Arquivo da categoria: Janelas pro Mundo

Artigos excêntricos de diferentes partes do mundo

ÍNDIA – O KAJAL

Autoria de Lu Dias Carvalho

kajal

É sabido que os olhos são o espelho da alma. Então, ouso dizer que o kajal ou kohl é a moldura deste espelho, em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Mas em nenhum lugar essa moldura adquire tanta intensidade quanto na Índia, onde os olhos são realçados pela pintura, indiferente do sexo ou idade.

Os olhos das mulheres ocidentais são emoldurados pelo kajal, que aqui recebe o nome de delineador ou de lápis delineador. No Oriente, o sexo masculino, em diversas festividades, costuma dividi-lo com o gênero oposto.

O delineador de olhos recebe o nome de kohl em algumas partes da África e no Oriente Médio, e de kajal em alguns países da Ásia. Mas corre a boca pequena que o kajal indiano é o único efetivamente medicinal. Eu, cá com os meus botões, fico com um pé atrás, receosa de que na sua composição entre um cadinho de água do Ganges.

O que é na verdade o kajal? Nada mais que uma mescla de ingredientes utilizada pela mulher desde a Idade do Bronze como tinta, para contornar os olhos. Mas, ao contrário de nossos ousados objetivos, dizem que no Egito, essa mistura fantástica tinha como única meta servir de proteção contra doenças e infecções dos olhos. Não sendo à toa que as egípcias usavam e abusavam do remédio, ficando irremediavelmente lindas.

Na Índia, onde tudo tem duplo efeito, de acordo com as superstições e crenças que ali grassam, o kajal é empregado tanto para embelezar os olhos, quanto para protege-los contra doenças, sendo usado por toda a tribo: homens, mulheres, crianças e bebês.

O kajal indiano ou o egípcio de outrora era feito de uma pasta de sândalo, óleo de rícino, ghee e fuligem (de panela ou lampião). Dizem que também era feito de carvão com cravo, canela ou pimenta.

Os bebês e crianças indianos também têm os olhos rebocados com kajal, que é usado como proteção contra o mau-olhado, inveja, olho gordo e como uma forma de trazer a proteção dos deuses para os seus usuários.

É muito comum o feitiço virar contra o feiticeiro, pois, entre os intocáveis e subcastas, onde a higiene passa longe, até por falta de água potável, uma criança acaba passando infecção para outra, ao usar o mesmo recipiente, ficando todas com olho gordo (de bactérias).

Muitas pessoas, incluindo bebês, têm sido diagnosticadas com doenças causadas pela presença de chumbo na mistura. Para quem já se esqueceu, o chumbo é um metal de cor cinza, macio, maleável, encontrado na natureza sob a forma de minério, chamado galena. O saturnismo, nome dado à intoxicação crônica pelo chumbo e seus derivados, é conhecido desde a Antiguidade.

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ÍNDIA – O QUE É UM DALIT?

Autoria de Lu Dias Carvalho

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A Índia, apesar de já ter adentrado no século XXI, talvez seja o país onde as contradições sejam mais difíceis de serem aceitas por nós ocidentais. O país é hoje um campo fecundo para a tecnologia de ponta, assim como para as mais arcaicas posturas humanas, muitas delas ainda beirando o comportamento existente nos primórdios de nossa civilização. Ali ainda vigora o sistema de castas e a transformação de seres humanos em “impuros” que não fazem parte da sociedade, como se inexistissem. Este sentimento é mais forte nas vilas, onde a modernidade demanda tempo para chegar, a ponto de ainda manter uma visão estereotipada sobre o homem. Mas também existe nas grandes cidades.

Os “impuros”, que representam o que há de mais imundo sobre a Terra, são normalmente expulsos de suas aldeias, para que não venham a contaminar as outras castas. Não podem nem mesmo utilizar os potes de água ou entrar nos templos. Nas escolas, em certas cidades, não podem entrar nas salas de aula, devendo se manter do lado de fora. E naquelas em que lhes é permitido entrar, devem ocupar os últimos lugares. São os conhecidos dalits. A palavra indiana dalit significa “quebrado/ pisado/ oprimido”. Exatamente o que são.

