SÓ OS HOMENS USAVAM A FACA

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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O ato de comer e o de dormir são de suma importância para o homem, pois a comida é o combustível para o funcionamento do corpo e o sono desliga, parcialmente, o sistema, para descansar as conexões nervosas, como se estivesse em “stand-by”. Mas hoje, vamos nos ater ao ato de comer, tão prazeroso, mas nocivo quando não usado com equilíbrio, tanto é que a indigestão, até a metade do século XVIII, era um problema gravíssimo. Hoje é a obesidade que vem fazendo inúmeras vítimas.

Desde a Antiguidade, os preceitos médicos tinham muita preocupação com a alimentação, uma vez que existiam pouquíssimas opções de tratamento. A saúde do paciente era monitorada pelo que comia e bebia, principalmente. Podemos ver a veracidade de tal afirmação nos receituários gregos, chineses e árabes de antigamente.

No Brasil colonial, eram comuns duas formas de comer, cuja variação dava-se de acordo com o bolso do faminto: à mesa, usando talheres, ou no chão, fazendo uso das mãos para apanhar o alimento. O que não significa que em casas abastadas, muitos senhores também não comessem com os cotovelos varando a mesa e o prato seguro pelos joelhos.

D. João VI, dono de um apetite insaciável, ao chegar ao Brasil com a sua corte, trouxe certa polidez ao ato, embora não tenha sido uma figura digna de dar aulas de boas maneiras, uma vez que gostava de comer com as mãos e armazenar comida nos bolsos, até mesmo pedaços de frango.

A maneira como se come, o que se come, onde e com que frequência, diz muito sobre cada um de nós. E podemos ver tal verdade no comportamento de nosso D. João, que era um homem cheio de medos, depressivo, tímido, indeciso, vestia-se mal e usava a terceira pessoa para referir a si mesmo, exatamente como faz o nosso Pelé. Assim o imperador dirigia-se a seus subalternos:

– Sua majestade quer dormir!

Segundo as más línguas, o ato de comer era a válvula de escape do soberano português, inconformado por ter deixado Portuagal, que chegava a comer seis frangos durante o dia, com as mãos. Mas sua mãe, D. Maria, muito refinada, tratou de passar a sua cultura para o rol dos endinheirados, à época. Até hoje, ainda há neste país, muita gente pobre comendo com as mãos, assim como faz a maioria dos indianos.

Aos nossos costumes e hábitos, herdados dos indígenas e negros, foram agregados os da Europa: massas italianas, queijos do reino, azeitonas em latas, champanhes e vinhos, assim como muitas especiarias exóticas, deixando a culinária tupiniquim mais e mais refinada. E, com isso, a mesa passou a conquistar um lugar de destaque na vida social.

Houve um tempo em nossa história, em que a faca era usada apenas pelos homens, enquanto mulheres e crianças manejavam os dedos das mãos, com maestria, na captura e no destrinchar dos alimentos. Os próprios dedos serviam de garfo para homens e mulheres. Sem falar que uma pessoa podia se servir do prato vizinho com as mãos.

Um fato interessante era que, ao ser convidado para um jantar, cada conviva devia levar a sua própria faca. Fico me perguntando se, ao término da refeição, essa era enrolada num pano e colocada no bolso, ou se a anfitriã, após a limpeza da cozinha e vasilhames pelas criadas, viesse até a sala, com uma cesta de facas, perguntando:

– De quem é esta? E esta? E mais esta?

Houve um tempo em que as regras de etiqueta evoluíram para um nossense total, a ponto de, muitas vezes, as pessoas renunciarem ao convite feito, por não saber lidar com tanta parafernália. Eram diversos talheres, pratos e copos usados para isso e aquilo. Ainda hoje, tais exibicionismos são vistos em refeições glamourosas, onde as aparências têm muito mais a ver, do que o sabor dos alimentos, num troca-troca de pratos, talheres de copos, capaz de deixar qualquer um enlouquecido, com medo de cometer uma gafe.

As grandes transformações da vida moderna vêm deixando tudo mais prático. O “self-service” e o chamado jantar americano são lugares comuns nos dias de hoje, pois “nos tempos de murici é cada um por si”, sem ficar dando trabalho aos outros, e se passando por aluno dos “refinados” colégios franceses.

Nota: Imagem copiada de http://etiquetaeumpoucomais.spaceblog.com.br

Fontes de pesquisa:
1- Gastronomia é História / Maria de Lourdes Barreto Carneiro/ Cristina Couto
2- 1808 / Laurentino Gomes

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