Autoria de Rosali Amaral
Desde a antiguidade, a arte do embelezamento com o uso dos cosméticos vem influenciando o comportamento e o estilo das mulheres. No período pré-histórico eram usadas pinturas corporais, tatuagens, usando terras coloridas, argila e tintas extraídas das árvores, pó de pétalas de flores nos lábios e unhas e misturas de ervas queimadas e madeira aromáticas como perfume.
No Egito, de 1400 a.C a 400 a.C, os faraós e egípcios pintavam os olhos com o khol, um pigmento preto de sulfeto de amônio como proteção contra Rá, o deus do sol; no rosto, máscaras de argila, pó e ruge extraídos das plantas e arbustos, nos lábios, o carmim, substância corante vermelho vivo extraída do vulgo pulgão. Na pele, usavam azeite, cremes e banhos perfumados ou com leite de cabra, e nos cabelos era costume usar a henna ou usá-los completamente raspados. Cleópatra é considerada símbolo desse período.
A Grécia, a partir de 400 a.C, era tida como a civilização da beleza, pois os gregos eram fanáticos por banhos, dietas, atividades físicas e usavam, nas massagens e cabelos, óleos extraídos de flores e plantas. Coloriam os olhos com preto e azul, rosto pálido e bochechas carmim, lábios e unhas pintadas de uma mesma cor. Em Atenas foi criado o primeiro salão de beleza. Época em que Hipócrates, que estudou anatomia humana, praticava o uso dos cosméticos na ciência.
Os romanos, em 180 d.C., também tinham obsessão pela estética. Usavam maquilagem, depilação, penteados, buscavam peles brancas através de máscaras noturnas feitas com farinha de favas, miolo de pão e leite de jumenta, cabelos loiros, banhos de leite e termais, e passaram a usar o ferro para ornamentar e modelar os cabelos.
Com a decadência do Império Romano, o culto à beleza e práticas de higiene foram abandonados por causa do rigor religioso do Cristianismo, pois o uso de cosméticos era considerado pecado. As gordinhas eram modelos de beleza e os banhos, que passaram a ocorrer uma vez por ano, foram substituídos por perfumes de odores fortes. A higiene era feita somente nas mãos e rosto com toalhinhas úmidas, o rosto era pálido por causa do alvaiade, pó tóxico usado também para fazer massa de barrar, juntamente com óleo de linhaça, cré (giz) e aguarrás pura; nas bochechas usavam o carmim.
A partir das Cruzadas e Renascimento, há um retorno, ainda que tímido, das práticas dermatológicas, já que as mãos eram lavadas, apenas uma vez por semana; passavam na testa uma mistura de sulfeto de arsênico, cinza úmida, vinagre e sangue de morcego, para evitar o crescimento dos cabelos, pois a moda era testa grande e alta. E não lavavam os cabelos. Leonardo da Vinci pintou Monalisa nessa época.
Somente na Idade Moderna é que o uso dos cosméticos deslanchou com a venda de cremes sofisticados, pomadas, azeites, águas aromáticas, sabonetes e outros produtos em Paris. O ato de colorir os lábios voltou a ser moda e as perucas extravagantes ornamentavam as cabeças. E os perfumes de odor forte eram eficazes em disfarçar os maus odores. No Romantismo, séc. XIX, com a Revolução Industrial, houve uma popularização e facilitação na produção de cosméticos, as mulheres usavam cachos e surgiu o secador tipo capacete.
A partir do século XX, houve o desenvolvimento da indústria dos cosméticos, criação de grandes marcas de produtos, símbolos sexuais como Rita Hayworth, o uso de cosméticos, como maneira de enfeitar, corrigir, prevenir e seduzir, até os dias de hoje, a era da escova progressiva, da nanotecnologia, dos alfa-hidroxiácidos usados nos cremes anti-idades, era do colágeno e botox, da lipoaspiração das próteses e muito mais.
Nestes tempos, em que se comemora O Dia Internacional da Mulher, a luta da mulher por mais liberdade e independência, mais respeito à sua integridade física e moral, às suas ideias e direitos trabalhistas, sociais e sexuais, resultando assim numa sociedade mais igualitária e um mundo mais humano e feliz, vemos uma supervalorização do corpo pela mídia, pela sociedade, pelas indústrias e até por ela mesma, tentando buscar o rótulo de ser perfeito.
Houve um tempo em que os produtos de beleza eram usados somente na intenção de fazer a higiene do corpo e mantê-lo saudável e a beleza feminina era vista como uma dádiva de Deus. Hoje, os cosméticos adquiriram muito mais poder e a beleza passou a ser uma conquista individual que afeta as decisões, estilo de vida e até o psíquico da mulher e de muitos homens, uma vez que eles acreditam que só estarão felizes e satisfeitos, se forem considerados bonitos pelo outro. Já não é mais condenável sofrer para se tornar belo.
