Autoria de Lu Dias Carvalho
Embora saibamos muito pouco sobre os hijras aqui no Ocidente, a definição encontrada é de que não são homens e nem mulheres, mas, sim, um terceiro sexo. Dentre os vários rituais pelos quais passam está a castração. Muitos hijras só se consideram “verdadeiros” após tal cerimônia, que é um ritual proibido e protegido pelo grupo por um complexo código de silêncio. Portanto, para se tornar um hijra é preciso remover o pênis e os testículos, para que se pareça o máximo possível com uma mulher, mas sem a reconstrução da vagina, como acontece com os transexuais.
Os hijras existem na Índia há séculos e podem ser considerados tanto indivíduos pertencentes a uma casta quanto a um culto. Bahuchara é a deusa venerada por eles. Alguns deles são homens impotentes que, para fugirem da vergonha social por não procriarem, função exigida pela sociedade hindu, oferecem sua genitália a essa deusa. No hinduísmo existem deuses hermafroditas e até mesmo aqueles deuses que exigem dos seus seguidores a prática de um comportamento sexualmente controvertido, como a deusa Bahuchara Mata, que exige de seus sequazes (todos homens) o uso de roupas femininas, a castração e o celibato.
Os hijras moram em comunidades pequenas, principalmente no norte do país. Andam em pequenos grupos chefiados normalmente pelo mais velho. Usam vestimentas femininas e maquiagem excessiva, assim como nomes femininos. Eles são tidos como transgêneros e interssexuais. Do ponto de vista da medicina ocidental, eles são considerados transexuais masculinos. Nutrem desejo sexual por homens e não por mulheres. E são, ao mesmo tempo, temidos e cortejados com a sua presença em casamentos e nascimentos, aonde chegam sem precisar ser convidados, pois tanto podem levar bênçãos como azar, segundo a crença, dependendo do modo como sentem que foram recebidos.
Os hijras chegam às festas, onde ficam pouco tempo, sempre acompanhados de muita música. Dançam e abençoam as pessoas presentes no local. Em troca, exigem um pagamento em prendas ou dinheiro. Segundo a superstição hindu, a praga de um hijra é muito potente e pode trazer infelicidade por muitos anos. Por isso, atitudes agressivas contra os castrados são consideradas de mau augúrio pela maioria dos indianos que, supersticiosa, acredita piamente que a desvirilização traz grandes poderes e que, quem atrapalhar o ritual dos protegidos da deusa Bahuchara será vitimado pelo azar. E ainda, se os pais do recém-nascido ou dos recém-casados não pagarem as bênçãos dos hijras, pragas cairão sobre os bebês ou casal. Atualmente, eles passaram a dançar em festas escolares e despedidas de solteiro.
Se voltarmos a um tempo não muito distante, encontraremos os eunucos, castrados ainda na infância e elevados à categoria de responsáveis pelos haréns. Eram escolhidos para tal tarefa, porque, imaginavam os príncipes e sultões, jamais poderiam seduzir uma de suas escolhidas.
Segundo estudos, nem sempre a cultura indiana foi discriminatória em relação às diferenças sexuais. A própria mitologia desse país está cheia de lendas sobre mudança de sexo:
- deusas que se transformavam em homens;
- deuses que se transformavam em mulheres;
- deuses com atributos, ao mesmo tempo, femininos e masculinos, como a andrógina Shiva.
Os indianos, contudo, não possuem a mesma aceitação para com os homossexuais e lésbicas. A impotência masculina, analisada sob o prisma da procriação, é mais vergonhosa para os hindus de que a homossexualidade. Tanto é que muitos pais, ao perceberem traços de feminilidade nos filhos, ou alguma anomalia genital, entregam-nos para as casas de hirjas, onde crescerão e aprenderão a ser um deles, destino que acreditam estar reservado pelo karma aos efeminados.
Um dos mais importantes testes para a adesão à comunidade hijra no século passado era a prova de impotência. Os hijras em potencial eram postos para dormir ao lado de uma prostituta por um determinado número de dias, para que fossem estudadas as suas reações.
Os hijras casam-se com homens preferencialmente e referem-se a eles como seus maridos. A prostituição dos transgêneros existe há muito tempo, mas não como atualmente. Antes, eles vendiam o sexo nos templos, com finalidade religiosa. Hoje, são incentivados por seus gurus hijras a se prostituírem, em função do dinheiro.
O mais importante evento do calendário dos hijras é o Festival do Koovakan, em que exercem livremente seu poder de expressão. O Koovakan reúne diferentes tipos de pessoas: hijras, homossexuais, bissexuais, heterossexuais, travestis, casais com seus filhos, solteiros, namorados, etc.
Apesar de toda a diversidade de pensamentos vistos no hinduísmo, o discurso e a prática no país ainda são bastante contraditórios, com muitos resquícios da ocupação britânica. Mesmo assim, a religião hinduísta é uma das mais condescendentes com o público LGBL.
Nota: Imagem copiada http://jessicademoniaca.blogspot.com.br
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A Índia me atrai muito, como a muita gente. Acho as roupas femininas lindas, fascinantes. Mas os costumes melhores que existem são os ocidentais. A novela “Caminho das Índias” mostra um povo que vive o tempo todo em função de superstições. Não sei como pode viver assim. Precisa olhar antes de sair de casa porque não pode ver uma viúva passando ou um gato branco. Tudo é “não é auspicioso” ou “é auspicioso”. Mulher tem que ter cabelo comprido, pois o curto “não é auspicioso” pro marido.
