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Crítico de Arte – Professor Pierre Santos

A ARTE CRISTÃ MEDIEVAL (1ª Parte)

Autoria do Prof. Pierre Santos

ARCRI

Estamos iniciando as postagens sobre o medievalismo cristão e, para esta primeira investida, nada mais justo do que delimitarmos no tempo, período a período, o desenvolvimento das contribuições dadas ao mundo pelo Cristianismo, em seus cinco períodos bem específicos, concretizados nas artes: Catacumbária, de Libertação do culto, Bizantina, Românica e Gótica.

Arte Paleocristã ou Cristã Antiga (primeiro período) — que se deu do séc. I ao V, em duas fases distintas:

• a Catacumbária, do séc. I ao III, enquanto ainda perdurou a perseguição do Cristianismo pelo Estado Romano, a qual, seu nome já o diz, foi de manifestação subterrânea e não apresenta nenhum desenvolvimento arquitetônico, embora haja criado lindos e comoventes cubículos e arcossólios no mais profundo das catacumbas, nos quais pequenos grupos de pessoas se reuniam para fazer suas preces;

• a de Libertação, que, por falta de tradição arquitetônica ainda, sem ter algum estilo próprio em que se apoiar, buscou seu modelo na Basílica Civil Romana e, como esta, sua solução arquitetônica baseia-se na neutralização de peso e sustentação, adaptando suas feições às necessidades do novo culto. Adotou a planta em cruz latina, de três e às vezes de cinco naves, cobertura plana de madeiramento e decoração em afresco (mais usada) e mosaico.

Arte Bizantina (segundo período) – séculos IV ao XV, tirou seu nome de batismo do nome da cidade onde se instalou, Bizâncio, à qual o Imperador Constantino, logo que se transferiu para lá, deu à cidade o nome de Constantinopla. Esta arte se desenvolveu ao longo de cinco fases:

Período Pré-Bizantino (primeira fase) – de 330, com a mudança da Capital de Roma para lá, até 527, quando teve início o reinado de Justiniano.
Primeira Idade de Ouro (segunda fase) – do séc. VI ao VIII, teve início no reinado de Justiniano, o modernizador de Constantinopla.
• A Fase Iconoclasta (terceira fase) – durante os séc. VIII e IX, quando se deu a proibição do uso de imagens.
• A Segunda Idade de Ouro (quarta fase) – ocupou os séc. IX ao XII, quando se deu a liberação do uso de imagens.
• O Período de Decadência (quinta fase) – que vem do séc. XIII ao XV, ao longo dos quais o estilo paulatinamente perdeu o seu elã, até que, no ano de 1453, os turcos tomam Constantinopla, onde se instalam e dão-lhe o nome de Istambul, deste modo determinando o fim do Império Bizantino.

Características arquitetônicas da Arte Bizantina:
planta em cruz grega, ou seja, de braços equilaterais, cúpula sobre perchinas ou pendentes, com articulação entre o quadrado e o círculo e decoração quase sempre em mosaico, muito raramente em afresco. Não estranhem os nossos leitores em face da especificidade desses nomes todos, pois tudo isto se explicará quando se tratar de cada uma dessas artes.

Arte Românica (terceiro período) – estendeu-se do séc. IX ao XII, ao longo de três fases:

• a de Formação (primeira fase) – acontecida nos séc. IX e X, quando o contexto europeu se viu sujeito a múltiplas influências estilísticas advindas de inúmeras invasões bárbaras acontecidas nas mais variadas regiões;
• a de Expansão (segunda fase) – no séc. XI, quando se definiu o estilo e a Europa cobriu-se de igrejas românicas.
• a de Superação (terceira fase) – que se estendeu até a metade do séc. XII, quando ao Românico foram sendo acrescentados tantos recursos novos, que modificaram a feição do templo e o estilo, assim, evoluiu para o seguinte, que é o Gótico.