Todo aquele que violar as regras de sua casta é expulso do sistema e transformado em dalit, o maior castigo que pode existir, pois a pessoa deve fidelidade absoluta à casta a que pertence. E, uma vez rebaixada, coloca todos os seus descendentes na mesma posição. Toda a família é castigada para incutir o medo nos demais e preservar a crueldade do sistema. E qualquer membro, pertencente a uma das castas, que vier a tocar ou receber um dalit, ou mesmo ser coberto por sua sombra, pode não apenas poluir a sua casa e família, assim como toda a casta a que pertence. E para ser purificado demanda uma série de ritos, incluindo o jejum e o incenso.

Na Índia há mais de 30 milhões de dalits, que não fazem parte nem mesmo do sistema hierarquizado das castas. Inexistem! Embora o princípio da intocabilidade tenha sido abolido na Constituição indiana, ele continua vivo na cultura do país. Em Bombaim, cidade conhecida mundialmente pela sujeira, a grande maioria deles está instalada em numerosas favelas, buscando refúgio nas ruelas e calçadas atulhadas de lixo e cães vadios, ou pedindo esmola aos turistas no centro da cidade.

Os dalits são vítimas de uma opressão múltipla. No tocante à religião hinduísta, não possuem acesso aos templos. E só se dão conta do fosso em que vivem, quando se convertem ao islamismo ou ao cristianismo, pois o hinduísmo legitima o sistema de castas (praticado por mais de 80% da população), a ponto de os dalits acharem que é correto viver dessa maneira, para pagarem pelos pecados feitos em outras vidas. E que assim deve ser, sem questionamento ou reclamação alguma, como reza sua crença religiosa.

No plano político, embora correspondam a 15% da população indiana, não são ouvidos pelos dirigentes do país. Não possuem voz.  Não são levados em conta. No plano econômico, mesmo que os governos tentem garantir-lhes o direito de posse de terras cultiváveis, os proprietários rurais das aldeias usam de todo tipo de violência para expulsá-los. A única solidariedade encontrada é entre eles mesmos.

O clamor dos excluídos e dos oprimidos indianos é sufocado pelos poderes tecnológico, econômico, político e religioso que imperam no país. Parte da Índia está se tornando um mundo rico, economicamente falando, mas continua com sua pobreza mental no tocante ao respeito pelos direitos de todos os seres humanos. Apesar disso, muita gente ainda credita à Índia uma espiritualidade que não encontra nenhuma base, quer pelo comportamento hostil de suas castas ou pela falta de solidariedade aos desfavorecidos. Mera enganação.

Os dalits na Índia (e Nepal) são excluídos de todo o bem comum e suas mulheres são violentadas e obrigadas a se prostituírem. São consideradas piores de que um cão que vive na rua, farejando restos pelo chão. Entre eles, 66% são analfabetos e a mortalidade infantil chega a 10%. A escritora indiana Thrity Umrigar revela o drama desse povo em seu livro “A Distância entre Nós”.

Muitos dalits estão acordando para a realidade cruel que os detém. E, para conseguirem romper, de certa forma, com o passado opressor, convertem-se ao Budismo (mais liberal e igualitário), ao Islamismo ou ao Cristianismo. E, apesar da discriminação que sofrem por parte de seus colegas de sala e professores, muitos dalits, convertidos a uma nova religião, estão conseguindo um diploma de curso superior. O que tem contribuindo para o nascimento de grandes líderes dalits. Os membros das castas mais baixas também tem se rebelado contra a situação em que vivem, promovendo várias revoltas pelo país.

