Autoria do Prof. Rodolpho Caniato
O que tradicionalmente entendemos por “escola” é o lugar em que formalmente nos ensinam conhecimentos. Quero me referir aqui a uma coisa que já tenho chamado em outra ocasião de protoeducação. Há um grande número de coisas que aprendemos sem que ninguém nos tenha dito que deveriam ser dessa ou daquela maneira; sem que nada de formal nos tenha sido dito. São coisas que, mesmo sem que alguém nos tenha falado, incorporam-se aos nossos hábitos e à nossa maneira de ser e de agir. Isso, no entanto, faz-se pelo convívio em um “ambiente” em que esses valores presentes se incorporam pelo hábito e pelo exercício. Esse exercício deveria ser proporcionado desde a pré-escola, mas nossa pré-escola, quase sempre, limita-se, quando existe, a cuidados de higiene e alimentação, quando não apenas de “depósito” temporário.
Desde cedo, nós precisamos adquirir ou consolidar hábitos de respeito às pessoas, às coisas, especialmente públicas, à gestão de nossas coisas e às normas de convivência. Deveria começar aí um convívio com pessoas preparadas para esse nível da EDUCAÇÃO. Não é incrível que, para que os animais adquiram hábitos que deles esperamos, sejam empregadas pessoas com formação específica, e não exigimos qualquer preparação específica para que os professores saibam ensinar seres humanos a viver em sociedade e construir seu próprio conhecimento?
O crescimento cada vez mais vertiginoso do conhecimento e das tecnologias força-nos numa direção de que a escola, no mais das vezes, nem sequer se deu conta. Não vamos poder continuar a pensar na escola como o lugar em que ensinamos todos os programas. Programas rapidamente se tornarão obsoletos ou inúteis. A escola deverá ENSINAR a APRENDER e a AGIR (empreender) em lugar de fazer os inúteis discursos sobre conteúdos e, pior ainda, inúteis discursos sobre como deveremos agir. Curiosamente a EDUCAÇÃO como instituição é a que menos se tem atualizado e a que mais resiste a compreender uma coisa simples: não aprendemos a nadar ouvindo discursos sobre natação, ainda que fossem feitos por campeões olímpicos.
Na nossa escola de Ensino Fundamental existe um descalabro reinante. Esse baixíssimo rendimento se deve basicamente ao despreparo tanto na competência docente quanto na postura frente aos alunos. Esses fatos ficam muito agravados pela permissividade da escola aos maus hábitos trazidos da rua. A ESCOLA, por falta de preparo docente e institucional, se tornou permissiva e tolerante com a burla, com as pequenas fraudes e com a violação das regras de convívio civilizado. Em lugar de a escola irradiar cultura ela passou a ser invadida pela cultura da rua.
Muitas vezes se cultiva o “mito do alto nível”, a ideia de que se está estudando algo muito complicado pela incapacidade de fazer as coisas mais entendíveis. Parece que se cultiva o complicado pelo “status” conferido pelas coisas “difíceis”. Muitas vezes também os alunos ajudam a cultivar esse “mito do alto nível”. Coisas complicadas parecem conferir “status” a quem as ouve, mesmo que as não entenda. Essa é uma postura que indica e acentua o “sub” desenvolvimento. Até altos índices de reprovação ajudam, às vezes, a cultivar o mito do “alto nível”. Física e Matemática são áreas que sofrem particularmente dessas “enfermidades”. Uma das razões para os altos índices de rejeição dessas disciplinas é a abordagem inadequada e frequentemente devida ao pouco preparo docente.
Nosso ensino é feito quase que exclusivamente pelo discurso do professor. Quase nada fica do quase tudo que pensamos ter ensinado, quando se usa o “método” apenas discursivo ou de copiar do quadro negro. Lamentavelmente, a única coisa que não sofreu qualquer modernização no último século, especialmente no mundo “sub” desenvolvido, é a forma da aula. A presença de computadores ou de modernos meios de “multimídia” não significa muito, se não estiverem presentes aqueles ingredientes indispensáveis à construção ativa do conhecimento. Construção do conhecimento exige vontade do educando, desafio à sua inteligência, alguma forma de ação, o prazer lúdico da descoberta, discussão, verbalização dos próprios argumentos. Aprender a calar para ouvir argumentos dos outros também faz parte desse processo de construção que deve ser orientado pela necessária competência do professor.
Nota: texto extraído do livro “Nossa Escola Quase Inútil”, 2006, inédito
Imagem: pormenor de A Escola de Atenas, obra de Rafael Sanzio.
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