ÁFRICA – A HOSPITALIDADE DOS TUAREGUES

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Autoria de Lu Dias Carvalho

tuareg

No deserto é preciso viver como uma pedra, cuidando para não fazer um único movimento que consuma água. E até mesmo de noite a gente deve se mexer tão devagar quanto um camaleão e, assim, se conseguir ser insensível ao calor e à sede e, sobretudo, vencer o pânico, conservar a sanidade, aí então se tem uma remota possibilidade de sobreviver. (Alberto Vazquéz-Figueiroa)

O livro TUAREG é uma obra-prima do escritor espanhol Alberto Vazquéz-Figueiroa, com traduções em português, inglês, francês, alemão, italiano, polonês e japonês. É impossível deixar de amá-lo desde a primeira página à última. O leitor fica ávido para chegar a seu final e, ao mesmo tempo, com pena de ver acabar uma leitura tão prazerosa. O livro é, sobretudo, o resgate da honra de um povo que vai às últimas consequências para fazer cumprir a lei da hospitalidade

O romance se passa nas areias escaldantes do deserto do Saara, em meio a um povo guerreiro, altivo e orgulhoso, outrora chamado de O Povo do Véu ou de Os Senhores do Deserto. A linguagem usada é belíssima e extremamente poética. O escritor mostra grande habilidade para narrar.  Faz uma descrição do deserto, das paisagens inóspitas e do estilo de vida dos tuaregues, de uma forma que prende e seduz o leitor. O desfecho é uma grande surpresa. Ninguém é capaz de imaginá-lo.

O Saara é um mundo estranho e fascinante, onde vive um povo ímpar, capaz de sobreviver ao calor infernal, enquanto o sol caminha poderoso pelo céu, ou sobreviver às noites gélidas, quando doem os ossos. E, como se só isso não fosse suficiente para fascinar o leitor, TUAREG ainda o leva a conhecer os costumes morais daquela gente, que despreza o progresso do mundo que jaz além de seu território. E que faz da hospitalidade a lei maior de seu povo, nem que para isso tenha que oferecer a própria vida.

TUAREG leva o leitor pela imensidão desértica do Saara, caminhando entre as dunas, queimando os pés na areia quente, sacudindo-se no dorso de um dromedário, sentindo sede e frio, protegendo-se contra as hienas, escorpiões e chacais, tentando se safar da areia movediça, caminhando pelas salinas infernais, sacrificando camelos para lhes comer a carne e beber a água de seus estômagos. Tudo na companhia de um guerreiro corajoso, de princípios ferrenhos e tão implacáveis quanto o deserto. E, junto dele, o leitor sente-se seguro, por maior que possam parecer perigosos os caminhos.

O livro conta a história do tuaregue Gacel Sayad que dá abrigo a dois homens e, subitamente, é surpreendido com o assassinato de um deles e o rapto do outro. Ele então, abandona a família e todos os seus bens, para vingar o hóspede que fora morto em sua casa e  trazer de volta o que foi levado à força, pouco se importando com o tempo necessário para atingir seus objetivos.

Gacel Sayad sabe que a hospitalidade é como um código de honra, o maior de todos os mandamentos de uma lei que não foi escrita, mas que é respeitada por todos. Se for necessário matar para proteger um hóspede a causa será justa. Mesmo o inimigo, se ele pedir abrigo, deverá recebê-lo e ser protegido, enquanto estiver sob o mesmo teto do dono da casa.

Proteger seu hóspede é a coisa mais importante para um tuaregue, mais importante que a própria vida ou a própria família. A lei da hospitalidade é mais importante do que qualquer outra lei, inclusive as do Corão. Mais do que ninguém, um tuaregue conhece a dureza da vida no deserto e sabe que é preciso oferecer segurança ao viajante, aonde quer que vá. Ele precisa ser bem recebido, ajudado em suas necessidades e respeitado. E se a hospitalidade não for sagrada, nenhum viajante terá coragem de se arriscar a andar pelo deserto. Sem o respeito aos costumes é impossível sobreviver naquela fornalha durante o dia e na friagem da noite. Pois, mais de cinquenta graus de diferença acontecem entre a máxima temperatura do meio-dia e a mínima, na hora que precede a aurora. Um homem pode morrer de calor ou de frio ao cabo de poucas horas.