 As tradições culturais e a forte religiosidade ainda resistem bravamente às ações governamentais e transformações econômicas que atingem a realidade presente dos indianos. Enquanto isso, o regime tradicional já contabiliza mais de três mil classes e subclasses que organizam esse complicado sistema de quebra-cabeça da sociedade indiana e a torna tão injusta.

Nota: Imagem copiada de http://www.lutheranworld.org

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ÍNDIA – O GURU E O LÍQUIDO SAGRADO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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A Índia foi e continua sendo um campo fértil para nos revelar os mais engraçados e incríveis relatos de figuras ocidentais que ali chegam, muitas delas com Ph.D. nisso ou naquilo, em busca da salvação da alma, depois de terem aproveitado de tudo a que tinham direito dentro do capitalismo selvagem.

Segundo a escritora indiana Gita Mehta, para todo aquele que busca a iluminação, na Índia encontra-se um “sábio”. Há artigos para todos os tipos de cliente. Are Baba! Ela conta em seu livro, Carma-Cola, um fato cômico, para não dizer patético, que ora passo a relatar:

Um aristocrata inglês encabulou-se ao tomar conhecimento de um guru que vivia numa aldeia remota do país indiano, possuidor de dons milagrosos, inclusive o de transformar sua urina em água perfumada de rosas, assim que vertida.

O fidalgo encheu as malas Louis Vuitton com a mais inabalável fé e partiu numa jornada difícil em busca do conceituado religioso, cuja fama ultrapassara o Atlântico. Lá chegando, foi cortesmente direcionado para se assentar na primeira fila da meditação matinal, fora da tenda, momento em que o mentor tirava da bexiga, o líquido miraculoso. Havia ali muitas pessoas, todas em atitude da mais profunda piedade, E, coincidência ou não, o requintado senhor foi escolhido para se dirigir à tenda do mestre.

Não querendo parecer arrogante (atitude peculiar aos ingleses), o nobre dirigiu-se ao local, onde se encontrava o guru. Ao se adentrar na barraca, pelos sinais e gestos do mestre, entendeu que fora escolhido para levar seus fluidos aos devotos, que aguardavam ansiosos.

O vaso quente com o líquido milagroso foi posto em suas mãos, quando resolveu testar o odor de seu conteúdo. O cheiro – pensou com seus botões – era de urina comum. No entanto, continuou carregando o precioso líquido para os devotos em estado de veneração profunda, sendo recebido com fortes aplausos.

Assustado, viu que a intensidade da ovação tornara-se mais forte, à medida que se aproximava, enquanto tentava decifrar os sinais ansiosos que lhe enviavam os assistentes do “homem santo” (todos os “divinos” possuem assistentes). Foi quando, num vislumbre de racionalidade, conseguiu perceber que o venerável mestre – num gesto magnânimo – permitira que ele bebesse todo o conteúdo, sem ter que dividir com os demais presentes.

O leitor, em estado de estupor, deve estar aflito para saber se o aristocrata bebeu o maná do guru ou se o recusou. Deixo a dedução a seu critério, depois de acrescentar o que ele dissera, na ocasião, aos amigos:

– Tinha um gosto incrivelmente parecido com urina comum!

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ÍNDIA – O CÓDIGO DE MANU

Autoria de Lu Dias Carvalho

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O Código de Manu situa-se, aproximadamente, no ano 1000 a. C.. Foi escrito em sânscrito e é tido como a legislação mais antiga da Índia. Mas quem foi Manu? Manu foi um personagem mítico, considerado “Filho de Brahma e Pai dos Homens”. Os hindus possuíam quatro livros sagrados, os chamados Livros Sagrados dos Vedas, sendo que o Código de Manu era o mais antigo, dividindo-se em Religião, Moral e Leis Civis.

