COLÉGIO E GINÁSTICA PELO RÁDIO

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Autoria do Prof. Rodolpho Caniato

Eu já havia completado sete anos quando fui para o Colégio Teuto Brasileiro, ou Deutsche Brasilianische Schule. Havia o jardim de infância, ou Kinder Garten, para crianças menores ou que ainda tinham que ser alfabetizadas. Lembro-me ainda das palavras que a diretora ditou para verificar se eu estava mesmo alfabetizado e se sabia escrever palavras simples, também em alemão. Nos primeiros dias minha mãe me acompanhou. A partir daí passei a ir a pé sozinho. Todas as crianças tinham que levar seu material numa bolsa de couro às costas. Ninguém carregava nada nas mãos. A diretora alemã chamava-se Frau Glasennapp.

O prédio do colégio não era grande: uma antiga casa de moradia. Tinha, no entanto, um imenso quintal, o “recreio”, com muitas árvores como carambolas, sapotis, abius e cajás-mangas. A disciplina era germânica. Algumas aulas eram em alemão. Um dos professores, brasileiro, deixou em mim uma marca indelével pela sua  figura.  Era um  homem  grande, muito  bem  penteado  e alinhado: um alvíssimo terno de linho. Tinha uma voz empostada, forte e grave, que causava a impressão de que dele emanava toda sabedoria. Muitos anos mais tarde, já no científico, depois de nossa “diáspora”, voltei a tê-lo como professor. Como me enganara. Quanto pouco havia além daquela imagem que em mim ficara de conhecimento  e sabedoria. A culpa não  era dele, mas  de minha imaginação de criança.

De um modo geral, o ensino no colégio era muito sério. Havia aulas de educação física em que tínhamos que “plantar bananeira”, apoiando as pernas no muro do pátio. Numa das festas de Natal tive que declamar, em alemão, alguma coisa que falava de “Sant Niklas”, o papai Noel alemão. Por essa prosa ganhei um livro de historinhas, em  alemão,  que guardo  até hoje como relíquia entre aquelas memórias. Numa dessas festinhas participei de um coralzinho de crianças que se apresentou no Teatro “Copa”. Alguns  de  nossos  eventos  escolares  se realizavam  no  Forte  do Leme. Numa dessas ocasiões ao ar livre sentei do lado da Mariazinha, primeira “namorada”.

Todas as manhãs meu pai fazia uma sessão de ginástica pelo rádio. Eram as aulas da “Hora da Ginástica” do Professor Oswaldo Diniz Magalhães, famoso professor que dirigia, ao vivo, um programa de ginástica, acompanhado ritmicamente por um pianista, o Paiva, creio que na Radio Mairink Veiga e que mais tarde se propagou em rede de várias emissoras. O programa era também orientado por dois grandes mapas com as fotografias das posições básicas de cada módulo. Um dos mapas indicava ginásticas feitas com um “bastão”: um cabo de vassoura. Meu pai fazia o programa com  uma  regularidade  quase  religiosa.

Eu  fui  arrastado  para o programa e o acompanhei a partir de 1935 até 1938, quando saímos do Rio de Janeiro. Além da ginástica, nos intervalos entre os módulos, o Professor Magalhães fazia uma série de comentários e conselhos que tinham a ver com uma vida saudável, cheia de otimismo e conselhos sobre saúde, comportamento e cidadania. Creio que também devo a esse professor, além de meu pai, uma parte importante em meus hábitos que sempre incluíram a ginástica e uma visão positiva e saudável da vida. Esse professor, carioca do Meyer, prestou inestimável serviço à educação física e à cidadania no Brasil. Seu programa manteve-se no ar por mais de cinquenta anos e valeu-lhe, além do reconhecimento  nacional, uma  estátua  que  está  na  Praça  Saenz Peña, na Tijuca, no Rio de Janeiro.

Nota: Extraído do livro “Corrupira”, ainda inédito, do autor.

2 comentaram em “COLÉGIO E GINÁSTICA PELO RÁDIO

  1. Maura

    Lu
    Perdi minha mamãe há um ano e a dor ainda está enorme. Eu fazia com ela essa ginástica pelo rádio, com um cabo de vassoura, tin tin por tin tin como o autor descreve. Fazíamos no chão da sala, de manhã bem cedinho, ainda estava escuro, víamos o dia raiar pela janela. Minha mãe foi minha melhor (e talvez única) amiga, mas muitas vezes e por muito tempo eu não consegui entender isso. Com ela aprendi a ser organizada e manter tudo limpo; os professores vieram depois reforçar esses hábitos. Aos trancos e barrancos, enfrentando imensa rebeldia (que não existia naquela época), consegui passar alguns desses ensinamentos para minha filha e eles fazem enorme diferença na vida dela. Para você ter uma ideia, ela é a única mulher, dentre as amigas e conhecidas, que sabe cozinhar, a única que não pensa em fazer greve no emprego, a única que vai se oferecer para ajudar os outros quando está sem fazer nada. Aquela semente plantada pelos nossos antepassados frutifica até hoje, quando consegue (muitas perecem esmagadas pela modernidade).

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Maura

      Perdi minha mãe há bem mais tempo e a saudade ainda dói muito. Embora seja uma lei natural da vida, tais perdas deixam marcas profundas. Foi interessante você reviver, com o texto do Prof. Caniato, a fase da ginástica pelo rádio, o que era muito enriquecedor para as famílias. Hoje tudo isso desapareceu.

      Parabéns pelos ensinamentos transmitidos à sua filha. É muito triste ver como os jovens de hoje estão alheios a tudo, sem nenhum tipo de compromisso. Não tem sido fácil ser mãe (ou pai) nos dias de hoje, pois o descompromisso e a rebeldia têm sido a tônica.

      Um grande abraço,

      Lu

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