperança/ Comunico a toda gente/ Que há lugar na minha dança/ Pode ser que você venha/ Morar por aqui/ Ou venha pra se despedir/ Não faz mal/ Pode vir até mentindo, aí/ Benvinda/ Benvinda/ Benvinda/ Que o meu pinho está chorando/ Que o meu samba está pedindo/ Que eu estou sozinho”. Ainda assim, se ela recebeu o convite, dele não fez caso, pois não atendeu o chamado.

Sozinho em seu quarto, o artista viu crescer ainda mais seu desamparo. Fitando a lua, em desespero, pediu-lhe que levasse seus versos para a mulher que estava a esfacelar sua vida: “Venha iluminar meu quarto escuro/ Venha entrando com o ar puro/ Todo novo da manhã/ Venha minha estrela madrugada/ Venha minha namorada/ Venha amada/ Venha urgente/ Venha irmã/ Benvida/ Benvinda/ Benvinda/ Que essa aurora está custando/ Que a cidade está dormindo/ Que eu estou sozinho”. Penso que a lua não lhe deu o recado, pois ela dessa vez também não veio.

O compositor resolveu falar de poesia, e pediu ao pássaro-preto que fosse cantar seus versos poéticos na janela de sua diva: “Certo de estar perto da alegria/ Comunico finalmente/ Que há lugar na poesia/ Pode ser que você tenha/ Um carinho para dar/ Ou venha pra se consolar/ Mesmo assim pode entrar/ Que é tempo ainda, ai/ Benvida/ Benvinda/ Benvinda”. E dessa vez ela veio, cheia de ternura e juras de amor eterno.

O artista, pelo amor extasiado, tomou nas mãos a amada e o pinho e, pelas ruas, pôs-se a cantar esta canção: “Ah, que bom que você veio/ Que você chegou tão linda/ Eu não cantei em vão/ Benvinda/ Benvinda/ Benvinda/ Benvinda/ Benvinda”.

Obs.: Ouça a música de Chico Buarque clicando no link – BENVINDA

Nota: Passos do Samba, obra de Heitor dos Prazeres.

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Historiando C. Buarque e M. Nascimento – CIO DA TERRA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Um grupo de lavradores, acompanhado de seus filhos e mulheres, adentrou pela descomunal cidade, em direção ao palácio do governador. E lá fincou pé, pedindo um naco de terra. Iria dizer ao maioral que só queria “Debulhar o trigo/ Recolher cada bago de trigo/ Forjar no trigo o milagre do pão/ E se fartar de pão”. Não queriam só os sete palmos, quando mortos estivessem.

O mandachuva nem deixou o grupo entrar, pois iria sujar de terra (Que ironia!) os tapetes persas que ornamentavam seu gabinete. Decretou que fossem embora. Mas eles não arredaram do local. E cantaram que só queriam “Decepar a cana/ Recolher a garapa da cana/ Roubar da cana a doçura do mel/ Se lambuzar de mel”. Desejavam apenas um fiapo de seu Estado, e, que todo o resto poderia ficar com o governador e os seus prosélitos.

Insatisfeito com tamanho desacato, o governador chamou os “homens da lei”, e ordenou que retirassem os “bandidos” por bem ou por mal, ainda que tivessem que descer o sarrafo, pois direitos humanos era conversa fiada de humanitários. Mesmo debaixo de cassetetes, balas de borracha, gás de efeito moral e golpes de enforcamento (mata-leão), os agricultores gritavam que só queriam um pedaço do solo para “Afagar a terra/ Conhecer os desejos da terra/ Cio da terra, a propícia estação/ E fecundar o chão”. Coisa que ele e seu séquito jamais fariam, pois tinham horror a “sujar” a mão na terra.

Obs.: Clique no link para ouvir CIO DA TERRA

Nota: Os Agricultores, obra de Vincent van Gogh

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Historiando Chico Buarque e Gilberto Gil – CÁLICE

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Pai, afasta de mim esse cálice/ Pai, afasta de mim esse cálice/ Pai, afasta de mim esse cálice/ De vinho tinto de sangue. (Chico Buarque e G. Gil)

Meu pobre país! Retalham-no, assim como fizeram com o mártir Tiradentes. São tempos de desvarios, cheios de cobiça e ódio não mais latente. Os avaros e velhacos, dividem-no em nacos. E não satisfeitos, exigem mais, em nome do capital. Golpeiam sem piedade os direitos sociais de seu povo. E o faz descaradamente, essa corja astuciosa de malfeitores, ao perpetrar um crime hediondo de lesa-pátria. Pai, “Como beber dessa bebida amarga/ Tragar a dor, engolir a labuta/ Mesmo calada a boca, resta o peito/ Silêncio na cidade não se escuta”.

As notícias de tais horrores espalham-se por toda parte, sangrando o coração das gentes consternadas. Cada manchete é um soco amargo no estômago. Aos carrascos foi dado o poder de manejar a guilhotina e providenciar os saques. Aos estrangeiros é prometida do butim a melhor parte. Prossegue em frêmito a pilhagem da pátria mãe dilapidada. Toma rumo o desmonte da nação, nossa pátria amada.  E eu me pergunto: “Do que me vale ser filho da santa/ Melhor seria ser filho da outra”, e ter “Outra realidade menos morta”, pois o povo está inseguro diante de “Tanta mentira, tanta força bruta”.  Será que alguém me escuta?

