Arquivo da categoria: Ditos Populares

A sabedoria popular está presente em todas as línguas, sendo expressa através de várias maneiras: provérbios, adágios, sentenças, aforismos, parêmias, apotegmas, anexins, rifões, ditos e ditados populares.

SEM NEM ABANAR O RABO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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A minha amiga Mariciana Gota Santa procurou-me hoje, babando de raiva, no intuito de buscar consolo. Relatou-me a revoltosa figura que certa prima, para quem ela desencavara um marido a duras penas e que vivia antes numa deprê do cão, agora se encontrava no bem bom, havia passado por ela sem nem abanar o rabo. E declarou mais isso e mais aquilo, desfiando um rosário de desagradecimento, embófia e cavilagem. Se tudo fosse veridicidade, a tal prima era uma persona desalmada, uma mal agradecida dos diabos. O melhor remédio seria manter o afastamento dessa  figura molesta por todo o sempre.

Quando minha amiga se foi, carregando seu fardo de pesadume e enfezamento, eu me pus a pensar em qual seria o propósito que leva uma pessoa a ser tão insensível e ingrata como a tal prima, capaz de cuspir no prato que comeu? Mas voltando ao dito popular, qual foi a causa de o rabo entrar nesta história, se humano não tem nem um rabicó, nem mesmo um cotozinho?

Fato é que esta palavra tem sido creditada a certas figuras que andam dando isso ou aquilo a torto e a direito, o que não é o caso aqui. É sabido que antigamente a palavra “abanar” que significa sacudir de um lado para o outro, vascolejar ou balouçar não se referia ao rabo dos bichos como termo pejorativo. O caso era bem outro.

No século XIX, nas casas endinheiradas, onde se reuniam muitos convivas — e mesmo na falta desses —, durante as refeições os pobres escravos — todos uniformizados para mostrar a finesse da família — ficavam próximos à mesa, sacudindo uma vara flexível que trazia na extremidade um pedaço de tecido transparente, papel ou palha entrelaçada para espantar as moscas e refrescar os comensais, uma vez que ainda não  existia ventilador e inseticidas. Esse objeto escalafobético recebeu o nome de “abano”. Os escravos sofriam com tanto abanamento. Era uma abanadura dos diabos.

O “abanar o rabo” de minha amiga ou da prima dela — sei lá, pois não faço parte da história — no entanto, nada tem a ver com a abanação dos escravos, significando: sem lhe dar importância ou confiança ou, como diria minha santa avozinha: “A moça ficou metida a biscoito de sebo, agora que arranjou um marido rico.” Vixe! Eu, particularmente, se não me abanam o rabo, não dou a mínima. Há muito aprendi a deixar de lado minha suscetibilidade e jogar certas figuras no baú do esquecimento. Ostracismo nelas!

Coitada da minha amiga Mariciana Gota Santa, ela ainda não compreendeu que “O dia do benefício é a véspera da ingratidão” e ainda sofre por quem não vale um tostão furado. Se no seu lugar estivesse, mandaria a tal prima lamber sabão.

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QUEM MUITO ABAIXA A BUNDA APARECE

Autoria de Lu Dias Carvalho bunda

Este é um ditado muito comum, conhecido em todo o Brasil, apresentando pequenas variações, tais como: “quem muito abaixa o cu aparece” ou ainda “quem muito abaixa mostra a bunda”.

O ditado em questão originou-se da expressão “quem muito se abaixa, oculto padece”, mas como a língua tem essa capacidade fantástica de modificar-se através dos tempos, pois ela é viva, moldando-se ao sabor dos ventos e das culturas,  o “oculto padece” cedeu lugar à “bunda aparece” que possui um som semelhante. Talvez seja porque nos dias de hoje essa parte carnosa de nossa anatomia anda em alta, abundando e desbundando sem nenhum acanhamento, podendo se abaixar à vontade.

E por falar em abaixar-se, estupefata fiquei eu, ao saber que certas garotas abrem mão de determinada peça interna do vestuário feminino, responsável por cobrir e proteger os “países baixos”, quando estão nos bailes funks, apesar do sobe e desce dos requebros e dos micros vestidos. É o fim do mundo! – diria minha avó Otília, se viva estivesse, mas cada um é  cada um.

Voltando ao dito popular “quem muito se abaixa a bunda aparece”, tão comum no Brasil, trata-se de uma alusão às pessoas que se tornam servis em demasia, abrem mão de qualquer pensamento crítico, para agradar outrem, sem nunca expor as suas próprias convicções, seus pontos de vista. O resultado desse rebaixamento moral é que elas acabam perdendo o respeito dos outros por si próprias,  sujeitando-se a abusos de todo tipo, pois quem não se respeita jamais será respeitado, onde quer que se encontre. Portanto, não se abaixe ao ponto de deixar a bunda aparecer. Respeite-se!

