ÍNDIA – O QUE É UM DALIT?

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Autoria de Lu Dias Carvalho

dalit

A Índia, apesar de já ter adentrado no século XXI, talvez seja o país onde as contradições sejam mais difíceis de serem aceitas por nós ocidentais. O país é hoje um campo fecundo para a tecnologia de ponta, assim como para as mais arcaicas posturas humanas, muitas delas ainda beirando o comportamento existente nos primórdios de nossa civilização. Ali ainda vigora o sistema de castas e a transformação de seres humanos em “impuros” que não fazem parte da sociedade, como se inexistissem. Este sentimento é mais forte nas vilas, onde a modernidade demanda tempo para chegar, a ponto de ainda manter uma visão estereotipada sobre o homem. Mas também existe nas grandes cidades.

Os “impuros”, que representam o que há de mais imundo sobre a Terra, são normalmente expulsos de suas aldeias, para que não venham a contaminar as outras castas. Não podem nem mesmo utilizar os potes de água ou entrar nos templos. Nas escolas, em certas cidades, não podem entrar nas salas de aula, devendo se manter do lado de fora. E naquelas em que lhes é permitido entrar, devem ocupar os últimos lugares. São os conhecidos dalits. A palavra indiana dalit significa “quebrado/ pisado/ oprimido”. Exatamente o que são.

Todo aquele que violar as regras de sua casta é expulso do sistema e transformado em dalit, o maior castigo que pode existir, pois a pessoa deve fidelidade absoluta à casta a que pertence. E, uma vez rebaixada, coloca todos os seus descendentes na mesma posição. Toda a família é castigada para incutir o medo nos demais e preservar a crueldade do sistema. E qualquer membro, pertencente a uma das castas, que vier a tocar ou receber um dalit, ou mesmo ser coberto por sua sombra, pode não apenas poluir a sua casa e família, assim como toda a casta a que pertence. E para ser purificado demanda uma série de ritos, incluindo o jejum e o incenso.

Na Índia há mais de 30 milhões de dalits, que não fazem parte nem mesmo do sistema hierarquizado das castas. Inexistem! Embora o princípio da intocabilidade tenha sido abolido na Constituição indiana, ele continua vivo na cultura do país. Em Bombaim, cidade conhecida mundialmente pela sujeira, a grande maioria deles está instalada em numerosas favelas, buscando refúgio nas ruelas e calçadas atulhadas de lixo e cães vadios, ou pedindo esmola aos turistas no centro da cidade.

Os dalits são vítimas de uma opressão múltipla. No tocante à religião hinduísta, não possuem acesso aos templos. E só se dão conta do fosso em que vivem, quando se convertem ao islamismo ou ao cristianismo, pois o hinduísmo legitima o sistema de castas (praticado por mais de 80% da população), a ponto de os dalits acharem que é correto viver dessa maneira, para pagarem pelos pecados feitos em outras vidas. E que assim deve ser, sem questionamento ou reclamação alguma, como reza sua crença religiosa.

No plano político, embora correspondam a 15% da população indiana, não são ouvidos pelos dirigentes do país. Não possuem voz.  Não são levados em conta. No plano econômico, mesmo que os governos tentem garantir-lhes o direito de posse de terras cultiváveis, os proprietários rurais das aldeias usam de todo tipo de violência para expulsá-los. A única solidariedade encontrada é entre eles mesmos.

O clamor dos excluídos e dos oprimidos indianos é sufocado pelos poderes tecnológico, econômico, político e religioso que imperam no país. Parte da Índia está se tornando um mundo rico, economicamente falando, mas continua com sua pobreza mental no tocante ao respeito pelos direitos de todos os seres humanos. Apesar disso, muita gente ainda credita à Índia uma espiritualidade que não encontra nenhuma base, quer pelo comportamento hostil de suas castas ou pela falta de solidariedade aos desfavorecidos. Mera enganação.

