Arquivo da categoria: Janelas pro Mundo

Artigos excêntricos de diferentes partes do mundo

ÍNDIA – A PRESENÇA DA HENA NOS RITUAIS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Segundo o dicionário Aurélio, “ritual” significa “Conjunto de práticas consagradas pelo uso e/ou por normas, e que se deve observar de forma invariável em ocasiões determinadas”.

A sociedade hindu é uma das mais ricas em rituais, sendo que a hena, tinta castanho-avermelhada feita com a casca e folhas secas do arbusto do mesmo nome, é muito empregada. É o elemento principal em quase todos os rituais hindus. É também usada para tingir cabelos, ou em xampus e outros cosméticos, sendo muito apreciada no Ocidente. Tal produto também está presente na vida da mulher hindu, nos momentos mais significativos de sua vida, desde o nascimento, casamento e gravidez, assim como nos cuidados com o corpo e os cabelos.

Antes do casamento, a noiva hindu é rodeada por amigas e pela ala feminina da família, recebendo maravilhosos desenhos de hena no corpo, cuja confecção pode durar dias. É a chamada cerimônia do Mehandi Rat. Enquanto a cerimônia acontece, a noiva vai recebendo conselhos que lhe ensinam a ser uma boa esposa. Tudo voltado para agradar o futuro marido, pois ela está deixando de ser uma moça solteira e se transformando numa mulher adulta, ou seja, numa esposa dedicada e servil a seu homem.

É comum, ao mudar para a casa do marido, a esposa só fazer serviços domésticos quando os desenhos de hena desaparecem de seu corpo, tempo que lhe é dado para se familiarizar com a nova casa e seus membros. Quando o marido morre, a viúva só poderá usar tal ornamento, se decidir ser cremada junto com ele. Caso contrário, nunca mais poderá voltar a usá-lo.

Durante e após a gravidez, a hena é muito usada pela mulher, pois a tradição reza que os seus desenhos evitam o mau-olhado e detém os maus espíritos, livrando a mulher de sintomas comuns, ligados à espera e ao nascimento da criança (depressão pós-parto, etc), assim como fortalece e protege o bebê após o nascimento, contra os maus espíritos.

Athavans, que inclui também o ritual chamado de God-Bharaia (ou Godh Bharna, que celebra a primeira gravidez) é a cerimônia feita no oitavo mês de gestação (algumas pesquisas dizem que é no sétimo). A família, primeiro faz um belo desenho no chão da entrada da casa com farinhas e areia coloridas. A grávida é lambuzada com óleos e essências e banhada em água perfumada, vestida com roupas e ornamentos novos, e decorada com belíssimos desenhos de hena nos pés e nas mãos. Ela é colocada em um acento especial, e suas amigas e parentas femininas cobrem o seu ventre com doces, flores e frutas. Depois há uma grande festa. A grávida permanece em descanso, só podendo voltar aos afazeres, depois que a tatuagem for apagada normalmente.

O parto é outro ritual à parte. A parturiente, antes de entrar na sala de parto, traz no corpo, pintado com hena, vários símbolos de proteção. Após o nascimento do bebê, as pontas dos pés e as mãos são pintadas com hena, numa cerimônia chamada de Jalva Pujani.

Após os nove dias que precedem o parto, a mulher é mantida isolada com seu bebê, sob os cuidados de parentas,  para que o isolamento ajude na sua recuperação e lhe dê força física e equilíbrio emocional, durante o estabelecimento dos laços maternos e da lactação. Mãe e bebê deixam seu refúgio no décimo dia após o parto. Ocasião em que participam da cerimônia Suray, onde a criança é mostrada ao sol e à comunidade pela primeira vez.

O Namakarana Samskar é o ritual do batismo, realizado 12 dias após o nascimento da criança. O pai pronuncia o nome dela em seu ouvido direito. Em algumas regiões, é permitido à mãe acompanhar o ritual. As palavras “Hari Sri Ganapataye Namah Avignamastu” são escritas com um pedaço de ouro, na língua do bebê (simbolicamente, penso eu), assim que ele completa 3 ou 5 anos. Cabe à criança escrevê-las (guiada por outrem, com certeza), com seu dedo indicador, passando por grãos de arroz cru, colocados em um pote de metal. Esse ritual celebra a apresentação da criança à escrita. Geralmente realiza-se nos templos dedicados a Saraswati, divindade da sabedoria e do conhecimento.