Na verdade, os idealizadores do Código de Manu julgavam que a coação e o castigo eram essenciais para se evitar o caos produzido na sociedade, advindo da decadência moral humana. Havia nele uma estreita correlação entre o direito e os dispositivos sacerdotais, os problemas de culto e as conveniências de castas. Trocando em miúdos, a aplicação do direito dizia respeito à casta do sujeito e à sua condição social. E, como não poderia deixar de ser, a mulher encontrava-se em extrema desvantagem, numa condição de completa passividade e submissão dentro de tal Código, sendo tratada como objeto a ser manobrado e julgado pelo homem.

As leis de Manu são tidas por muitos legisladores como a primeira organização geral da sociedade, debaixo do manto religioso e político, embora privilegiassem as castas superiores, sobretudo a dos brâmanes. Aquele, que pertencesse à classe média ou inferior, era nele duramente penalizado. À casta dos brâmanes, que era formada pelos sacerdotes, foi dado o comando social. Quanto maior fosse a condição social da pessoa, maior seria o seu quinhão e vice-versa. Como vemos, a religião (brâmanes) ficava acima da lei (o rei). Basta ler um de seus artigos para compreender o poder que exerciam dentro da sociedade:

“Se um homem achasse um tesouro, deveria ter dele apenas 10% ou 6%, conforme a casta a que pertencesse. Se fosse um brâmane, teria todo o tesouro e, se fosse o rei, apenas 50%.”

No Código de Manu há uma série de ideias sobre valores tais como “verdade/justiça/ respeito”. Contudo, os castigos infligidos variavam de acordo com a credibilidade dos testemunhos, que por sua vez variavam de acordo com as castas. A título de exemplo podemos citar algumas leis embutidas no Código:

  • Somente homens dignos de confiança e isentos de cobiça podem ser escolhidos para testemunhas de fatos levados a juízo, sendo tal missão vedada para as castas inferiores.

Nos seus artigos 471 e 472, havia autorização para o conúbio (ligação da esposa com um cunhado ou com outro parente), desde que o reprodutor a procurasse discretamente, à noite. Como diríamos no ocidente: Na calada da noite!

Segundo legisladores e historiadores, o Código de Manu não teve a importância do Código de Hamurabi (antiga Mesopotâmia) ou do Código Mosaico (de Moisés), apenas foi um marco na evolução da cultura jurídica. Nele, a testemunha valia segundo sua posição social. A mulher só podia depor nos processos contra outras mulheres, ou quando não houvesse nenhum outro tipo de prova. O Código de Manu era considerado como o código mais rigoroso em relação à mulher, em todos os tempos. Observem:

  • Mulheres devem prestar testemunho para as mulheres.
  • Uma mulher está sob a guarda de seu pai durante a infância, sob a guarda do seu marido durante a juventude, sob a guarda de seus filhos em sua velhice; ela não deve jamais conduzir-se à sua vontade.

Os crimes de injúria eram apurados e punidos de forma rigorosa e cruel: língua cortada, estilete de ferro em brasa, óleo fervendo pela boca e pagamento de multa.  Mas, como sempre, variando de acordo com a posição social do indivíduo. Se fosse um infeliz pertencente às castas inferiores ou intocáveis, assim rezava:

 Art. 264 – Que o rei lhe faça derramar óleo fervente na boca e na orelha, se ele tiver a imprudência de dar conselhos aos brâmanes relativamente a seu dever.
Art. 263 – Se eles os designar por seus nomes e por suas classes de maneira ultrajosa, um estilete de ferro de dez dedos de comprimento será enterrado fervendo em sua boca.

Contudo, se o ultrajante fosse uma pessoa de classe alta, apenas uma multa era aplicada. O Código de Manu já distinguia o furto do roubo, assim:

Art. 324 – A ação de tirar uma coisa por violência, às vistas do proprietário, é roubo; em sua ausência é furto, do mesmo modo o que se nega ter recebido.

Diante dos crimes de furto, o rei podia tomar uma das medidas:

  • a detenção
  • os ferros
  • as diversas penas corporais.