Assim, a indústria da beleza se tornou peça fundamental no universo feminino, e, atualmente, no masculino também, bens de consumo obrigatórios, pois satisfazem a vaidade e desejos estéticos, onde a principal preocupação é manter o visual impecável para si e para a sociedade. Criou-se uma cultura, onde o corpo passa a ser considerado objeto a ser exibido, cobiçado e admirado pelas pessoas. Daí a excessiva exposição de corpos esculturais pela mídia, que induz à falsa ideia de que só quem consome produtos cosméticos, revistas de moda, e frequenta academias, salões de beleza e clínicas de estética, etc., alcança a felicidade.
Vivemos numa sociedade que desvaloriza o envelhecimento natural, mas que valoriza o corpo sem celulite, sem rugas, sem cabelos brancos, e faz com que a velhice e as mulheres desprovidas de beleza vivam um drama, atormentadas pelo espelho e pela balança (e muitos homens também). Por que buscar um estereótipo de beleza e não considerar belas as marcas do tempo, que são sinais de maturidade e experiência? Já não é hora de sair da escravidão que é imposta à mulher? Não é hora de uma nova revolução em busca de uma mentalidade da beleza estética menos neurótica, mas também do conhecimento e crescimento interior das coisas da alma e do espírito?
Nota: Retrato de Madame Matisse, Matisse
Fontes de pesquisa:
Caos – Revista Eletrônica de Ciências Sociais nº 18
História da Cosmetologia – Daniela Schimiguel
Anais do IV Colóquio Internacional Cidadania Cultural: diálogos de gerações – Setembro 2009
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Ju
Seus comentários são sempre carregados de muita sabedoria.
Não adianta um continente belo e um conteúdo nulo.
Certa vez, li num livro, cujo nome não me lembro mais, que toda pessoa com excesso de enfeites e roupas chamativas, na verdade, tenta esconder sua pobre identidade, desviando a atenção do observador.
Vemos isso nesse “monte de frutas” que ataca a mídia com suas toneladas de silicone, roupas provocantes, etc e tal. E que não possui um pingo de massa cinzenta.
Elas precisam mesmo é de uma cirurgia de alma.
Quando comecei o blog, muitas pessoas questionavam o porquê de eu não colocar o meu perfil.
Apenas lhes respondia que acabariam me conhecendo através dos trabalhos expostos.
E que títulos eu poderia inventar um monte deles… risos.
Como você diz:
“Não adianta estética sem ética, sem autoestima, sem os valores da alma.”
E eu acrescento aí o conhecimento vazio, sem generosidade, sem tolerância, sem ternura.
Beijo no coração,
Lu
Não sou nenhum Luís Fernando Veríssimo, mas sou um feminista convicto.
Quantas vezes ao nos depararmos com uma bela mulher ou um belo homem nos decepcionamos, quando começam a expor seus argumentos sobre diversos assuntos? De tanto se preocuparem com a aparência descuidam-se totalmente do principal,o conteúdo; são pessoas vazias, sem absolutamente nada a transmitir.
Nada contra os (as)modelos, e outros que vivem apenas do físico, mas observem as entrevistas por eles concedidas, as respostas são quase monossilábicas, repetitivas, decoradas mesmo ou de um vazio sem fim.
Certa vez ao ser procurado por uma celebridade insatisfeita com sua aparência, o celebre cirurgião plástico, Ivo Pitanguy disse a seguinte frase :
“- EU NÃO FAÇO CIRURGIA DA ALMA! ”
Não adianta estética sem ética, sem autoestima, sem os valores da alma.
Um abraço! Fique em paz!
Julmar,
Levando-se em conta o fato de que ninguém quer ser mais um na multidão, as padronizações e modismos estão sendo muito utilizadas, não é mesmo? Nos últimos tempos, os profissionais do visagismo, cientes do efeito poderoso que a imagem tem sobre o lado psicológico e emoções, efeito este que provoca mudanças no comportamento, positiva ou negativamente, estão traçando um novo caminho da beleza, orientando a todos a necessidade de uma nova postura frente à banalização da imagem por conta de modismos e oferecendo uma estética harmoniosa e adequada com a finalidade de valorizar as qualidades e o conteúdo da pessoa, sem copiar padrões e modas. Mas pelo que temos visto, tá difícil!
Um abraço.
Rosalí.
Rosali,
Muito bom o seu resgate histórico dos padrões estéticos da mulher. Pena que nos tempos atuais muitas sejam escravas de si próprias. E são recentes os óbitos causados por esta procura exagerada.