Os dalits, coitados, são “impuros”, não se pode nem passar pela sombra deles, senão tem que voltar e fazer ritual, “limpar a casa toda e a pessoa também”. Vivem o tempo todo em função disso. São crenças erradas. No ocidente há tanta mulher de cabelo curto e o marido super bem sucedido. Ninguém tem problema de superstição com coveiro, gari, qualquer um pode limpar fossa de banheiro, que ninguém vai ficar “impuro” por isso. Muita loucura. É cultura, é religião, mas são coisas em que eles acreditam e não existem. Acreditam e vivem em função de coisas que não existem.
Lu
É assim mesmo como você descreve em seu comentário. É um povo movido a crenças que nada mais são do que superstições que são desprovidas de qualquer sinal científico. E onde não há Ciência, há burrices. A distribuição em castas é algo vexamoso para o século em que vivemos. O tratamento dado aos “dalits” é de uma crueldade sem limites. Quando me dizem que a Índia é um país “espiritualizado” não posso conter a ironia no meu riso.
Um grande abraço,
Lu
No fundo, a finalidade de tal cultura é legalizar a promiscuidade. São muito permissivos quando lhes interessam… as mulheres que o digam.
Neves
Realmente são bem estranhos para nós. Também há coisas em nossa cultura que eles acham abomináveis, como comer carne de vaca. Vá lá entender a humanidade.
Abraços,
Lu
Coitada dessas crianças que são submetidas a esses rituais de mutilação… Deus tende piedade! O que o homem não faz em nome da religião? Submetê-las a rituais de castração e vesti-las de mulher, selando o destino de um ser humano por ignorância é muita crueldade. Já fui muito fã da Índia e era um dos meus destinos turísticos com que mais sonhava, mas é cada história que se houve que deveríamos nos envergonhar de glamorizar tal cultura.
Thiago
Eu também sentia esta mesma atração pela Índia, mas hoje quero passar bem longe. Sua cultura é muito diferente da nossa. O sistema de castas é cruel. Vou lhe enviar uns links sobre o assunto.
Abraços,
Lu
É uma violência contra as crianças que são castradas, emasculadas num ritual religioso em homenagem a uma deusa, e são obrigadsa a se vestirem de menina. Passam a serem criadas dentro de templos até ficarem adultas. A Organização das Nações Unidas considera tal prática como uma grave violação dos direitos humanos. Para o assessor sênior do Fundo de População da ONU, Unfpa, Elizeu Chaves, tal mutilação busca satisfazer apenas o interesse de terceiros e representa um verdadeiro crime contra os direitos humanos.
Levi
Muitos defendem os processos culturais, mas eu acho que deveria haver uma interferência mais severa, quando esses causassem sofrimento a outrem (inclusive aos bichos, como é o caso das touradas e as malditas caçadas). Cada um deve ser capaz de escolher o próprio caminho, sem a interferência de qualquer que seja a religião. Concordo plenamente com você.
Agradeço a sua presença e comentário. Será um prazer tê-lo neste espaço.
Abraços,
Lu
Lu
Poderia me explicar uma coisa: os Hijra são apenas trans femininos ou podem ter masculinos?
David
Os Hijras são “trans” masculinos, como escrevi no texto:
“Portanto, para se tornar um hijra é preciso remover o pênis e os testículos, para que se pareça o máximo possível com uma mulher, mas sem a reconstrução da vagina, como é feita pelos transexuais.”
Abraços,
Lu
Acho um tanto questionável, classificarmos os chamados hijras como transexuais. Ao nos aprofundarmos na tradição dessas pessoas, perceberemos que elas se assemelham mais aos antigos eunucos, que a um transexual de fato. Temos a impressão que se trata de algo obsoleto e sem função que persiste em existir. E para isso, adquire uma nova ressignificação.
Marcelo
A cultura indiana é muito complexa, sendo em muitos pontos diferentes da nossa. Os chamados hijras ocupam uma posição de destaque na Índia, em muitos pontos bem diferentes dos eunucos responsáveis por servir nos palácios. Achei a sua colocação muito interessante.
Agradeço a sua visita e comentário. Volte mais vezes.
Abraços,
Lu
O hirja na Índia é vítima de violência.
São crianças que são castradas e obrigadas a viver como se fossem mulher. São vítimas de um ritual religioso.
Apesar dos líderes da comunidade afirmarem que as castrações são feitas por vontade própria, a ONU considera a prática como uma das maiores violações dos direitos humanos. De acordo com relatórios emitidos pela organização, os rituais na verdade são crimes cometidos por organizações criminosas que atuam na exploração sexual de homens. Para as Nações Unidas, há ainda coação, sequestro e ameaças contra andarilhos e usuários de drogas.
“Gurus eunucos e seus agentes pagos, pegam esses jovens sequestrados viciados em ópio e depois os iniciam na prostituição. Eventualmente, eles são castrados em uma operação sangrenta e arriscada”, afirma Arun Kumar, membro do Parlamento na Índia.
Levi
Agradeço muitíssimo por sua visita e informação muito importante. Não conhecia este lado da vida deles. E toda essa exploração sexual tem o dinheiro como meta. É muito triste!
Volte mais vezes! Será sempre um prazer recebê-lo.
Abraços,
Lu
Pingback: Giovanna
Giovanna
É um prazer recebê-la neste blog.
Desejo-lhe muito sucesso no seu.
Abraços,
Lu