Para os crimes de roubo, recomendava-se o emprego de medidas mais drásticas, a critério do rei. Mais parece uma ironia a causa que levava à punição do crime por adultério, tamanho era o preconceito nele exposto, pois rezava o Código:

 É do adultério que nasce no mundo a mistura de classes.

O direito de primogenitura era bastante regulado. Baseava-se na crença de que a família não podia prescindir de um chefe. E o filho mais velho trazia essa garantia. E, para tanto, um hindu admitia a união entre sua esposa com o seu irmão (dele) ou parente:

Art. 517 – Mas o mais velho, quando ele é eminentemente virtuoso, pode tomar posse do patrimônio em totalidade e os outros irmãos devem viver sob sua tutela, como viviam sob a do pai.
Art. 518 – No momento de nascer o mais velho, antes mesmo que a criança tenha recebido os sacramentos, um homem se torna pai e paga a sua dívida para com os seus antepassados; o filho mais velho deve, pois, ter tudo.
Art. 519 – Dispõe que o nascimento do primeiro filho dá ao pai a imortalidade, sendo que:  os sábios consideram os outros filhos como nascidos do amor.
Art. 471 – Quando não se tem filhos, a progenitura que se deseja pode ser obtida pela união da esposa, convenientemente autorizada, com um irmão ou outro parente.

A Índia atual continua com um pé no Código de Manu e outro na modernidade. Com certeza, o primeiro continua a levar vantagem. Infelizmente!

Nota: Imagem copiada de http://www.tower.com/codigo-de-manu

Fonte de pesquisa
Código de Manu/ Editora Edipro

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ÍNDIA – NÔMADES ENFRENTAM DRAMA NO PAÍS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Não há diferença entre a nossa vida e a de um búfalo. Ele vagueia em busca de comida; nós também. (Lohar)

Não são eles que não querem fazer parte da sociedade; ela é que não lhes permite. (Meena Radhakrishna, socióloga indiana)

Dormir sob o manto das estrelas, acochegados às suas famílias e animais, conservando suas tradições seculares, ou se inserir no mundo contemporâneo, tem sido uma escolha dilemática para cerca de oitenta milhões de nômades (7% da população do país) que vivem na Índia.

Os nômades são povos errantes, que não criam raízes em lugar algum e que se locomovem de acordo com as necessidades de sua gente e seus rebanhos. São também chamados de ciganos. Possuem um código de leis específico e é sabido que vagueiam pelo subcontinente indiano há milhares de anos. Dividem-se em vários grupos: ferreiros,  pastores, comerciantes de sal, videntes, curandeiros, terapeutas ayurvédicos, artistas circenses, encantadores de serpentes, curadores de animais, tatuadores, contadores de história, tecedores de cesto, etc.

Os Gadulia Lohar é um dos grupos mais conhecidos. Contam que já tiveram um passado ilustre, quando eram os responsáveis por fazer armaduras para os reis hindus. Hoje, são muito pobres, mas ainda conservam a profissão de ferreiros. Acampam-se na periferia dos vilarejos indianos, onde fabricam utensílios com a sucata encontrada e vendem seus produtos, embora os espaços abertos, onde podem ficar, são cada vez mais restritos e a opção de venda diminuta.

Antigamente, os nômades, apesar de seus costumes, viviam integrados à população indiana, mas a partir do século 19 essa integração foi rompida por conta do comportamento das autoridades britânicas, que passaram a lhes dar a pecha de marginais, tratando-os como vadios, velhacos e criminosos. Tais preconceitos disseminaram no período colonial indiano e vigem até os dias de hoje.  Inclusive, em 1871, autoridades britânicas aprovaram a chamada Lei de Tribos Criminosas, que tratava os nômades como infratores natos, principalmente os de pele mais escura e que falavam o romani, conhecidos como gypsies (ciganos).