Segundo explicações encontradas, a hena é considerada um agente purificador das impurezas provindas do processo do parto, e suas propriedades antissépticas naturais podem ter relação com este costume, uma vez que em regiões desérticas mais carentes do Rajastão, onde água limpa é um artigo raro, a hena era usada na purificação do bebê e da mãe.

(*) Imagem copiada de http://vaisnavisanga.blogspot.com.br

Fontes de pesquisa:
Textos de Rosana Araújo (rosanaraujo.arteblog.com.br)
Referência: Catherine Cartwright-Jones ”The Functions of Childbirth and Postpartum Henna Traditions”

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ÍNDIA – A LUTA DOS PANTERAS DALIT

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Em Bombaim, o poderoso discurso do dr. Ambedkar, ao se converter ao Budismo, é adotado pelos intocáveis instruídos, num movimento militante que se autodenomina Panteras Dalit.

 Cansados, após longos séculos de sujeição a todas as castas, esses dalits rebelam-se, usando o mesmo caminho de Gandhi: a desobediência civil. Conscientizam-se de que não é mais possível aceitar o engodo de que inexistem. Truque usado pela fraqueza das autoridades indianas e pelo poder do braço forte do hinduísmo, para lhes negar qualquer tipo de direito, quer como cidadãos ou como seres humanos. Não é mais possível serem fantasmas que necessitam de comida, abrigo, saúde e educação.

Os Panteras Dalit reagem contra o entulhamento subumano em que se encontram nas favelas e calçadas das ruas de seu país, fazendo uso da água de esgoto, limpando excrementos humanos, trabalhando como coveiros, lixeiros e vendo seus filhos e idosos mendigarem pelas ruas, sendo enxotados como cães sarnentos, onde quer que estejam. Eles possuem agora a consciência de que “não” valem muito menos de que uma vaca, um macaco, ou outro bicho qualquer, dentro do próprio país. Reagem à cegueira que lhes impõe a sociedade indiana em relação ao saber, quando os impede de ter acesso à educação, como se fossem animais soltos no mato.

Não é mais possível aceitar viver num país que se diz democrático, sem usufruir dos direitos de cidadãos livres.  Lutam para romper com um sistema de servidão, que dura mais de 3.000 anos. Não dá mais para ser “a poeira debaixo dos pés de Brahma”, ou o desaguadouro dos dejetos da estupidez humana, que lhes nega até mesmo o acesso aos templos hindus, onde poderiam descarregar suas dores diante do que consideram divino. É preciso reagir contra os estupros feitos contra suas mulheres e crianças, contra os barracos queimados, porque a crença diz que não podem ter moradia e é preciso pagar a dívida do Karma. Dívida essa, nunca contraída, mas criada pelos poderosos espertalhões das castas altas.

 A vigência da Constituição, em todos os seus artigos, precisa ser efetiva. Chega de leis que não passam de espectros, quando o que vigora de fato é o poder dos brâmanes e dos xátrias em todo o país, que eles ousam, absurdamente, chamar de democrático. A luta pelos direitos civis dos intocáveis encontra motivação nas campanhas dos negros americanos e na dos sul-africanos. Se eles podem, os dalits também podem e devem lutar pela  dignidade de serem respeitados como cidadãos.

As raposas vorazes não querem dividir o osso, é fato, e ainda contam com a cegueira do Ocidente, que age como se fora os três macaquinhos chineses (não ouço, não vejo, não falo), optando por não se intrometer. A omissão é a resposta certeira dos egocêntricos. É preciso colocar-se em guarda contra a possibilidade de “essa gentalha” ter direitos, pensam os finórios encastoados, alegando que essa gente não existe, não ocupa lugar no país, é invisível, fantasmagórica e deverá continuar a sê-lo, pois é poeira  e no lixo deve ficar. A luta é encarniçada, com o sangue dos intocáveis banhando o solo do país da suposta “espiritualidade”, num paradoxo maluco e bizarro sem precedentes na história humana.