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OS PROVÉRBIOS E AS CULTURAS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Quase todos os mesmos provérbios ou semelhantes, ainda que com palavras diferentes, encontram-se em todas as nações; e a razão é que os provérbios nascem da experiência, ou seja, da observação das coisas, as quais são as mesmas ou semelhantes em todos os lugares. (Francesco Guicciardini)

Todas as máximas têm máximas opostas. Os provérbios deveriam andar aos pares, cada um representando uma faceta da vida. (W. Matthews)

Parece-me, Sancho, que não há ditado que não seja verdadeiro, porque todos são observações retiradas da própria experiência, a Mãe de todas as Ciências. (Cervantes)

A sabedoria popular está presente em todas as línguas, sendo expressa através de várias maneiras: provérbios, adágios, sentenças, aforismos, parêmias, apotegmas, anexins, rifões, ditos e ditados populares. É interessante notar como os provérbios foram difundidos através dos tempos: na forma oral, na forma escrita, no espaço local, no espaço nacional e no espaço internacional.

O provérbio apareceu bem antes da história da escrita, sendo transmitido, ao longo dos séculos, através das tradições orais dos mais diferentes povos. A sua existência é tão remota que exemplos de sua existência datam de 2600-2550 a.C. O romancista, dramaturgo e poeta espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616) dizia que os provérbios são frases curtas extraídas da longa experiência. Certo dito holandês de que os provérbios são os filhos da experiência cotidiana corrobora com Cervantes. O idioma ioruba dá ainda uma abrangência maior ao adágio ao exprimir que os provérbios são os cavalos da fala. Portanto, não causa surpresa o fato de estarem presentes em todas as culturas.

Segundo pesquisas, o humanista Erasmo de Rotterdam foi um dos mais conhecidos colecionadores de provérbios. E ele, por sua vez, diz que Aristóteles foi o primeiro a  entregar-se a tal tarefa. O filósofo levava sempre um caderno consigo, no qual recolhia os ditos populares. Já mais próximos de nós, Shakespeare e Cervantes também tinham grande admiração pelos provérbios, como mostram suas obras.

Os provérbios expressam, com poucas palavras, conhecimentos adquiridos pela sabedoria popular ao longo dos tempos, através da observação. Eles devem ser analisados sempre dentro de um contexto, para que sejam mais bem compreendidos, pois possuem um uso instantâneo em ocasiões propícias. Trazem em si diversas funções: solucionar um mal-entendido; dar conselhos; ensinar regras para se viver; pôr um ponto final numa discussão; usar de ironia; dar prosseguimento a um diálogo; ou dizer uma verdade que o emissor não quer dizer diretamente ao receptor, mas deseja levá-lo à reflexão.

Num provérbio pode estar embutido:

  • um conselho: Em vez de dar o peixe, ensine a pescar;
  • um aviso ou previsão: Quem não ouve conselho, ouve coitado;
  • uma observação: Em boca fechada, não entra mosca;
  • uma afirmação abstrata: A união faz a força;
  • uma experiência concreta: Quem planta e cria, tem alegria.

Nos tempos atuais não resta dúvida de que a importância dos provérbios foi reduzida nas culturas onde predomina a escrita, mas eles ainda persistem com força. Estão na Bíblia, no Corão, no Talmude, nos Vedas, nos textos poéticos, políticos ou religiosos. Nas culturas orais os provérbios encontram-se nas citações dos chefes e anciãos que citam seus ancestrais como seus representantes. Eles sempre se iniciam com as palavras: “Como diziam nossos antecipados…”. Essas pessoas são respeitadas e admiradas pelo vasto conhecimento de provérbios que detêm, sabendo utilizá-los no momento necessário.

É fantástica a capacidade que os provérbios populares possuem ao condensar numa pequena frase uma grande dose de sabedoria popular. A universalidade das mensagens que muitos desses provérbios encerram é outra característica interessante. É possível encontrá-los, com o mesmo sentido, nas mais diferentes culturas e línguas, o que torna muito difícil conhecer a origem de cada um deles. Os provérbios demonstram o quanto as culturas em todo o mundo possuem em comum, embora exista a ideia de que são as diferenças que as concebem.

É fato que os provérbios também contradizem entre si, pois, assim como a vida é cheia de contradições, eles não poderiam omitir a dualidade. O emissor faz uso desse ou daquele provérbio de acordo com o contexto em que se encontra inserido num determinado momento. São as circunstâncias as responsáveis pela escolha do provérbio, de modo que cada um puxa brasa para a sua sardinha. A exemplo de: “Deus ajuda quem cedo madruga” / “Mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga”.

Fontes de pesquisa:
Provérbios e Ditos Populares/ Pe. Paschoal Rangel
A Sabedoria Condensada dos Provérbios/ Nelson Carlos
Nunca se Case com uma Mulher de Pés Grandes/ Mineke Schipper

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