O espaço para as tribos nômades afunila-se a cada dia, com a chegada da modernidade. Eles não conseguem competir com a industrialização e com a venda dos produtos chineses. E pior, como se trata de inúmeras tribos, os nômades são fracionados por casta, língua e religião, de modo que eles não interessam aos políticos, vivendo à margem dos benefícios sociais. Essa gente nunca sentou num banco de escola, ainda faz as necessidades fisiológicas no mato e, nos dias enxutos, dorme a céu aberto. Na estação da monção, ela cobre as carroças com lonas, bota paredes de adobe em volta, para sobreviver ao excesso de chuva. O estado de penúria e exclusão desse povo é vista como a mais grave crise de direitos humanos, em todos os tempos.

Aqueles, que defendem a causa dos nômades, veem como única solução a fixação deles, para que possam ter um endereço, facilitando assim o recebimento de benefícios por parte do poder público, ao matricular seus filhos em escolas. Mas, em contrapartida, encontram uma resistência feroz por parte dos moradores dos vilarejos, que ainda cultivam a mesma postura das autoridades britânicas do tempo colonial, e dos políticos que não veem neles nenhuma forma de “retorno eleitoral” em curto prazo.

É realmente um dilema: ou esse povo fixa-se à terra, para ter os mínimos direitos de cidadãos, abrindo mão de seu código de ética, que atravessa centenas de gerações, ou passa a depender cada vez mais da mendicância.

(*) Imagem copiada de
http://www.mottoslowtravel.com.br/banjaras-a-merce-da-sociedade-indiana

Fonte de pesquisa:
National Geographic/ Maio/ 2010

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ÍNDIA – MAHATMA GANDHI E A NÃO VIOLÊNCIA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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O mundo em cada século produz um grupo de pessoas notáveis, capazes de abrir mão de seus interesses particulares, para lutar em prol da humanidade. Muitos ousam dizer que tais pessoas têm uma ligação direta com o divino. São indivíduos dotados de muita espiritualidade, sabedoria, tolerância e generosidade no trato com as coisas do mundo. Essas pessoas, corajosas e fascinantes, ajudaram a mudar o curso da História da Humanidade, deixando-nos uma fonte inesgotável de exemplos.

Mohandas Gandhi, que depois recebeu o nome de Mahatma (grande alma) Gandhi, nasceu em 1869 e foi assassinado em 1948. Gandhi foi um dos inesquecíveis seres humanos a fazer parte do século XX. À sua grande espiritualidade ainda agregava o talento político, usados com sabedoria para libertar seu povo do jugo britânico. Era um indiano altamente preocupado com a vida do povo de seu país. Na sua juventude, recebeu influência dos amigos muçulmanos e dos parentes hindus.

Gandhi era hinduísta, mas fortemente influenciado pelo Janaísmo, religião indiana que prega o respeito pela vida, seja lá qual for ela, de modo que não se pode machucar nenhum ser vivo. E, tomando por base a sua crença, acabou ensinando ao mundo o princípio da “não violência”, na luta contra as injustiças sociais. Era contrário à omissão, assim como era contrário a qualquer forma de violência.

Gandhi estudou direito na Inglaterra, voltou à Índia, onde ficou cerca de 3 anos, partindo para a África do Sul, onde exerceu a profissão de advogado. Naquele país, tanto ele como seus conterrâneos eram vistos como pessoas inferiores. E tais insultos despertaram nele sua consciência social. Não satisfeito com o tratamento recebido, decidiu que lutaria para que o seu povo tivesse um tratamento justo. Foi quando formulou o conceito de satyagraha que significa “alcançando ou segurando a verdade”. Nem que para isso tivesse que sucumbir à morte, essa seria a sua luta.

Doze anos depois, Gandhi voltou para a Índia, disposto a lutar por seu país, que além de estar dependente da Grã-Bretanha, ainda se encontrava divido pelo sistema injusto de castas. E, para enfrentar o jugo inglês, Gandhi trocou terno e gravata pelas roupas simples dos “dalits” (intocáveis), a classe social mais desprezada e injustiçada de seu país. Começou adotando uma garota “dalit”, que o acompanhava por vários lugares. Usava os jejuns como forma de protesto contra a permanência do governo britânico em seu país.