A arquitetura Românica retomou a planta em cruz latina, que melhor se presta à articulação do templo, principalmente no período das peregrinações, quando as unidades arquitetônicas da igreja e dos mosteiros tinham que ser o necessariamente amplas, para abrigar os fiéis. Adotou a abóbada de plena Cintra (meia circunferência) cobrindo toda a nave e aumentando a altura do templo. Criou ainda o retábulo, o transepto em plano mais alto para melhor localização e comodidade das irmandades religiosas durante os cultos, a torre lanterna no cruzamento do transepto com a nave, em substituição à cúpula bizantina, para melhor iluminação, e o deambulatório para instalação de várias capelas radiais em torno da abside e atrás do retábulo, cada uma delas dedicada a um determinado santo, onde os peregrinos em suas deslocações constantes podiam encontrar os santos de sua devoção. A decoração das igrejas românicas era feita, grosso modo, em afresco.

Arte Gótica (quarto e último período, com o qual se esgota o medievalismo) – desenvolveu-se do século XII ao XVI, a saber que, quando o Renascimento já ia a pleno vapor em alguns países, o goticismo ainda se arrastava retardatariamente em muitos outros, e também teve cinco fases:

1ª – Gótico Primitivo, ou seja, a de transição entre os estilos, porquanto o Gótico foi a evolução e aperfeiçoamento do estilo anterior, acontecendo ao longo do séc. XII. Definido o estilo, seus arquitetos se deram ao objeto de aperfeiçoá-lo e enriquecê-lo em sua decoração.
2ª – Gótico Lanceolado, no séc. XIII, nome tirado desse elemento decorativo.
3ª – Gótico Irradiante, no séc. XIV.
4ª- Gótico Flamejante ou então Flamboyant, como também é chamado, tendo se desenvolvido no séc. XV.
5ª – Gótico Manuelino, no séc. XVI.

O Gótico manteve a planta de cruz latina, com abóbada quadripartite ou sixpartite com cruzamento de ogivas e arestas, manutenção do transepto e, algumas vezes, da torre lanterna, verticalismo, emprego do arco ogival ou quebrado, criação do arcobotante, gárgulas terminais para escoamento pluvial e decoração em vitral, pois as paredes perderam a função de sustentação, sendo apenas de vedação e puderam ser substituídas pelo vitral.

Ilustração
1. Cubículo da Fractio Panis, séc. II, Catacumba de Santa Priscila
2.Nave e abside da Basílica de Santa Sabina de Aventino, séc. V, Roma
3.Nave e abside da Igreja de Santa Sofia, séc. VI, Constantinopla
4. Ruínas do Mosteiro de Sant Pere de Rodes, séc. XI, Port de la Selva
5. Nave lateral da Catedral de Bourges, séc. XVI, França

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COMO ANALISO MONET

Autoria do Prof. Pierre Santos

      MONET   MONET 1

Ao mirar a pintura, O Terraço em Sainte-Adresse, como de resto os demais quadros de Monet, tenho a impressão de estar vendo a própria vida fluir ante meus olhos. Ora, a vida flui em qualquer lugar e este é tão somente mero anteparo para que ela flua. Assim, não é a realidade que importa, e sim, os patentes sinais da vida a qual ali tem seu lugar, ou seja, que ali acontece. A realidade é sempre passiva, enquanto a vida é a energia que lhe dá sentido e substância. Para o academicismo, é a realidade que importa e somente ela, o mais fotográfico que se possa ser, sem nenhuma interpretação, sem emoção – praga esta, sufocada em equívocos, que continua a grassar no mundo hodierno…

A fotografia é uma espécie de natureza morta, enquanto a energia vital é a natureza viva – e foi esta que o nosso pintor captou. Eis porque seu quadro nunca é uma fotografia, coisa tão pobre, que tanto encantava e ainda encanta acadêmicos. A pintura fotográfica é pintura acadêmica, e o que Monet mais queria era fugir do academicismo. O que ele queria – e, para consegui-lo, teve até que desenvolver uma técnica para tanto própria – era captar a luz da maneira a mais natural que lhe fosse possível. Se a cor é tão somente uma ilusão de ótica derivada da junção da luz solar com a superfície de cada coisa existente, que é feita de pigmentos sensíveis a esta ou àquela tonalidade, e se os raios solares têm em si as três cores puras ou primárias, de cuja mistura as cores secundárias ou binárias derivam, Monet queria, justapondo aquelas, que as cores se fizessem no quadro da mesma forma como se fazem na realidade. Só que os olhos privilegiados de Monet e sua fantástica destreza manual no manuseio dos pincéis foram além desde objetivo, captando a luz em sua integridade e, mais longe ainda, captando a vida.