É interessante também a abordagem evolutiva, os fatores bio-sociais que levaram às pinturas, particularmente dos lábios. Sugiro ver o livro ” o macaco nu’ de Desmond Morris.
abs
Messias
Rosali,
O seu texto é uma verdadeira viagem no tempo. Já ouvi muitas vezes que o perfume tinha sido inventado na Europa, especialmente na França, devido ao fato da aversão do povo aos banhos na êpoca. Outro dia, ouvi um especialista em mercado que muitas mulheres, iludidas pela mídia e pelo consumismo, deixam até de comer para comprar cosméticos! Também conheço mulheres que se pintam pouco, com discrição – e nem por isso deixam de ser bonitas.
Parabéns,
Beto
Beto,
Olha só, essa aversão tem explicação: Na Idade Média, a idéia do banho estava
implícita como forma de repouso e de convívio, sendo uma prática social, um ritual
simbólico. Como as casas não tinham água corrente, os grandes locais de higiene eram os
banhos públicos, chamados de “estufas”, que foram se transformando cada vez mais em lugares de encontros amorosos. Os banhos em comum e os quartos colocados à disposição dos clientes favoreciam a prostituição. A Igreja então, impôs nova moral e costumes seguindo sua ideologia, pelo temor da sujidade das almas: os banhos públicos favoreciam os hábitos promiscuos e eram portas abertas ao pecado.
Também os equívocos da época e as que se seguiram em que, com os grandes surtos epidémicos, instalou-se a convicção de que a água, por efeito da pressão e sobretudo do calor, abria os poros e tornava o corpo receptivo à entrada de todos os males e doenças, como por exemplo, acreditava-se que a água prejudicava a vista, provoca dores de dentes e catarro nas crianças. A grande peste de 1348 tornou mais forte esse entendimento, pois passou-se a desconfiar da água, que devia ser usada com moderação. Assim, os banhos declinaram-se e, pouco a pouco, desapareceram. Foi preciso aguardar o século XIX e o movimento higienista para que se produzisse uma nova mudança de mentalidade. Então, o rémedio era usar perfumes fortíssimos para tentar camuflar os odores do corpo.
Quanto às mulheres que não se pintam ou são bem discretas, são tidas pela sociedade como desleixadas.
Obrigada pela visita,
Rosalí.
Rose
Achei muito interessante você postar este artigo hoje, no Dia Internacional da Mulher.
Através de suas pesquisas muito bem feitas, começando pelo período pré-histórico até os nossos dias, pudemos acompanhar toda a história da cosmetologia através dos tempos.
Você tem inteira razão ao questionar:
“Já não é hora de sair da escravidão que é imposta à mulher? Não é hora de uma nova revolução em busca de uma mentalidade da beleza estética menos neurótica, mas também do conhecimento e crescimento interior das coisas da alma e do espírito?”
A mulher é realmente uma vítima da campanha da beleza imposta pelas indústrias de comésticos e moda original, apadrinhada pela mídia.
Ela ainda não percebeu que tem sido usada como joguete, sem nenhum respeito, para levar lucros aos interessados.
E já que nos trouxe tão bem trabalhado texto, sugiro que nos fale sobre a mulher em relação à indústria dos sapatos, roupas, etc.
Já está na hora, realmente, de nos libertarmos de tamanha escravidão.
Parabéns pelo texto.
Grande abraço,
Lu
Olá, Lu.
Para você ter uma idéia, a maior empresa do mundo, a L’Oreal, faturou 24,6 bilhões de dólares em 2009, de acordo com o ranking Beauty´s TOP 100 da revista norte-americana WWD Beauty Biz, que lista as cem maiores empresas do setor. E a indústria brasileira faturou, em 2011, R$ 30 bilhões e continua crescendo 13% ao ano, sendo que os produtos para cabelo são responsáveis por 70% das vendas.
Outra coisa: Você sabia que é uma das indústrias que mais faz testes em animais, torturando-os de forma cruel?
Pois é! Os testes mais comuns são o Teste de Irritação dos Olhos em que os produtos são aplicados diretamente nos olhos dos animais conscientes. Durante o período do teste, que normalmente dura uma semana, os animais podem sofrer de dor extrema e mutilação e geralmente ocorre a cegueira e o Teste Draize de Irritação Dermal que consiste em imobilizar o animal enquanto substâncias são aplicadas em peles raspadas e feridas (fita adesiva é pressionada firmemente na pele do animal e arrancada violentamente; repete-se esse processo até que surjam camadas de carne viva). E por aí vai.
A mesma indústria utiliza uma gama de resíduos animais da indústria de abate, que seriam jogadas no lixo. Mas há uma luz no fim do túnel, pois hoje existem pesquisas de testes alternativos com culturas de células e a Shiseido, marca japonesa, anunciou recentemente que suspendeu estes testes, seguindo tendência europeia, onde prática será banida.
Olha, esse assunto daria outro texto!
Obrigada pela visita, abraços,
Rosalí.
Rose
Estou estarrecida com o seu comentário.
Que absurdo!
Estou revoltada!
Seria muito bom se você realmente fizesse um texto sobre o assunto.
Visitar seus textos é sempre um grande prazer.
Beijos,
Lu