Os dalits na Índia (e Nepal) são excluídos de todo o bem comum e suas mulheres são violentadas e obrigadas a se prostituírem. São consideradas piores de que um cão que vive na rua, farejando restos pelo chão. Entre eles, 66% são analfabetos e a mortalidade infantil chega a 10%. A escritora indiana Thrity Umrigar revela o drama desse povo em seu livro “A Distância entre Nós”.

Muitos dalits estão acordando para a realidade cruel que os detém. E, para conseguirem romper, de certa forma, com o passado opressor, convertem-se ao Budismo (mais liberal e igualitário), ao Islamismo ou ao Cristianismo. E, apesar da discriminação que sofrem por parte de seus colegas de sala e professores, muitos dalits, convertidos a uma nova religião, estão conseguindo um diploma de curso superior. O que tem contribuindo para o nascimento de grandes líderes dalits. Os membros das castas mais baixas também tem se rebelado contra a situação em que vivem, promovendo várias revoltas pelo país.

 As tradições culturais e a forte religiosidade ainda resistem bravamente às ações governamentais e transformações econômicas que atingem a realidade presente dos indianos. Enquanto isso, o regime tradicional já contabiliza mais de três mil classes e subclasses que organizam esse complicado sistema de quebra-cabeça da sociedade indiana e a torna tão injusta.

Nota: Imagem copiada de http://www.lutheranworld.org

29 comentaram em “ÍNDIA – O QUE É UM DALIT?

  1. Sila Monteiro

    Lu

    Faço parte de uma Igreja e ouvi alguém falando um pouco da assistência que dão às crianças dalits. Fiquei interessada em conhecer mais sobre o assunto. Encontrei esse texto seu que me deixou ainda mais abismada. Gostaria, sim, que me enviasse mais alguns textos. Quero ler também o resumo do livro citado.

    Abraços

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Sila

      O sistema de castas na Índia é de uma crueldade sem limites. Aquele país nada possui de espiritualidade. Os dalits não fazem nem mesmo parte das castas. Vou lhe enviar um rico material sobre o assunto, fruto de minhas pesquisas. Vá lendo aos poucos.

      Beijos,

      Lu

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  2. Roberta

    Boa noite Lu, tudo bem?

    O Código de Manu a que você se refere é o mesmo conhecido como Código de Hamurabi? Porque a diferença no nome?

    Obrigada

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Roberta

      Roberta
      Não, minha amiguinha, tratam-se de dois códigos diferentes. Veja o e-mail que vou lhe enviar.

      Beijos,

      Lu

      Responder
  3. Desirée Panza

    Olá!
    Há algum aspecto físico, ou nas vestimentas ou no comportamento que diferencie um dalit de alguém de casta? Como uma pessoa nota essa diferença? E já que eles podem deixar de ser dalits mudando de religião, por que não o fazem? E após essa mudança de religião, eles são aceitos pelos hinduístas?
    Obrigada! 🙂

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Desirée

      O hinduísmo é dividido em castas, mas ainda assim, os “dalits” não fazem parte de nenhuma delas, tão estarrecedora é a posição deles na sociedade indiana (mais de 80% professam essa religião. São tidos como a poeira dos pés de Brahma. Eles diferem em tudo dos outros indianos: moram em favelas ou nas ruas, mendigam, vestem trapos, fazem os piores serviços, não são aceitos na sociedade, não são escolarizados. Em muitos lugares, no interior da Índia, ainda usam sinos nos pés, para avisarem sobre sua aproximação. São tidos como impuros, de modo que as castas nada comem de suas mãos. Mesmo assim, grandes figuras têm surgido dentro dos “dalits”, apesar do extremo preconceito.

      Muitos “dalits”, ao longo dos tempos, vêm mudando de religião, inconformados com a posição ocupada. Passam a professar o islamismo, cristianismo ou budismo. Outros, entretanto, acreditam piamente na religião budista, que prega que ninguém pode mudar de casta, nem o “dalit” pode deixar de ser um “intocável”. Se isso acontecer, a pessoa volta numa posição pior ainda, na outra vida. São os conformados com o modo como vivem.

