Autoria de Lu Dias Carvalho
Não há diferença entre a nossa vida e a de um búfalo. Ele vagueia em busca de comida; nós também. (Lohar)
Não são eles que não querem fazer parte da sociedade; ela é que não lhes permite. (Meena Radhakrishna, socióloga indiana)
Dormir sob o manto das estrelas, acochegados às suas famílias e animais, conservando suas tradições seculares, ou se inserir no mundo contemporâneo, tem sido uma escolha dilemática para cerca de oitenta milhões de nômades (7% da população do país) que vivem na Índia.
Os nômades são povos errantes, que não criam raízes em lugar algum e que se locomovem de acordo com as necessidades de sua gente e seus rebanhos. São também chamados de ciganos. Possuem um código de leis específico e é sabido que vagueiam pelo subcontinente indiano há milhares de anos. Dividem-se em vários grupos: ferreiros, pastores, comerciantes de sal, videntes, curandeiros, terapeutas ayurvédicos, artistas circenses, encantadores de serpentes, curadores de animais, tatuadores, contadores de história, tecedores de cesto, etc.
Os Gadulia Lohar é um dos grupos mais conhecidos. Contam que já tiveram um passado ilustre, quando eram os responsáveis por fazer armaduras para os reis hindus. Hoje, são muito pobres, mas ainda conservam a profissão de ferreiros. Acampam-se na periferia dos vilarejos indianos, onde fabricam utensílios com a sucata encontrada e vendem seus produtos, embora os espaços abertos, onde podem ficar, são cada vez mais restritos e a opção de venda diminuta.
Antigamente, os nômades, apesar de seus costumes, viviam integrados à população indiana, mas a partir do século 19 essa integração foi rompida por conta do comportamento das autoridades britânicas, que passaram a lhes dar a pecha de marginais, tratando-os como vadios, velhacos e criminosos. Tais preconceitos disseminaram no período colonial indiano e vigem até os dias de hoje. Inclusive, em 1871, autoridades britânicas aprovaram a chamada Lei de Tribos Criminosas, que tratava os nômades como infratores natos, principalmente os de pele mais escura e que falavam o romani, conhecidos como gypsies (ciganos).
O espaço para as tribos nômades afunila-se a cada dia, com a chegada da modernidade. Eles não conseguem competir com a industrialização e com a venda dos produtos chineses. E pior, como se trata de inúmeras tribos, os nômades são fracionados por casta, língua e religião, de modo que eles não interessam aos políticos, vivendo à margem dos benefícios sociais. Essa gente nunca sentou num banco de escola, ainda faz as necessidades fisiológicas no mato e, nos dias enxutos, dorme a céu aberto. Na estação da monção, ela cobre as carroças com lonas, bota paredes de adobe em volta, para sobreviver ao excesso de chuva. O estado de penúria e exclusão desse povo é vista como a mais grave crise de direitos humanos, em todos os tempos.
Aqueles, que defendem a causa dos nômades, veem como única solução a fixação deles, para que possam ter um endereço, facilitando assim o recebimento de benefícios por parte do poder público, ao matricular seus filhos em escolas. Mas, em contrapartida, encontram uma resistência feroz por parte dos moradores dos vilarejos, que ainda cultivam a mesma postura das autoridades britânicas do tempo colonial, e dos políticos que não veem neles nenhuma forma de “retorno eleitoral” em curto prazo.
É realmente um dilema: ou esse povo fixa-se à terra, para ter os mínimos direitos de cidadãos, abrindo mão de seu código de ética, que atravessa centenas de gerações, ou passa a depender cada vez mais da mendicância.
(*) Imagem copiada de
http://www.mottoslowtravel.com.br/banjaras-a-merce-da-sociedade-indiana
Fonte de pesquisa:
National Geographic/ Maio/ 2010
Views: 1