Juntos ao dr. Ambedkar, centenas de milhares de párias convertem-se ao Budismo. Muitos outros buscam o Islamismo e mais outros o Cristianismo. E, mesmo ali, ainda sentem o peso velado do preconceito. Pois as tradições hindus possuem tentáculos nas entranhas de toda a sociedade indiana. O sistema, dirigido pelas castas altas, usa suas garras afiadas para não permitir o rompimento dos elos da corrente de aço que separam os grandes dos pequenos. Há muito poder em jogo. A partilha mudaria a direção da correnteza. É inadmissível a mudança da ordem das peças do tabuleiro indiano, pensa os grandes. Não se permite alteração no jogo, quando se está ganhando. Rei é rei e peão é peão. E a rainha (Constituição) tem medo de usar sua liberdade de movimento.

 A poeira é apenas pó e pronto! É preciso dizimá-la antes que se transforme numa tempestade como as vistas no Saara. Para isso, o ódio sai a campo na terra da “espiritualidade”, fazendo dezenas de milhares de vítimas, que novamente voltam ao pó, de onde jamais deveriam ter saído, pensam eles – os ricos. Qualquer tipo de atrocidade é justificável, para escorraçar os cães nauseabundos e famintos, de modo que reconheçam o lugar que lhes foi reservado há mais de 3.000 anos. É muita  cara de pau,  exigirem o que não  merecem, se nada são, como definem os  costumes e as tradições  de um povo tão  “espiritualizado”.

Aldeias dalits são incendiadas. Mulheres e crianças estupradas. Homens dalits são aprisionados em emboscadas. Seus líderes ameaçados de terem a cabeça decepada, se continuarem a insistir na busca por direitos que nunca possuíram. A poeira tenta resistir ao vendaval, invadindo templos, tentando quebrar o elo de milhares de bizarras tradições, paridas para tornarem os dalits, párias de um país, onde abunda a “espiritualidade”, somente visível para os tolos. A poeira torna-se mais densa dando cria a líderes dalits em todo o país.

 Dalits são queimados, mas do pó de seus ossos nasce a coragem de seguir adiante e a certeza de terem sido os primeiros habitantes da Índia, muito antes da invasão do país pela raça ariana. Não mais aceitam a inferioridade como uma causa divina, mas como uma cilada preparada pelos descendentes da raça branca em conluio com o hinduísmo. Tampouco, aceitam a dor e o sofrimento como únicos direitos que possuem em vida. Exigem o cumprimento da Constituição indiana. Mas as castas ricas não arredam pé. São mais fortes, possuem o comando do país.

 Uma tocante “Carta dos Direitos Humanos dos Dalits” foi redigida com fortes apelos à ONU e à Comunidade Internacional. Acreditavam os intocáveis que o mundo, ao tomar conhecimento das atrocidades por eles sofridas, tomaria posição.  Expectativa que não se consumou. As leis do país continuam imorais, de modo que as sentenças variam de conformidade com as castas. Tampouco a Constituição garante aos intocáveis os direitos mais elementares necessários a um ser humano.

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ÍNDIA – A LUTA DOS ATIVISTAS DALITS

Autoria de LuDiasBH

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Apresento aos leitores o resumo da entrevista feita por Graciela Selaimen (Rets) e Anupam Wankhede (ativista da Campanha Nacional pelos Direitos Humanos dos Dalits) sobre a luta dos dalits para romperem com os grilhões em que se encontram aprisionados.

Ser considerado um “intocável” e sofrer discriminação por conta da sua casta é uma realidade para milhões de dalits na Índia. Eles são considerados quase subumanos, sujeitos aos trabalhos mais degradantes. Seus direitos são sistematicamente submetidos a violações. São chamados de “intocáveis” porque, para muitos hindus, quem toca em um deles (ou até mesmo fica debaixo de sua sombra) fica impuro.

Desde 1998, grupos de dalits uniram-se na coalizão chamada Campanha Nacional pelos Direitos Humanos dos Dalits – uma plataforma sem vínculos políticos, liderada por ativistas dalits na área de direitos humanos. Suas demandas são por direitos à habitação, à educação, à terra e ao trabalho, à igualdade de gênero, à vida com segurança e ao emprego.

Entender o que significa ser um dalit é praticamente impossível para uma cabeça ocidental – assim como entender o sistema de castas que segrega pessoas com se nada de anormal houvesse. Eis a entrevista:

Rets – Você poderia nos dar uma breve explicação sobre a situação dos dalits na Índia, a história e as tradições que estão por trás desta condição social? O que é ser um intocável?

Anupam Wankhede – Ser um intocável significa que você não pode ser tocado, não pode tocar em ninguém e que as pessoas de outras castas devem sempre manter distância de você. E que está em último lugar na sociedade.