Pai, por favor, valha-nos! Não sabe “Como é difícil acordar calado/ Se na calada da noite eu me dano/ Quero lançar um grito desumano/ Que é uma maneira de ser escutado”. Aflito corro por todos os cantos, tentando ouvir o protesto dos inconformados. Mas, Pai, ainda são  poucos os preocupados com o momento pérfido que já se faz presente. E “Esse silêncio todo me atordoa/ Atordoado eu permaneço atento/ Na arquibancada pra a qualquer momento/ Ver emergir o monstro da lagoa”, a aberração desta sangria desatada, que devora os direitos do povo a duras penas conquistados.

Pai, diz a sabedoria popular que “De muito gorda, a porca já não anda/ De muito usada, a faca já não corta”. Em assim sendo, se nossa força for calada, “Como é difícil, pai, abrir a porta”. Não sei mais como soltar “Essa palavra presa na garganta”. Parece até que houve “(Esse) um pileque homérico no mundo”, tamanha é a insanidade. Eu sempre agi como cidadão, mas “Do que adianta ter boa vontade”, se uma súcia apodera-se sem temor de nossos haveres e liberdade. Ainda que eu quisesse me omitir, Pai, seria impossível, pois “Mesmo calado o peito, resta a cuca/ Dos bêbados do centro da cidade”.

 Pai, quanta raiva! “Talvez o mundo não seja pequeno/ Não seja a vida um fato consumado”. E eu, que sempre quis ser boa gente, mudei de opinião. Agora “Quero inventar o meu próprio pecado/ Quero morrer do meu próprio veneno”. Durante toda a minha vida, Pai, eu segui  seus mandamentos, mas agora “Quero perder de vez tua cabeça/ Minha cabeça perder teu juízo”, pois o meu cálice já se encontra entornado. “Eu quero cheirar fumaça de óleo diesel/ Me embriagar até que alguém me esqueça.”. E até que meu povo livre-se deste pesadelo.

 Obs.: Ouçam a música – CÁLICE

 Nota: imagem copiada de jhonnascimento91.blogspot.com 

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Historiando Chico Buarque – BASTA UM DIA

Autoria de Lu Dias Carvalho batidi

É só o que eu pedia, viu/ Um dia pra aplacar/ Minha agonia/ Toda a sangria/ Todo o veneno/ De um pequeno dia. (Chico Buarque)

 Eu queria ver meu país no rol das nações de primeiro mundo, mas…

Eu sei que isso é infecundo, ilusão de minha mente em desatino. Ainda assim, não quero pensar pequeno: “Pra mim/ Basta um dia/ Não mais que um dia/ Um meio dia/ Me dá/ Só um dia/ E eu faço desatar/ A minha fantasia”. E juro que não mais cogito sobre isso!

 Eu sei que tal desejo é alucinação de minha mente extravagante, “Pois se jura, se esconjura/ Se ama e se tortura/ Se tritura, se atura e se cura/ A dor/ Na orgia/ Da luz do dia”, na câmara alta e no senado, na justiça e no executivo, que, ativo comanda a baixaria.

 Eu sei que o meu delírio não tem probabilidade de efetivação. Mesmo assim, não vou abrir mão do meu desejo: “É só/ O que eu pedia/ Um dia pra aplacar/ Minha agonia/ Toda a sangria/ Todo o veneno/ De um pequeno dia/ Só um/ Santo dia”.

 Eu sei que que minha ânsia será vã, uma vez que até parece coisa feita, o que acontece com a chefia “Pois se beija, se maltrata/ Se come e se mata/ Se arremata, se acata e se trata/ A dor/ Na orgia/ Da luz do dia”, enquanto esfola o povo e o país, na mais despudorada sangria.

 Obs.: Ouçam a música – BASTA UM DIA

 Nota: imagem copiada de www.semeandovida.org

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Historiando Julinho de Adelaide – MILAGRE BRASILEIRO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Cadê o meu?/ Cadê o meu, ó meu? (Julinho de Adelaide)

O rei assumiu o trono e, juntamente com a sua corte, prometeu uma dinheirama pra todo mundo: pros seus, pros meus, pros nossos e pros estrangeiros. Mas eu ainda não vi nada no meu bolso. Estou sendo esfolado vivo com o preço do almoço e tudo mais, por isso grito pelo meu naco: “Cadê o meu?/ Cadê o meu, ó meu?”.

Você, meu chapa, prometeu tem que cumprir, e não adianta ficar apoquentado com a pressa do povo brasileiro. “Dizem que você se defendeu”, pediu paciência explicando que não era tão apressado o tal “(É o) milagre brasileiro”. Mas que encheu os bolsos dos seus, isso lá encheu. Mas “Cadê o meu?/ Cadê o meu, ó meu?”.

Que vida mais desgraçada é a minha “Quanto mais trabalho/ Menos vejo dinheiro”. Você pede calma e diz que pra frente “É o verdadeiro boom”. Só que sua gente e “Tu tá no bem bom/ Mas eu vivo sem nenhum”. Usurpam todo o bagarote, destinado à gente brasileira. Escondem até nos paraísos fiscais, e dizem que a grana é normal, etc. e tal, ou, que por lá nunca tiveram nenhum. Mas “Cadê o meu?/ Cadê o meu, ó meu?”.

Não pense que sou apressado, que não dou tempo ao rei e sua corte pra preparar o traçado. Tampouco “Eu não falo por despeito”, mas é que sou gato escaldado. “Mas, também, se eu fosse eu/ Quebrava o teu/ Cobrava o meu/ Direito”,  astuto monarca. E falando nisto “Cadê o meu?/ Cadê o meu, ó meu?”.

Obs.: Ouça a música  – MILAGRE BRASILEIRO

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