Embora pertencente à casta dos vaishyas (comerciantes), Gandhi defendia a moderação das divergências entre as castas (dignidade para todos) e o fim do confronto entre muçulmanos e hindus. Após receber o nome de Mahatma Gandhi, transformou-se num grande líder espiritual de um movimento que atraiu milhões de participantes, lutando pela independência de seu país. A sua luta baseava-se nos princípios da “não violência” e da “não cooperação” dos indianos com os governantes ingleses. Por isso, foi inúmeras vezes preso.

Outro problema que o preocupava era a animosidade existente entre os hindus e muçulmanos na Índia, que já vinha acontecendo desde o século XI, já havendo causado dezenas de milhares de mortos. Fez muitas tentativas de unir essas duas correntes religiosas, pois sabia que o país precisava estar coeso após a sua independência.

Em 1947, a revolução pacífica de Gandhi alcançou seu objetivo: os britânicos foram embora, deixando seu país independente. Mas o objetivo de ver seu país unido não foi alcançado.  O país foi dividido em dois. A região predominantemente hindu continuou sendo a Índia e aquela, onde a predominância era muçulmana, tornou-se o Paquistão, enquanto o ódio entre esses dois grupos tornava-se cada vez mais feroz. Tanto é que em 30/janeiro/1948, o grande líder foi assassinado por um fanático hindu, que havia colocado na cabeça que a simpatia de Gandhi era dirigida à causa muçulmana.

Ainda hoje é complicada a relação entre hindus e muçulmanos, quer pelo nascimento do Paquistão, quer pelo problema com a Caxemira (pertence à Índia, mas sua maioria é muçulmana). E nessa divisão muitos templos hindus foram derrubados e nos locais construídas mesquitas (templos mulçumanos), deixando muito ódio acumulado.

Gandhi foi um pacifista convicto, que sempre pregou uma doutrina de “não violência”. Seu desejo era que a paz reinasse entre hindus e muçulmanos, entre indianos e ingleses e entre toda a humanidade.

Alguns dos pensamentos de Gandhi

  • Aquele que não é capaz de governar a si mesmo, não será capaz de governar os outros.
  • É o sofrimento e só o sofrimento que abre no homem a compreensão interior.
  • Quem busca a verdade, quem obedece a lei do amor, não pode estar preocupado com o amanhã.
  • O desejo sincero e profundo do coração é sempre realizado; em minha própria vida tenho sempre verificado a certeza disto.
  • Só podemos vencer o adversário com o amor, nunca com o ódio.
  • A não violência nunca deve ser usada como um escudo para a covardia. É uma arma para os bravos.
  • A prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência.
  • O capital em si não é mau; mas o mau uso dele transforma-o num mal.
  • A satisfação está no esforço feito para alcançar o objetivo, e não em tê-lo alcançado.
  • Aprendi através da experiência amarga a suprema lição: controlar minha ira e torná-la como o calor que é convertido em energia. Nossa ira controlada pode ser convertida numa força capaz de mover o mundo.
  • A mulher deve ser meiga, companheira do marido, tanto na alegria como na tristeza. O homem deve ser amigo da mulher e, no seu amor, deve respeitar sua alma e seu corpo como sagrados que são.
  • Há o suficiente no mundo para todas as necessidades humanas; não há o suficiente para a cobiça humana.
  • Orar não é pedir. Orar é a respiração da alma. Como o corpo que se lava não fica sujo, sem oração se torna impuro.
  • A cada dia a natureza produz o suficiente para nossa carência. Se cada um tomasse o que lhe fosse necessário, não havia pobreza no mundo e ninguém morreria de fome.
  • O que sobra no prato de poucos, falta no prato de muitos.

Nota: Imagem copiada de http://www.memmento.com/Memorial-at-Memmento

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