Rets – Mas hoje em dia isso ainda é levado em conta?

Anupam Wankhede – Na Índia rural, principalmente, os dalits são intocáveis e ignorados pelas outras castas. Assim, há grupos de dalits de diversos lugares do país que protestam contra essa situação. A Constituição da Índia não reconhece esse sistema de castas que impõe a “intocabilidade”. Nós protestamos contra a discriminação e queremos ser reconhecidos, queremos nossa dignidade, como têm as outras classes sociais.

Rets – Então, oficialmente, o país reconhece os direitos humanos dos dalits, mas, apesar disso, eles continuam sendo violados. Como os movimentos sociais e as organizações da sociedade civil apoiam a luta dos dalits por seus direitos?

Anupam Wankhede – As organizações da sociedade civil ajudam as organizar os grupos de dalits por todo o território indiano, apoiando nossa articulação na luta contra as classes mais altas, que ainda nos discriminam.

Rets – O que vocês conseguiram alcançar com este movimento? Alguma mudança, alguma evolução na maneira de pensar das elites?

Anupam Wankhede – Sim. Antigamente, eram raríssimos os dalits que tinham acesso à educação e eram impedidos de sair dos seus lugares de origem. Mas, ao longo dos últimos 35 anos, as coisas começaram a mudar. Eu sou um exemplo disso. Eu sou um dalit, e consegui estudar. Hoje estou na universidade, estudo Direito. Os dalits estão conseguindo sair do lugar da exclusão e adquirir educação, conhecimento, trabalho, poder. E nós, que conseguimos essas coisas, tentamos estender estes direitos aos outros de nossa classe social.

Rets – Como é a situação das mulheres dalit? Porque na Índia, a situação da mulher já é, tradicionalmente, de exclusão. Para as mulheres dalit, a exclusão deve ser ainda mais radical…

Anupam Wankhede – Na verdade, na Índia já é difícil ser mulher, mas ser uma mulher dalit é ainda pior. Em muitos lugares na Índia, ser mulher ainda significa ser inútil. Ser uma mulher dalit é a pior situação possível, em nossa sociedade.

Rets – Quais são as piores formas de constrangimento impostas aos dalits?

Anupam Wankhede – Nós somos segregados em lugares públicos. Em um hotel ou restaurante, por exemplo, não podemos fazer refeições com as pessoas de outras classes, se usamos um copo ou talher, nós mesmos temos que lavá-lo. Ninguém quer lavar um copo usado por um dalit.

Rets – E quanto aos direitos humanos e sociais? Acesso à educação, serviços de saúde, trabalho?

Anupam Wankhede – Também nesse sentido somos discriminados. Nós continuamos sendo ignorados nos lugares onde são oferecidos serviços públicos – de uma maneira ou de outra.

Rets – E como o governo assegura aos dalits os serviços sociais básicos, como educação e saúde?

Anupam Wankhede – A Constituição assegura aos dalits 25% de ocupação em cargos no governo (embora uma parte dos cargos reservados continue vazia) e vagas para utilização dos serviços públicos. Além dos espaços governamentais, há diversas ONGs que lutam pelos direitos dos dalits e pelo seu acesso aos serviços básicos. Apesar destas garantias na Constituição, na hora de exercermos os direitos na prática ainda sofremos muito – às vezes, com violência física.

Rets – E como se sabe quem é dalit?

Anupam Wankhede – Antigamente, tínhamos que andar com sinos ou chocalhos para avisar que estávamos nos aproximando, para que as pessoas de outras castas pudessem nos evitar. Isso já não acontece – pelo menos, nas cidades. Não há diferença física entre pessoas de diferentes castas. Deus não fez as castas, não fez as pessoas diferentes para pertencerem a esta ou àquela casta. Isso foi um sistema criado pelos homens, pela elite – os Brahmans – que queriam dominar os outros. Por isso criaram as castas, para terem poder sobre elas. Deus não inventou isso. Nós nascemos da mesma maneira, morremos da mesma maneira. Eu nasci dalit porque sou filho de dalits (aponta para o pai). Eu luto contra a dominação e a exclusão e tenho amigos que não são dalits, que me aceitam. Eu falo abertamente com eles sobre minha condição, e eles me aceitam abertamente. Mas nas pequenas vilas, nas áreas rurais, isso não acontece. E os dalits de todo o país precisam saber que podem mudar o sistema, que eles têm poder para lutar pela mudança.

