Historiando Chico Buarque – COM AÇÚCAR, COM AFETO

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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Quando a noite enfim lhe cansa/ Você vem feito criança/ Pra chorar o meu perdão/ Qual o quê/ Diz pra eu não ficar sentida/ Diz que vai mudar de vida/ Pra agradar meu coração. (Chico Buarque)

Não era por falta de aviso que eu não largava de vez o meu José Bento, que de bento não tinha coisíssima alguma. A menos que seu benzimento tivesse sido feito numa mesa de boteco, em meio a uma roda de samba, borrifado pela filha de senhor de engenho e rodeado por rabos de saia, aos tragos com Jerebita, Jurubita, Januária, Girgolina, Tafiá e Maria-branca. Eu só sei é que amava aquele traste mais do que a minha própria honra, embora alguns me dissessem que se tratava de acovardamento, pois mulher nenhuma merecia passar por tanto vexame e vergonheira. Ainda mais em se tratando de uma companheira pelejadora como eu. Mas não era nada disso, minha gente, era adoração, idolatria das grandes pelo meu homem.

Zé nem precisava pensar. Eu tentava adivinhar suas mais ocultas vontades. Dividia o dia entre montes de roupas para passar e a vontade de agradá-lo, matutando um jeito de firmá-lo dentro de nosso lar. Nunca faltava seu doce de mamão verde com coco, ainda que eu não tivesse goma para botar na água de passar roupa. Sua camisa branca e o terno escuro estavam sempre luzidios, dependurados num cabide, prontinhos para ele procurar emprego. O que a querença não faz com o coração da gente. Sei que a brilhantina no cabelo, a colônia de alfazema jogada no corpo e o sapato engraxado almejavam fins mais fagueiros.

Grande parte do dia Zé passava na praia e à noite saía de casa, dizendo que ia buscar trabalho, pois não queria me ver morrer no calor do ferro em brasa. Que nada! Eu ficava sabendo pelos vizinhos que na praia ele fincava os olhos nos corpos suados das mulheres ao sol, como se não tivesse uma morena num suadouro infernal dentro de casa. E à noite parava de bar em bar, sempre comemorando alguma invencionice ou rememorando um samba antigo.

Quando não mais aguentava esperar por Zé, eu dormia em meio a montanhas de roupas lavadas, dopada pelo cansaço do dia. E sonhava que ele me tomava nos seus braços, e dançava samba comigo pelos botecos do bairro, com aquele sorriso tão bonito, que somente ele sabia ter. Minha blusa de renda e saia de babados esvoaçavam, enquanto a gente rodopiava de um canto para outro, com todos os olhares voltados para nós. Mas era com o barulho do pandeiro que eu acordava, com Zé batendo na porta, extenuado pela noite sem dormir.  “E ao lhe ver assim cansado/ Maltrapilho e maltratado/ Ainda quis me aborrecer/ Qual o quê/ Logo vou esquentar seu prato/ Dou um beijo em seu retrato/ E abro os meus braços pra você”.

Certa noite, no surgir da madrugada, bateram na minha porta. Não era o Zé. Eu conhecia o barulho do seu toque. Vieram me dizer que ele estava internado. Tivera um derrame e tombara sobre a mesa do boteco sobre o copo da caninha. Ele voltou do hospital. E, como eu por tanto tempo desejara, não mais saía, só parando em casa. Agora Zé não tem mais amigo, não canta samba e nem consegue segurar um copo nas mãos inertes. Ai, como eu agora queria vê-lo sair com seu terno mais bonito, dizendo que não se atrasará, pra eu não ficar sentida, e que vai mudar de vida “Pra agradar meu coração”.

Obs.:
Ouça COM AÇÚCAR E COM AFETO

Nota: Mulher Passadeira Passando Roupas, obra de Edgar Degas

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2 comentaram em “Historiando Chico Buarque – COM AÇÚCAR, COM AFETO

  1. Leila Gomes

    Oi, Lu

    Percebo um limão com gotas de mel. O doce do mel não suprime a acidez do limão.

    Abraços,

    Leila

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Leila

      Quão complexos são os caminhos da vida, numa mistura agridoce de mel e limão!

      Beijos,

      Lu

      Responder

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