Autoria de Celina Telma Hohmann
Ler seu relato nos transporta para dentro de um problema que não é mais seu, pois se tornou nosso. Aqui é um cantinho que meio sem querer transformou-se em nossa árvore, sob a qual, nas angústias, nós nos sentamos e choramos, sabendo que de alguma forma virá um pouco de alívio. Não vou me estender em tentar explicar o que você está sentindo, se é que conseguimos explicar algo, após um trauma que fez com que a vida, num repente, nos mostrasse um lado que julgávamos preparados para entender, mas que sabemos, nunca estivemos! Os sentimentos são ambíguos. Até culpa nós sentimos, como se fôssemos, de alguma forma, responsáveis pelo que ocorreu e transformou a vida de rotineira calma num aparente calabouço, onde se sabe que há saída, mas quando a encontraremos, nós não sabemos.
A nossa era é talvez uma das piores, pois enfrentamos desafios que não exigem somente coragem. Como somos humanos, e humanos são passíveis de tormentosas dores psíquicas e emocionais, descobrimos que não estamos livres de sermos a próxima presa dessa aniquilante apatia, medo e solidão, ainda que rodeados de pessoas. O mal-estar que derruba, o sono que some, os pesadelos que viram rotina… A gente passa grande parte da vida numa luta e enquanto estamos lutando, não há sentimento que se sobreponha exceto o de fazer o que devemos. O cérebro, e toda a química que nele contém, movimenta-nos. Um dia, porém, como aconteceu com você, vem o pior e a aparente coragem, o destemor, aquele sangue frio que sempre nos fez seguir, deixa-nos na mão. Cito aqui o pronome “nós”, aproveitando-me da condição de também, como você e tantos outros amigos, estar na luta contra um mal que tenta nos fazer sucumbir. Não é isso o que ocorrerá, eu lhe garanto, usando o conhecimento adquirido a longas e duras penas, de que tudo isso passa, graças a Deus!
Identifiquei-me com seu problema (e muitos também se identificaram), mesmo que os motivos sejam diversos, não tão dolorosos, mas traumatizante é tudo aquilo que vem forte demais, quando não se espera, quando nos falta o chão, quando mexe com nossa alma. E nesses dolorosos momentos nem mesmo a medicina ou conversas conseguem aliviar. Não de pronto, mas só com o tempo. Há um caminho, sempre haverá, mas até que cheguemos a ele passaremos por tantos penhascos, que depois, olhando de volta, veremos que conseguimos transpô-los, nesse ímpeto maravilhoso que é a luta pela vida. Hoje, tudo o que você consegue é sentir-se um enigma, inclusive para si próprio. Imagina não ser mais o pai, o profissional, o amigo, o “cara”. É comum esse tipo de julgamento partir de nós próprios em certos momentos de nossa vida. Na verdade, nada disso mudou. Houve uma ruptura, uma atormentada incapacidade em mudar o rumo da própria vida. Naquele instante, por motivos que desconhecemos, você foi poupado e isso, amigo, por vezes nos faz mal, paradoxalmente, pois trata-se de um bem que julgamos não merecer, não é assim?
Alessandro, você não deixou de ser pai, tampouco esposo, menos ainda amigo, nada disso! Você vive, por ora, num redemoinho de emoções que o fazem sentir-se um papel em meio ao vendaval. Não sabe o rumo, não se rasga, mas é um papel à deriva. Diferente? Nem um pouco! Está vivendo o que muitos vivemos e que garantimos não ser bom, nem gostoso, nem fácil ou simples! É muito difícil e nos parece que jamais findará! Erramos ao achar que nada mais será como antes! Algumas coisas mudarão, e isso é um alívio para nossa alma, mas só perceberemos isso quando a tempestade realmente tiver passado. Deixará marcas, fez seu estrago, deixou o medo, mas como presente nos mostrou que se temos uma chance de viver – e você a teve – e isso, amigo, é o farol lá no meio da ilha que, se vista por quem está em alto mar sem conhecer o oceano, parece a anos luz de distância. Pode ser sofrido enxergá-lo e ver nele a possibilidade de desbravar todos os mares, mas sabemos, é a nossa luz! O nosso guia, a direção que nos mostra que estamos vivos! Que venham marés altas, águas que molham até os ossos, mas chegaremos ao destino que almejamos e o seu destino, hoje, é livrar-se dessa estagnação que o psiquismo nos impõe como limite – temporário – mas limitante!
Seu caminho, Alessandro, é o que muitos percorreram, percorrem e alguns ainda percorrerão. O caminho escuro que tira a visão, embaça a alma, desnorteia, freia nossa capacidade de raciocínio lógico, mas é hoje o seu caminho. Não foi você, por incapacidade ou vocação, quem o traçou. A vida o fez. Nós, os que nos perdemos em meio ao medo e que antes achávamos “frescura”, nos vemos incrustados nesse medo e sem saber como tirá-lo de nosso peito, pensamento e vida. Mas é necessário que o façamos. Não é fácil e a psiquiatria, psicologia e toda a emaranhada corrente que tenta desvendar os mistérios da mente ainda tropeça em tais possibilidades.
Confesso, os remédios, pela química que possuem, auxiliam. A conversa com o psiquiatra é o caminho para a condução de um tratamento medicamentoso e há mais para buscarmos. Contudo, amigo, a compreensão do outro e o nosso afeto para conosco são o que de melhor há. Olhe o rostinho de seus filhos, mesmo que lhe pareça não os ver, mas a alma enxerga melhor que os olhos. Ponha-se em pé e dispute consigo próprio o seu convalescimento, pois precisará muito de ajudar-se e essa capacidade você a tem! Não se culpe ou não julgue, pois há uma Mão Protetora (a mesma que o colocou em outra direção no dia da tragédia), protegendo-o. Dela emanam gotas de doçura, mansidão, paz e serenidade. Você receberá de volta o homem que sempre foi. Sua insegurança atual é fruto de sua capacidade de emocionar-se, quedar-se perante a partida de amigos diários e a sensibilidade tão própria dos seres do bem.
Amigo, cuide-se e escreva tudo o que lhe vai à alma. É bom desabafar, jogar as dores pelo caminho e, sem que perceba, o que hoje pesa, logo será somente uma lembrança. Lembranças não se apagam, mas doem menos quando as tomamos como ensinamentos. Seja sempre sábio e verá que nada é em vão, mesmo que pareça terrível! Se tivermos que passar pelo fogo, que passemos, mas que o chamuscado seja uma marca de uma história valorosa. Deixo um afago em seu coração e a doce certeza de que logo nos dirá: VENCI! Agradeço por ter conseguido, tão ricamente, expor-se e fazer-nos refletir que não somos uma única estrela no Planeta. Somos muitas e cada uma com seu valor e finalidade! Fique em paz! Liberte-se! Se cair, não ligue, é assim mesmo. Imagine-se o menininho lá do passado, nas suas primeiras tentativas de descobrir o mundo. Tropeçou muitas vezes, mas aprendeu. Agora não é mais o menininho, mas o homem a quem a vida concedeu o dom de VIVER!
Nota: a ilustração é uma obra de Vincent van Gogh
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