Gacel Sayad tem certeza de que o medo é o principal inimigo no deserto. Ele conduz o homem ao desespero e à loucura, e a loucura leva o homem ao embrutecimento e à morte. Mas ao saber que pode contar com a hospitalidade, ele não precisa ter medo.  Por isso, as leis e os costumes de sua raça devem continuar sendo respeitados, porque são leis e costumes adaptados à rusticidade do meio onde vive, e sem os quais não existirá possibilidade alguma de sobrevivência. Pois, quando a gente compreende que ninguém mais vai sentir interesse ou compaixão por nós, deixa de sentir interesse e compaixão pelos outros. Então o medo se instala.

Algumas passagens do livro:

  • Um animal só deve ser morto para matar a fome, sempre preservando a fêmea. Quando um macho é abatido, outro aparece para cobrir as fêmeas. Mas, quando se mata uma fêmea, se mata também os filhos dela e os filhos dos filhos dela, que haverão de alimentar seus filhos e os filhos de seus filhos. Nada devolve a vida de um animal que foi morto sem razão.
  • O deserto deve ser o único lugar do mundo onde as atividades são realizadas durante a noite. O dia, com seu sol chamejante, é a hora do descanso. Nas quatro horas de sol mais forte, homens e animais devem se manter quietos à sombra, para não contraírem insolação. Muitas vezes é necessário cavar e colocar o corpo em contato com a areia fria.
  • Os camelos são os mais fiéis companheiros dos tuaregues em suas travessias pelo deserto. São capazes de beber até cem litros de água de uma só vez. Os colonizadores franceses não nutriam muito amor por eles. Consideravam-nos animais burros, cruéis e vingativos, que só obedeciam a troco de pancadas. Mas um tuaregue sabe que não é assim. Eles podem ser tão fiéis quanto um cão e são mil vezes mais úteis nas terras das areias escaldantes e do vento traiçoeiro. E não podem ser tratados de qualquer jeito em qualquer época do ano. Na época do cio mudam o comportamento, tornando-se irritadiços e perigosos.
  • No Saara, cada homem tem o tempo, a paz e a atmosfera necessários para se encontrar a si mesmo, olhar para a distância ou para o seu interior. No deserto, o ódio, a ansiedade, o medo, o amor, ou qualquer outro sentimento não é um bom companheiro.

Por que teria querido Deus, capaz de tudo imaginar, plasmar ali, de maneira tão flagrante, a realidade do mais absoluto dos nadas?

Outras obras do autor (que passou a sua infância no Saara):

  • Anaconda
  • Ébano
  • A Iguana
  • Vendaval
  • Quem Matou o Embaixador?

Nota
Há um filme baseado no livro chamado Tuareg – O Guerreiro do Deserto.

Sinopse do filme

Líder de uma pequena aldeia de tuaregues, Gacel Sayad é um dos guerreiros mais corajosos do deserto. Quando dois homens sedentos aparecem no acampamento, Gacel, honrando as milenares tradições de hospitalidade do seu povo (ninguém pode negar abrigo a pessoas necessitadas cruzando o deserto), recebe os desconhecidos em sua aldeia. Mas logo surgem jipes do exército atrás dos dois hóspedes do tuaregue. Ele se recusa a entregá-los e tenta fazer valer a velha tradição, só que os soldados não a respeitam, dizendo que ali, a lei são eles. Matam um dos homens e levam o outro com eles. O tuaregue sente-se desonrado e “indigno” por não ter conseguido proteger os “hóspedes”. Segue-se 1h30min de um duelo solitário de Gacel contra todo o exército, de modo que seu comportamento acaba mudando o destino do país.

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