Autoria de Alessandro Queiroz
Passei por uma grave situação no trabalho, onde, por questões de segundos, minha vida não se foi junto com a de meus companheiros, enquanto combatia crimes ambientais numa terra Indígena, em Roraima, este ano. Para que todos possam compreender melhor o que me ocorreu e desencadeou minha situação, relato-lhes:
Em três de julho deste ano, eu e mais quatro colegas do IBAMA (Alexandre, Olavo, Lazlo e Júnior) empreendemos ação em conjunto com a PF e Exército no combate ao garimpo ilegal dentro da TI Yanomami, em Roraima. Garimpeiros de diversos pontos do Brasil bem como de países vizinhos, em especial da Venezuela, invadiram essa Terra Indígina (TI), usurpando a abundante riqueza existente no interior dessa área protegida. Tais povos indígenas ainda vivem de maneira bastante isolada, dependendo tão somente do que a floresta e rios lhes provêm. A contaminação por mercúrio tem lhes trazido graves prejuízos socioambientais e coube a nós, enquanto União, defendê-los.
Eu e meus colegas, citados acima, tínhamos locadas, pelo Exército, duas aeronaves civis, tipo “teco-teco”, para nos transportar de Boa Vista até o interior da TI. Contudo na hora do embarque percebemos que toda a logística a ser transportada não seria possível em tão somente dois aviões. Foi providenciada uma terceira aeronave. Por motivos que desconheço, e me apegando demais à intervenção divina com toda certeza, vi-me afastado de meus colegas de trabalho, entrando na primeira aeronave com os quatro agentes da PF. Não posso deixar de dizer que, por praxe, temos que permanecer com nossas equipes, ficando sempre juntos, ao participarmos de algum evento, seja ele fiscalizatório ou não. Nós nos mantemos próximos uns dos outros. Acho que é da natureza humana o fato de os iguais se aglutinarem.
Neste caso em particular, contudo, abandonei meus companheiros, pensando ser o melhor para nossa equipe, pois o pequeno avião que transportava a PF partiria primeiro, um segundo avião partiria 10 minutos após levando os 700 kg de bagagens e o terceiro avião voaria com a equipe do IBAMA. Por experiência já vivida nesses anos junto à fiscalização, sabemos que os indígenas tem por hábito o interesse pelo “alheio”… E não os condeno, pois vivem de forma tão primitiva que uma simples colher lhes chama a atenção. Meu objetivo foi, portanto, chegar primeiro ao local e dar garantias de que nada na bagagem seria mexido.
Partimos por volta das 10h30min da manhã. Pousamos na TI e, após uns 15 minutos, pousou a segunda aeronave com material e equipamento. Transcorridas mais de 02 horas, já ciente de que algo havia ocorrido, contudo sem imaginar as reais consequências com as quais me depararia, e mesmo com o Exército dispondo de equipamento para uso em guerra, o contato com Boa Vista se mostrou muito dificultoso, face o isolamento da área em que estávamos, bem no meio da selva amazônica. Após muitas tentativas sem sucesso, obtivemos um retorno dizendo que a aeronave com meus amigos havia sofrido um acidente ainda na pista de decolagem e que havia mortos e feridos. Imediatamente fui removido do local por um helicóptero militar que ao fazer seu primeiro pouso para abastecimento, em uma área abrangida por sinal celular, comecei a receber incontáveis chamados telefônicos querendo saber de mim. Sou pai de duas crianças pequeninas (3 e 5 aninhos) e minha esposa, em estado de choque, conseguira contato telefônico comigo, tendo a plena certeza que eu não havia morrido, como já estavam divulgando por diversos meios de comunicação.
Restou a morte de três companheiros de trabalho, inclusive a de um amigo muito próximo, pois trabalhávamos na mesma unidade em Florianópolis, durante anos. Todos foram carbonizados em questão de minutos por conta da explosão da aeronave. Como Deus provê a cada um de nós seu próprio destino, por questões ainda desconhecidas, um de nossos amigos conseguiu sair do pequeno avião em chamas, quebrando uma porta com chutes em meio a gritos de sofrimento e desespero inimaginável. Suas sequelas atingiram enormes proporções corpóreas, contudo ele está vivo e se restabelecendo. Toda esta situação, vivida muito de perto por mim durante toda a semana após o transcorrido, disparou uma série de situações que até então jamais sonhara viver. Passei, sim, por inúmeras ocorrências com risco real de morte, nos moldes do que todos presenciaram nesta sexta-feira última, no município de Humaitá/AM, quando depredaram todo nosso patrimônio, além de outros órgãos parceiros.
Desde três de julho passado estou vivenciando um quadro que foi diagnosticado como TEPT (transtorno de estresse pôs traumático). Minha vida virou um verdadeiro inferno. Não tenho disposição para mais nada, mal interajo com meus filhos que tanto amo. Encontro-me muito mal organicamente e mentalmente falando. Mau humor fortíssimo e agressividade, frieza e vontade extrema de ficar deitado no quarto escuro, sem diálogo com ninguém. Hoje, particularmente, estou péssimo e quero crer que realmente estou passando pelos sintomas da abstinência medicamentosa, pois subitamente deixei de tomar tanto o SPRAN quanto o Roydhorm. Foi dobrada a dose do ESPRAN e trocado o Patz pelo Roydorm de 01 mg, mas não houve nenhuma resposta nesses quase 03 meses de tratamento. Estou há quase 15 dias sem tomar esses remédios, pois além de terem acabado e eu não ter pegado nova receita em, anteontem informei ao psiquiatra que nada estava adiantando. Outros psiquiatras me disseram que sob-hipótese alguma deveriam ter-me prescrito benzodiazepinico para TEPT.
Vou lhes relatando meus novos passos rumo ao encontro da medicação ideal para mim além da dosagem adequada, quem sabe poderei estar ajudando alguém na mesma situação.
Nota: pormenor de uma obra de Edvard Munch
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