Rets – Essa mudança é mais fácil entre as gerações mais jovens?

Anupam Wankhede – Sim, nossa geração, que está na Universidade, que tem informação, está abrindo sua cabeça, pensando diferente da geração de seus pais, questionando o que diz a religião. Nós temos que ter a mudança na cabeça. A Índia vai mudar sua maneira de pensar, um dia.

Nota: Imagem copiada de http://iam2.org/tag/dalits/

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ÍNDIA – A FACE DA ESPIRITUALIDADE

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Que pena, minha terra sem alegria, vestida de andrajos, carregada de sabedoria decrépita. Orgulhas-te de haveres compreendido os enganos da criação. Sentada indolentemente em teu canto, tudo o que fazes é afiar tuas confusões metafísicas. (Rabindranth Tagore)

Mantras – são considerados como sílabas sagradas ou uma série de sons cantados, normalmente em sânscrito. A repetição contínua dos mesmos tem como objetivo parar a mente e imobilizá-la, levando-a ao estado de meditação até chegar à contemplação. Os mantras originaram do hinduísmo, porém são utilizados também no budismo e jainismo. Alguns psicólogos ocidentais acreditam que o mantra possui uma energia sonora, que movimenta outras energias, que circundam quem o entoa. Outra explicação seria a mesma energia usada para o efeito dos mudras: um gesto repetido por tantas pessoas, durante tantos séculos, acabou criando um tipo de caminho energético – que podemos chamar de marca no akasha ou no inconsciente coletivo – que é rapidamente seguido pela psique da pessoa que o executa.

Os mantras nem sempre possuem um significado claro e muitos deles são compostos por sílabas aparentemente ininteligíveis. O mantra mais conhecido é OM (AUM), palavra que dizem conter a chave do universo. OM corresponde às três principais divindades hindus – Brahma, Vishnu e Shiva.

Mudra – é um termo que tem diversas conotações de acordo com o seu uso, significando gesto no Yôga, no budismo e na dança indiana. Os mudras, como gestos, a cada dia são mais numerosos, incorporando-se ao folclore e ao inconsciente coletivo de diversas civilizações. São também usados em algumas técnicas marciais.

Mandalas e yantras – são formas circulares e figuras representativas, padrões geométricos, onde os hindus atribuem estarem encerrados os códigos sagrados da existência. Funcionam como auxílios visuais, para ajudarem os olhos na meditação. São tão importantes na cultura da Índia, a ponto de seus desenhos influenciarem os tecidos e o artesanato do país. Sendo que suas cores definiram os estados psicológicos induzidos pela pintura indiana.

A palavra sânscrita “mandala” significa círculo, uma representação geométrica da dinâmica relação entre o homem e o cosmo. É a exposição plástica e visual do retorno à unidade pela delimitação de um espaço sagrado e atualização de um tempo divino.

Yantra – representação simbólica do aspecto de uma divindade, normalmente a Deusa Mãe ou Durga. Trata-se de uma matriz interconectada de figuras geométricas, círculos, triângulos e padrões florais que formam um padrão fractal de elegância e beleza. Embora desenhado em duas dimensões, um yantra deve representar um objeto sagrado tridimensional. Acredita-se que yantras místicos revelam a base interna das formas do universo. A função dos yantras é ser símbolo de revelação das verdades cósmicas.

Ioga – o corpo inteiro é o campo da ciência da ioga. As asanas, ou posições, destinam a liberar energia. Sendo que o controle da respiração é a prática mais importante da ioga, pois na respiração está a origem da vida. Pregam os mestres iogues que o domínio da técnica de respiração consegue reduzi-la, a ponto de levar o indivíduo a se aproximar da morte.

A Ioga é um conceito que se refere às tradicionais disciplinas físicas e mentais originárias da Índia. A palavra está associada com as práticas meditativas tanto do budismo quanto do hinduísmo. Há dezenas de linhas diferentes de ioga no mundo, que propõem não necessariamente caminhos contraditórios, mas diversos meios para alcançar os mesmos objetivos. Os principais ramos da ioga incluem a raja-ioga, carma-ioga, jnana-ioga, bacti-ioga e hata-ioga. A palavra sânscrita yoga tem diversos significados, tais como “controlar” ou “unir”.