      Mesmo que mudem de religião, para o hinduísmo, eles continuam sendo “dalits”. Mesmo que tire na loteria, mesmo seja dono de uma grande empresa. Com a globalização, muitos “dalits” ascenderam na vida, ainda assim, escondem o sobrenome por causa do preconceito. Os sobrenomes indicam a posição das pessoas, assim como suas profissões.

      Amiguinha, vou lhe passar alguns links sobre o tema.

      Abraços,

      Lu

      Responder
  4. José Elias

    Lu,

    Estou lendo os artigos sobre os dalits. Encontrei no índice de livros do seu blog. O artigo “Índia – o que é um dalit?” tem uma frase que me deixou com uma dúvida importante:

    “Todo aquele que violar as regras de sua casta é expulso do sistema e transformado em dalit…”

    A violação das regras das castas a que a frase acima se refere inclui condutas que consideramos crimes aqui no Brasil, como assassinato, assalto, sequestro e estupro? A proteção do sistema de castas equivale visa a proteger a segurança pública, como entendemos aqui? Você pode dar alguns exemplos de regras que, se violadas, acarretam a transformação de uma pessoa num dalit?

    Muito obrigado,

    José Elias

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      José Elias

      As castas são regidas por leis próprias, cuja finalidade é perpetuá-las. Como já sabe, o “dalit” (ou intocável) é tão baixo na escala social indiana, que não tem nem casta. O maior medo das pessoas de castas é cair na posição de um deles. O hinduísmo (religião) prega que a casta é o merecimento da pessoa, e que ela já nasce com ele. Se alguém nasceu brâmane, mesmo que não tenha um tostão furado, será eternamente um brâmane. Mas se nasceu “dalit”, ainda que se torne rico, continuará sendo “dalit”. O que importa é posição da família em que se nasce. Na verdade, isso é uma maneira de perpetuar a posição das classes altas, sem nenhuma preocupação com o bem-estar dos menos favorecidos.

      Vejamos algumas regras:
      – Uma pessoa de uma casta mais alta não pode ter contato com uma de casta inferior, a não ser numa relação de trabalho, mas sem nenhum contato afetivo.
      – Uma pessoa de uma casta superior não pode se casar com uma de uma casta inferior.
      – Nenhuma casta pode comer comida feita por um dalit e tão pouco tocá-lo (antigamente não podia receber nem a sombra desse, tendo os intocáveis que andar com sinetas nos pés, para avisar que estavam se aproximando. Isso ainda acontece no interior do país).

      A quebra de qualquer dessas condutas transforma o indivíduo em “dalit”, por exemplo. Depois leia o Código de Manu, para compreender melhor esse processo. O mais triste é que, entre os “dalits”, também existem as diferenças. Eles organizaram uma espécie de castas entre eles. Loucura, não é mesmo?

      Abraços,

      Lu

      Responder
  5. José Elias

    Lu,
    Eu imaginava o que fosse um dalit, por leituras que fiz numa enciclopédia, quando jovem. Você entrou em detalhes, mas não me deixou horrorizado. Eu já esperava algo terrível.

    Muito obrigado por esclarecer.

    J. Elias

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      José Elias

      Vejo que você gosta de saber sobre o assunto, portanto, encaminho-o para ler o resumo de um livro que fiz sobre um escritor francês que se transformou num dalit, durante um mês, e depois escreveu o livro. Veja como encontrar:
      1- Clique no ÍNDICE GERAL do blog.
      2- Clique em LIVROS
      3- Clique agora em RAM-MUNDA (são 13 pequenos capítulos).

      Conheça verdadeiramente o que é a vida de um dalit.

      Abraços,

      Lu

      Responder
        1. LuDiasBH Autor do post

          José Elias

          Desejo o mesmo para você. E lembre-se de que o ano transcorre dentro de nós. Podemos fazê-lo bom ou ruim.

          Abraços,

          Lu

    1. LuDiasBH Autor do post

      Leandro

      Que maravilha! Quando voltar, espero que produza alguns textos para o nosso blog. Será um grande prazer para nós, leitores.