Nesta ânsia de assim apreender as cores, acabou descobrindo que tudo quanto recebe em si a luz solar, vai mudando, da manhã à noite, de cor, de conformidade com a posição assumida pelos raios solares, na sua transição celeste e na transição natural da vida. Foi essa mudança que ele quis transmitir, quando pintou as suas famosas catedrais.

Há tanta vida nesse pedaço de mundo captado por Monet, que é impossível para esse seu Terraço aí ter um espectador, porque qualquer pessoa que o olhe, de repente é envolvida e se torna participante. Na verdade, porque Monet pegou esse pedaço de realidade e o fixou aí nesse quadro, a energia daquele momento continua aí a funcionar ante nossos olhos atônitos e de tudo que está naquele átimo de tempo, absolutamente atual e espontâneo, sentimo-nos partícipes, muito embora a pintura já seja centenária. E é precisamente nesse jogo de tempo, no transcorrer do qual os acontecimentos se enlaçam, que vamos descobrir o sortilégio dos impressionistas numa paleta que brinca com a realidade e a emoção. Monet era um mágico.

Como, afinal, conseguiu Monet todos esses efeitos em O Terraço em Sainte-Adresse? Simplesmente, levando todos os elementos composicionais, que aí aparecem, a conglomerar-se na dinâmica de sua distribuição, na qual nada deve pesar mais do que deve, sob pena de comprometer o equilíbrio. Nesta matéria, o artista era um mestre consumado. Os recursos aí presentes são óbvios e repletos de naturalidade.

• Para começar, os três tufos à esquerda, com seus pendões e as duas cadeiras da esquerda, compõem com as duas cadeiras e o galho de flores vermelhas em forma de V da direita um arco bem visível, que parece avançar, tal se quisesse abraçar o infinito.

• Por outro lado, é muito importante nesta dinâmica o espaço continente do velho de chapéu panamá, que sói ser o próprio pai do pintor, com a cadeira onde está sentado, pois põe em destaque a base do pé traseiro esquerdo dessa cadeira, que é o ponto rotatório das linhas de força, que formam um leque aberto para a profundidade, como se quisesse envolvê-la na sua expectativa de moção.

• É fácil descobrir aí os elementos componentes desse leque: os tufos com as cadeiras da esquerda formam a parte inicial do leque; o vermelho da bandeira de duas cores, o parquinho de dominância preta, a sombrinha da jovem e a da velha formam o segundo elemento; o velho, o portão acima dele e a bandeira francesa formam o terceiro elemento.

• E, finalmente, as duas cadeiras da direita com as flores em V completam o leque. Estes dados são tão claros e óbvios, que não posso crer não tenha Monet disposto tais formas de propósito e o leque fosse apenas coincidência ou então fruto dos inconscientes ritmos internos do artista…

• Finalmente, se estamos participando do quadro, com presença mesmo, de uma posição logo abaixo do ponto rotatório, chegamos a ter vontade de olhar para trás e cumprimentar Claude Monet, que, virtualmente, deve continuar ali por toda a eternidade (como ante todos os quadros que fez, enquanto viveu), pintando com dedicação e entrega este belíssimo quadro. Isso é pura magia!

Regata em Argenteuil incomoda-me um pouco, porque o lado esquerdo, onde estão os barcos, ao contracenar com o outro lado, onde estão a margem e as construções, perde força, porque o lado direito em vermelho alaranjado nas casas, anormalmente muito aquecido, tem um peso muito maior, em decorrência do que os barcos amarelos, cuja cor, embora seja também quente, é menos do que a outra, alijam-se neste contraste e, perdendo lastro, parece que vão levitar como os pássaros – cuja sensação, está claro, é antinatural. Apesar disso, que coisa encantadora e hipnotizante é esse tremeluzir das ondas, que parece embalar-nos! Assim é Monet: mesmo num dia em que não está lá com essa inspiração e paciência, consegue encantar-nos.

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