Ayurveda – vê o ser humano na sua integralidade. Afirma que o sofrimento humano possui três aspectos:

  • o físico – aliviado com plantas medicinais;
  • o mental – deve ser tratado com uma série de meditações que levem o indivíduo a encontrar a harmonia consigo mesmo, controlando seu  desassossego destruidor.
  • o espiritual –  só é possível libertar-se dele, buscando compreender a  interdependência entre todas as formas de vida.

Ayurveda é o nome dado à “ciência” médica desenvolvida na Índia há cerca de 7 mil anos, o que faz dela um dos mais antigos sistemas medicinais da humanidade. Continua a ser a medicina oficial na Índia e tem-se difundido por todo o mundo como uma técnica eficaz de medicina tradicional. É conhecida como a mãe da medicina, pois seus princípios e estudos foram a base para, posteriormente, o desenvolvimento da medicina tradicional chinesa, árabe, romana e grega. Houve um intercâmbio de informações com o Japão, que tinha a mesma necessidade dos indianos: criar uma medicina barata para atender às suas populações muito pobres,  e, por essa razão, existe muito da medicina japonesa nos conceitos de ayurvédica. As duas desenvolveram técnicas muito eficientes e de baixo custo para o tratamento.

A doença, para a Ayurveda, é muito mais que a manifestação de sintomas desagradáveis ou perigosos à manutenção da vida. A Ayurveda, como ciência integral, considera que a doença inicia-se muito antes de chegar à fase em que ela finalmente pode ser percebida. Assim, pequenos desequilíbrios tendem a aumentar com o passar do tempo, se não forem corrigidos, originando a enfermidade muito antes de podermos percebê-la.

Vastushastra – o conjunto de tratados indianos de arquitetura que ajuda o homem a viver no mundo exterior, partindo do princípio que o ato arquitetônico original é a Terra, lar de todas as formas de vida. Assim como o Feng Shui da China, o Vastushastra indiano dá-nos a técnica de como harmonizar o ambiente, influenciando nossas vidas e indica a harmonia que se deve ter entre os elementos fora e dentro do corpo, no ambiente de residência ou de trabalho.

Mantras, mandalas e ioga sempre foram usadas, na Índia, com o intuito de levar a pessoa à auto realização. No entanto, nos dias de hoje, a sabedoria milenar vem se reduzindo, cada vez mais, dando lugar às preocupações narcisistas, meramente estéticas, sem levar em conta o conceito do universo como integralidade harmoniosa.

Segundo a escritora Gita Metha, a filosofia anteriormente íntegra e unificadora foi reduzida a práticas fragmentárias, embora o homem devesse ser o guardião de um organismo vivo, responsável pela manutenção de seu frágil equilíbrio, e o resultado é o cenário de desarmonia em que vive a Índia.

Nota: Imagem copiada de http://www.cantodofengshui.com

Fonte de pesquisa:
Escadas e Serpentes/ Gita Mehta

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IÊMEN – MENINA CONSEGUE DIVÓRCIO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Não deixem que suas crianças se casem. Vocês arruinarão a educação delas, e também a infância, se permitirem que se casem tão novas. (trecho da carta escrita por Nujood Ali)

Em 2008, a pequena iemenita Nujood Ali tinha apenas 10 anos. Mas a sua tenra idade não a impediu de buscar, mesmo sozinha, ajuda num tribunal de sua cidade, para se divorciar de um homem com três vezes a sua idade, com quem fora obrigada a se casar por imposição do pai. Fato que ganhou as páginas dos principais jornais em todo o mundo, dando-lhe fama, e que resultou num livro best-seller (co-escrito com o jornalista francês Delphine Minoui) que já foi traduzido em 30 idiomas (com o mesmo título deste texto).

O marido de Nujood Ali obrigou-a a ter relações com ele já na primeira noite, não cumprindo a promessa de que esperaria que ela se tornasse mais velha. Foi um ato de brutal violência. Mas o que espantou a família do marido não foi o fato de ver a pequena ensanguentada, mas a sua reação ao procurar a justiça, pois mulher alguma poderia levantar a cabeça contra o esposo.

