Filme – ANTES SÓ DO QUE MAL ACOMPANHADO

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Autoria de Lu Dias Carvalho

ASQMA– Você não é santo. Arrumou táxi de graça, quarto de graça e alguém para ouvir suas histórias chatas. Não percebeu que quando falava no avião eu começava a ler o saco de vomitar? Será que não se tocou: “Acho que o cara não está interessado!” Nem tudo é piada. Precisa saber discernir. Escolher o que é engraçado, meio divertido ou interessante. Você é um milagre! Suas histórias não têm nada disso! Não são divertidas nem por acidente. (Neal)

– Quer me magoar? Se você se sente melhor assim, continue. Sou o alvo fácil. Tem razão. Eu falo demais. Também ouço demais. Posso ser um cínico como você, mas não gosto de ferir os sentimentos dos outros. Pense o que quiser de mim. Não vou mudar. Gosto de mim mesmo. Minha esposa gosta de mim. Meus clientes gostam de mim. Sou artigo genuíno. O que vê é o que sou. (Del)

O filme Antes Só do que Mal Acompanhado (1987), obra do cineasta estadunidense John Hughes, é uma daquelas obras que sentimos prazer em rever, pois sua temática é sempre atual: a arte da convivência humana. Os atores Steve Martin e John Candy parecem interpretar a si mesmos, de tão natural e perfeito que é a interpretação e sincronia dos dois, numa direção apurada de Hughes.

Neal Page (Steve Martin) é um publicitário de Chicago, atraente e impecavelmente vestido, dono de uma situação próspera, que expande autoconfiança, mas que não se sente à vontade perto de pessoas comuns e em meio a situações que fogem ao seu controle. Possui uma mente extremamente organizada, mas não sabe viver com a simplicidade. Por sua vez, Del Griffith (John Candy) é um caixeiro-viajante de Chicago, que tem como ofício vender argolas para cortinas de banheiro, que ele considera “as melhores do mundo”. Ao contrário de Neal, Del é um sujeito alto, gordo, desengonçado, desorganizado e que se esconde debaixo de um amontoado de agasalhos, e, que gosta muito de conversar com as pessoas que se encontram a seu lado.

O filme narra a véspera do Dia de Ação de Graças (Thanksgiving Day) nos Estados Unidos, data que é comemorada na última quinta-feira de novembro. As pessoas estão ansiosas para voltarem para casa, a fim de comemorar o feriado junto com a família, como acontece com os dois protagonistas do filme. Eles se encontram em Nova York e querem retornar a Chicago. Neal ouve impacientemente o chefe, ansioso para que a reunião acabe, pois já tem passagem com hora marcada. Na rua, existe uma frenética batalha para se conseguir um táxi. E foi nessa guerra de nervos, para não perderem o voo, que Neal e Del encontram-se pela primeira vez, com o segundo levando a melhor. E, como se não bastasse, ambos pegam o mesmo voo, e sentam-se próximos.

O inverno está rigorosíssimo. Aeroportos estão superlotados, alguns voos são cancelados e outros desviados. Juntos, Del e Neal passarão pelas mais inusitadas aventuras, uma vez que o voo é desviado, em razão do mau tempo. Contudo, o que fica em evidência daí para frente é o atrelamento dos dois, donos de temperamentos totalmente diferentes, mas sendo obrigados a conviver durante a inusitada viagem. Enquanto o primeiro faz tudo para agradar o seu novo “amigo”, o segundo só anseia por ficar livre dele, preferindo permanecer sozinho, numa clara hostilidade.

Del é uma pessoa alegre, empática, que se preocupa com os problemas de Neal, fazendo tudo para ajudá-lo a ir para casa e chegar a tempo de passar o feriado com a família. Seus sentimentos são visíveis. Sente-se triste ao saber que o táxi que pegara seria de Neal. Quer ajudá-lo de todas as formas, enquanto o outro parece se fechar num casulo, sem mostrar nenhuma simpatia. O voo dos dois é desviado para Wichita, onde não existem mais vagas em hotéis. Ali, fazendo uso de seu cartão de crédito e de sua autoconfiança, Neal consegue um quarto de motel, onde, em razão da desorganização e modos de Del, é terrivelmente franco com ele, criticando seu jeito de ser e dizendo que quer se ver livre dele. Nesse momento há um diálogo tenso entre os dois. A tristeza e a mágoa de Del são visíveis. A partir desse momento, ele ganha totalmente a simpatia do espectador. E o filme, numa mudança fantástica, passa a ser muito mais do que uma simples comédia.

Um dos momentos cômicos do filme é quando Neal acorda entrelaçado com Del, na estreita cama do motel. Outro momento engraçado é quando Neal solta todos os palavrões possíveis, quando descobre que foi enganado pelo dono da locadora de automóveis, sendo obrigado a caminhar cinco quilômetros até o terminal rodoviário, em meio à neve e à lama. Não se contém ao encontrar com a atendente da locadora, que se encontra num alegre bate-papo ao telefone. Há também um momento cômico dentro do ônibus, quando Neal puxa uma música que ninguém sabe cantar e é olhado com desdém. Del salva a situação puxando “We´re the Flinstones!”. O enorme baú, que Del carrega a trancos e barrancos, é hilário.

O final do filme é surpreendente, pois ficam claras as mudanças operadas no sisudo Neal, em razão da convivência com Del, como se ele tivesse aprendido a julgar as pessoas pelo que elas são e não pelas aparências, pois sempre tomava como parâmetro a sua maneira egoística de olhar a vida. A cena final, que mostra Neal voltando para buscar Del, que se encontra triste e solitariamente num banco da plataforma da estação ferroviária, é tudo aquilo que o espectador esperava que acontecesse, atingindo diretamente seu coração.

Nota: outros filmes do diretor: Clube dos Cinco, Mulher Nota Mil, Curtindo a Vida Adoidado.

Fonte de pesquisa
Grandes Filmes/ Roger Ebert

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