Recontado por Lu Dias Carvalho
O poderoso deus Júpiter (Zeus) nunca foi flor que se cheire em se tratando de um rabo de túnica. Estava sempre a trair sua esposa Juno (Hera), que não era boba coisíssima nenhuma, como nos prova a história a seguir.
De uma feita, Juno percebeu que o dia, que amanhecera luminoso, escurecera num piscar de olhos. Logo desconfiou que Júpiter estivesse a tramar uma das suas. Aquela nuvem escura que toldara o céu repentinamente estaria a esconder um de seus malfeitos, certamente. Ela então arredou a nuvem. E o que viu? Ninguém mais ou ninguém menos que o dito cujo, à margem de um riacho de águas límpidas, ao lado de uma bela novilha. Desconfiada, como toda mulher que já foi traída, fortes pensamentos alertaram-na de que a aparência de uma novilha não passava de um disfarce para uma ninfa de linhagem mortal, amante de seu infiel marido. Ela iria tirar aquilo a limpo, custasse o que custasse.
Juno desceu até onde se encontrava Júpiter e mostrou-se maravilhada com a beleza da novilha, querendo saber de que rebanho viera. Pediu-lhe aquele animal maravilhoso como presente. Sem encontrar nenhuma saída para tamanho apuro, só restou ao deus presentear sua esposa com a novilha, que na verdade era Io, filha do rio-deus Ínaco. Ele fora obrigado dar-lhe aquela forma, ao notar a aproximação da esposa. Mas Juno queria ter certeza absoluta da verdade. Assim, confiou a Argos Panoptes, um gigante de 100 olhos, seu servo fidelíssimo, que mantivesse a ovelha sempre à vista, até que ela tivesse o veredito.
Mesmo quando dormia, Argos deixava a metade de seus olhos abertos, estando Io constantemente na sua mira. Ainda que não tivesse perdido a sua consciência de gente, a bela ninfa não tinha voz. Tentava usar os braços para pedir piedade, mas não os tinha mais. E seu bramido amedrontava até ela própria. Nem mesmo sua família, ao aproximar-se dela, foi capaz de compreender quem era, ainda que roçasse as mãos de seu pai. Subitamente lembrou-se de que poderia escrever seu nome no chão, usando o casco. Ao fazê-lo, foi reconhecida pelo pai, que lamentou a má sorte da filha. Por sua vez, Júpiter, com a consciência intranquila, encarregou o deus Mercúrio de matar Argos.
Mercúrio sabia que aquela tarefa não era das mais fáceis. Tinha que ser muito bem elaborada. Usou suas sandálias aladas para descer à Terra, levando consigo seu barrete, gaita e a vara de condão que fazia dormir. Sentou-se perto de Argos, debaixo de uma frondosa sombra, como se fosse um pastor de ovelhas. Contava histórias e também tocava a gaita, deixando o gigante maravilhado. Relutando a princípio, Argos acabou fechando todos os olhos, e caindo num sono profundo. Então Mercúrio, com um só golpe, decepou-lhe a cabeça. Inconformada com o acontecido ao amigo, Juno retirou seus olhos e, delicadamente, colocou-os na cauda do pavão, como podemos ver até hoje.
Juno não se deu por vencida em sua vingança. Colocou uma mosca da madeira no encalço de Io, a persegui-la por onde quer que fosse. Ao chegar às margens do rio Nilo, a coitadinha já não tinha mais para onde fugir. Júpiter, condoído, intercedeu a Juno por ela, prometendo-lhe nunca mais traí-la, se ela devolvesse à ninfa a sua antiga aparência. E assim foi feito, retornando Io à sua família. Quanto à promessa de Júpiter…
Nota: Juno Descobre Júpiter com Io, obra de Pieter Lastman (1618)
Fontes de Pesquisa
Mitologia/ Thomas Bulfinch
Mitologia/ LM
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