Após a violência sofrida, Nujood escapou da tutela do marido e da sogra (talvez por desforra, as sogras são geralmente muito violentas para com as noras, agredindo-as fisicamente) voltando para a casa dos pais. O pai recebeu-a com indignação, alegando que a honra da família exigia que ela cumprisse sua obrigação de esposa. A mãe nada fez. Foi a segunda esposa do pai quem, condoída, deu-lhe dinheiro e a orientou a procurar um tribunal. A pequenina apresentou-se ao juiz, alegando que queria o divórcio. Teve a sorte de contar com a ajuda de uma excelente advogada iemenita, Shada Nasser, especialista feminista dos direitos humanos, cujo envolvimento no caso de Ali recebeu elogios. A história ganhou mundo.

A lei iemenita permite que meninas de qualquer idade possam se casar, mas proíbe o sexo com elas até que sejam consideradas “adequadas para uma relação sexual”, que na gíria brasileira podemos definir como “conversa para boi dormir”, bastando observar o procedimento do pai de Nujood Ali. No tribunal, a advogada Shada Nasser afirmou que o casamento da menina violou a lei, a partir do momento em que ela foi estuprada. Nujood foi categórica ao rejeitar a proposta do juiz, que a aconselhava a retomar a vida junto ao marido estuprador, após um período de três a cinco anos. Em 15 de abril de 2008, o tribunal concedeu-lhe o divórcio.

Nujood Ali viajou para os Estados Unidos, encantando todos com a sua seriedade e segurança. O pai, após ser muito criticado, recebeu a filha com resistência. Ela agora mora com a família e se encontra estudando. Nujood Ali conseguiu romper com uma antiquíssima tradição tribal, ganhando muitos aliados no próprio país e em todo o mundo. Ela é hoje uma bandeira para muitas garotas, obrigadas a se curvarem diante do matadouro em que são colocadas pelos próprios pais.

Alguns meses depois do divórcio de Nujood, Reem, uma garotinha de 12 anos também pediu a separação do marido. Obteve o divórcio. Na Índia, Sunil, quando tinha 11 anos (agora tem 13) ameaçou denunciar os pais à polícia e rachar a cabeça do pai, caso fosse obrigada a se casar com o noivo. Encontra-se estudando. Em Kandahar, um homem apunhalou a jovem esposa de 15 anos por desobedecê-lo. Posteriormente, ela foi morta pelo Talibã.

É lamentável ver crianças lutando por seus direitos. Na nossa mente fica a impressão de que os adultos estão todos adormecidos e omissos, ou voltados para o próprio umbigo.

Trecho retirado do livro de Nujood Ali

A minha cabeça girava sem parar – nunca tinha visto tanta gente junta. No pátio exterior do tribunal, uma multidão movimenta-se em todas as direções: homens de fato e gravata com pastas amareladas dobradas debaixo do braço, outros homens vestidos com a zana, a túnica comprida tradicional do Iémen do Norte, e todas aquelas mulheres a gritar e a chorar tão alto que não se percebe uma palavra. É como se eu fosse invisível. Ninguém me vê. Sou demasiado pequena para todas estas pessoas. Tenho apenas 10 anos, talvez nem tanto. Quem sabe?

As pessoas dizem que os juízes são quem nos ajuda quando precisamos. Por isso, precisava encontrar um juiz e contar-lhe a minha história. Estou tão cansada. Faz muito calor sob o véu, tenho uma tremenda dor de cabeça e estou cheia de vergonha.

Reparo num homem de camisa branca e fato preto a vir na minha direção. Um juiz? Advogado? «Desculpe, senhor, preciso de ver o juiz.» «Por ali, sobe as escadas», responde-me sem sequer me olhar, antes de se perder de novo na multidão. Os meus pés parecem chumbo quando, finalmente, chego ao chão de mármore no topo das escadas.

Vejo um grupo de homens vestidos de uniforme. Se me virem, são capazes de me prender. Uma mocinha que fugiu de casa. A tremer, agarro a ponta do primeiro véu que passa, na esperança de chamar a atenção da mulher por baixo dele. «Quero falar com o juiz.»

Dois olhos enormes com sombra escura olham-me com surpresa.

«De que juiz está à procura?» «Leve–me ao juiz – não me importa qual!»

Ela olha-me, espantada.

«Segue-me», diz por fim. A porta abre-se para uma sala cheia de gente, e ao fundo, por detrás de uma secretária, está um homem de rosto fino e bigode. É o juiz, finalmente. Sento-me, encosto a cabeça no espaldar da cadeira e espero a minha vez.

