Autoria de Rodrigo Morais
Conviver com a minha companheira tem sido muito difícil para mim. Ela tem TAB (Transtorno Afetivo Bipolar) e depressão. Estamos tentando tratamento já faz algum tempo. Temos uma filha e tenho receio de que, à medida que ela cresça, esses problemas se tornem mais aparentes e a influenciem da mesma forma que aconteceu com a minha companheira que viveu uma relação familiar bastante disfuncional, pois seu pai também tinha TAB e depressão e, na idade avançada, desenvolveu Alzheimer. Era desequilibrado e agressivo com a mãe e a filha.
Antes de qualquer coisa, não quero me colocar como “o certo” da história, porque também tenho os meus desafios e pontos a melhorar. Passei a ler, a me informar, e a integrar grupos de apoio sobre TAB. Sei que muitas coisas não são escolhas da pessoa com transtornos mentais, e sim, impostas por sua própria condição. Entre namoro e união estável nós estamos juntos há cinco anos. Ela possui dificuldade (ou talvez seja impossibilidade) de fazer autocrítica, de admitir suas falhas ou erros, de se desculpar e de agradecer.
Descobrimos a gravidez quando tínhamos terminado o namoro, numa dessas suas fases de fantasia/idealismo. Ela estava flertando com a ideia de ter um relacionamento aberto – o que eu não critico no aspecto moral, embora não seja o que busco para mim. Acho bem delicado que alguém que tem dificuldades em lidar consigo mesma ou com uma segunda pessoa possa se estabilizar num tipo de relacionamento muito mais complexo. Após um processo delicado de conversas e entendimentos, combinamos que ela viria morar comigo (ela morava com os pais e fazia alguns bicos na sua área de atuação). Iríamos nos esforçar, reatar o relacionamento e criar a nossa filha juntos. Estabelecemos uma união estável.
Minha companheira desejava um parto natural. Fui atrás, fiz tudo o que era necessário, acompanhei todas as idas ao médico, montamos um quarto lindo para nossa filha, arquei com psiquiatra, terapias, agrados… Trabalhei duro durante os nove meses da gravidez para que absolutamente nada lhe faltasse. Hoje nossa filha tem um ano e meio, é linda e saudável. Minha mulher ficou esse período todo em casa cuidando da nenê, amamentando… Combinamos que ela cuidaria disso por agora e eu trabalharia fora durante essa primeira etapa. Financeiramente eu arco com tudo, cubro todas as despesas. Não nos falta nada, moramos num ótimo lugar.
A família de minha mulher tem um histórico de não saber lidar com dinheiro. O pai era inconstante, ganhava bem, mas afundou a família em dívidas e a mãe não tem controle de gastos. Minha esposa tem questões não resolvidas em relação ao trabalho. Costuma entrar em devaneios, dizendo que deveria ganhar bem para cuidar da filha, ora me crítica porque tenho independência financeira e ela não, sendo que toda a minha vida profissional foi construída antes de conhecê-la. Ela exige bastante de mim. Nunca teve bons exemplos de relacionamento entre os pais e da gestão financeira de um lar. Vive em conflito comigo e credita tudo ao “machismo”. Sei que vivemos num mundo machista e isso requer algumas desconstruções, mas não importa o que eu faça para mudar, ela diz que não é suficiente.
No que diz respeito ao nosso relacionamento, ela se esquece de muitas coisas, e cria outras completamente diferentes. Por diversas vezes, no seu nervosismo, fala ou faz algo e depois nega, até o ponto de ironizar, dizendo que eu que preciso de tratamento, que estou inventando coisas. Para os outros (vizinhos, parentes) coloca-se como uma pessoa razoável e controlada, mas dentro de casa vive no limite, ofende-se e se irrita por qualquer coisa.
Vida sexual praticamente não temos, raramente percebo algum interesse. Ela já chegou a admitir que tem baixa libido. Não era assim no namoro. Eu compreendo que os remédios controlados têm efeitos colaterais, mas passam semanas e nada de intimidade, zero iniciativa por parte dela. E em todos esses pontos ela busca comparações, equivalências distorcidas para sustentar a ideia de que o comportamento dela é normal… Ela vai atrás de casos de exceções para citar como exemplos e dizer “olha, fulana, sicrana também é assim”. E desse jeito vai tentando ajustar o mundo e as coisas numa leitura distorcida para não ser confrontada.
Minha vida profissional já está sendo afetada. Coordeno uma equipe e preciso me motivar, para motivar os outros. Ultimamente está bem difícil, pois chego em casa e não carrego minhas baterias, pois as discussões por motivos banais sugam minha energia… É como se eu tivesse de ser forte o tempo inteiro, porque ela nunca tem condição de “segurar a onda” num dia ruim.
Iniciamos uma terapia de casal, mas bastou a terapeuta dizer que o trabalho de cuidar de uma criança era mais prazeroso do que trabalhar “fora” numa empresa, para que ela a rotulasse de machista e não quisesse mais voltar.
Está bem difícil. As oscilações acontecem com frequência. Eu gosto muito dela, mas não estou conseguindo mais viver assim. Seu pai, os tios, a mãe, a família, todos têm algum problema psicológico. É inútil pedir ajuda, pois são passionais, acham que eu estou criticando minha esposa. E ela não admite que possui um problema, na verdade finge não ter e, quando eu toco no assunto, vem na ofensiva. Não sei mais o que fazer, mas não quero ver a minha família se esfacelar diante dos meus olhos. Tenho receio, principalmente, em relação à criação da minha filha. Vamos novamente para mais uma tentativa juntos…
Agradeço o conteúdo que este site sempre publica.
Ilustração: Mulher com Gato, 1953, obra de Di Cavalcanti
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