«E o que posso fazer por você?» Uma voz de homem tira-me do torpor em que caí. É uma voz estranhamente gentil. Esfreguei a cara e reconheci diante de mim o juiz do bigode. A sala está quase vazia.

«Quero o divórcio!»

Fontes de Pesquisas:
National Geographic/ Setembro/2011
Los Angeles Times

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EGITO – OS ZABBALIN E A CIDADE DO LIXO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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O Egito de Cleópatra e dos grandes faraós não é conhecido apenas por suas pirâmides e por sua cultura milenar, mas também pela comunidade dos zabbalin (zabbaleen no inglês), que possui muitos pontos em comum com a vida dos dalits indianos:

  • dividem espaço com os animais nas ruelas;
  •  mulheres e crianças andam descalças;
  • vestem mulambos;
  • a maioria não gosta de ser fotografada ou de dar entrevista;
  • permanecem quase invisíveis e independentes do governo;
  • não confiam nas autoridades;
  • sentem-se isolados;
  • vivem numa pobreza absoluta;
  • não se sentem parte da cidade.

Próxima às pirâmides de Gesé, encontra-se a Cidade do Lixo, brutal não apenas pelas imagens que propicia aos olhos dos visitantes, como pelo bodum repugnante que dela exala. Ali são depositadas sete toneladas de lixo diariamente. E é nesse lugar que vivem os zabbalin, minoria cristã (cristãos cópticos) de um país, onde 90% da população são de muçulmanos. Essa gente, cerca de 30 mil habitantes, vive exclusivamente como coletores do lixo produzido pelos habitantes da cidade do Cairo, coabitando com naturalidade ao lado de moscas, ratos e outros bichos. Os zabbalin já se integraram tanto com o lixo da população do Cairo, que os dejetos invadem suas moradas, sem que eles pareçam incomodados.

Como muitos sabem, o consumo da carne de porco é vedado aos muçulmanos, o que nada tem a ver com os cristãos. No entanto, em abril de 2009, o presidente egípcio ordenou o sacrifício de todos os porcos do país (cerca de 350 mil), alguns enterrados vivos, numa crueldade extrema, com a desculpa de que eles disseminavam a gripe suína, mesmo com o desmentido da OMS. Tal fato levou os zabbalin a entrarem em conflito com o governo egípcio. Tomaram tal medida como uma provocação religiosa aos cristãos.

Os porcos eram parceiros dos zabbalin no trato com o lixo. Eles eram encarregados de comer os restos orgânicos recolhidos pela comunidade. Sem os porcos, o povo zabbalin teve os seus problemas aumentados, pois não consegue eliminar todo o lixo orgânico, o que pode trazer problemas seriíssimos de saúde para aquela população.

Para que os leitores possam avaliar a situação da comunidade dos zabbalin, ela é responsável por 60% do lixo produzido na cidade do Cairo, maior cidade egípcia, mas não recebe um centavo por parte do governo. A sobrevivência dessa gente se dá através da venda, principalmente de plástico e papelão para as fábricas de reciclagem.

Na Cidade do Lixo, todos participam da coleta, desde crianças a idosos. Segundo a reportagem de Carta Capital, normalmente, os homens fazem a coleta e as mulheres e crianças são responsáveis pela seleção. E, na maioria das famílias, apenas o filho mais velho vai à escola. Os outros trabalham o tempo todo, junto aos pais.

Este sistema cruel começou no final da década de 40, quando os camponeses migraram para o Cairo em busca de empregos. Na falta desses, passaram a trabalhar com o lixo. Eles reaproveitam cerca de 90% do lixo despejado ali. E a cidade só faz aumentá-lo.

Os zabbalin, além de serem parte de uma minoria miserável e por isso mesmo discriminados, ainda são vistos com nojo pela população muçulmana, por fazerem aquilo que o islamismo considera intolerável:

  • criar porcos e consumir sua carne;
  • ter contato direto com a matéria orgânica;
  • não observar os costumes islâmicos.

A comunidade dos zabbalin é de grande importância para a cidade do Cairo, que cresce explosivamente no Egito. Deveria contar com toda a atenção possível do governo e da população local. Além de não receber nenhum valor pecuniário por parte das autoridades públicas, tampouco contam com qualquer forma de benefício (escola, saúde, etc). Ao contrário, são esquecidos e desprezados.

Nota: Imagem copiada de http://noticias.r7.com

Fonte de pesquisa:
CartaCapital nº 573

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