      Abraços,

      Lu

      Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Ronan

      O mais triste é saber que a religião (hinduísmo), que deveria contribuir para a união das pessoas, separa-as. O hinduísmo prega a separação de castas, que no fundo não passa de uma forma de manter o poder das castas ricas. E os “dalits” (intocáveis) que seguem o hinduísmo, acreditam que devam permanecer naquela miséria extrema, para que voltem numa condição melhor na outra vida, ou seja, para que voltem numa casta alta. Acham que, se não aceitarem as condições em que vivem hoje, voltarão nas mesmas condições de agora. Mas muitos deles passaram a professar o budismo, o islamismo e o cristianismo, mudando totalmente o modo de ver a própria situação. É realmente um sistema desumano. E ainda falam em espiritualidade.

      Agradeço a sua visita e o seu comentário. Será sempre um prazer recebê-lo aqui neste blog.

      Grande abraço,

      Lu

      Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Cristiane

      Sim, eles já nascem “dalits” (intocáveis). Isso porque na Índia, a religião hinduísta prega a divisão de castas. Quem nasce numa casta tem que viver nela até o fim de sua vida. Nada que faça poderá mudar sua condição. Vou lhe passar alguns textos via e-mail, para entender melhor.

      Os “dalits” são tão miseráveis, que nem pertencem a casta alguma. Os hindus dizem que eles são a poeira dos pés de Brahma. E tem que permanecer assim para voltarem numa condição melhor na outra vida. É como se eles estivessem pagando um crime cometido em “vidas passadas”. Se mudarem de vida, continuarão voltando “dalits”. Filhos de “dalits” serão também “dalits”, mesmo que pudessem ficar milionários. É uma loucura, mas é assim.

      Beijos,

      Lu

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  7. Ilda

    Meu Deus, Lu, isso existe até hoje? Para um país que se acha muito espiritual não tem lógica uma separação de pessoas de maneira tão cruel. Ainda que houvesse espiritualidade, acabaria se reduzindo a NADA por causa desta infâmia. Que tristeza!

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Existe, sim, minha amiguinha. Nasceu do Código de Manu (leia no blog). Outra coisa, os indianos são racistas, só querem se casar com mulheres brancas. Por isso, só acredita na espiritualidade quem quer. O que vejo é um tremendo barbarismo.

      Na parte de LIVROS, (ÍNDICE GERAL) do blog, um francês metamorfoseou-se em “dalit” e viveu um mês entre eles. Escrevi sobre cada capítulo do livro e o postei (RAM MUNDA). Veja lá, para fica ainda mais horrorizada. Vou lhe repassar via e-mail.

      Abraços,

      Lu

      Responder
      1. Ingrid

        Lu
        Tem como você mandar o link do Código de Manu e o livro sobre os dalits? Eu tenho uma dúvida: por exemplo como aconteceu na novela Caminho das Índias, Maya tem um filho com um dalit, o bebê é dalit ou não?

        Responder
        1. LuDiasBH Autor do post

          Ingrid

          Seja bem-vinda a este espaço!

          Amiguinha, na realidade, o que acontece na novela é uma fantasia, pois uma mulher, de qualquer que seja a casta, jamais se aproxima de um dalit e muito menos tem um filho com ele. O preconceito é muito forte. Quanto ao bebê,supondo que isso ocorra, se vier a ser conhecida a sua origem, também será tido como um dalit. Irei lhe passar o link pedido.

          Abraços,

          Lu

    1. LuDiasBH Autor do post

      Rízia

      É de nos abismar, mesmo.
      Como ainda pode haver tanta crueldade em pleno século XXI?
      Ainda que não queiramos, elas existem.

      Leia o interessante livro INDIANO, cuja resenha encontra-se aqui no blog, em LIVROS.

      Grande abraço,

      Lu

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    2. Eliataluz

      Quanto preconceito, isso é desumano cruel. Segundo me recordo, o Código de Manu diz “olho por olho e dente por dente”. Um terror!

      Responder
      1. LuDiasBH Autor do post

        Eliata

        É exatamente isso! O Código de Manu era de uma extrema crueldade para com os pobres, enquanto favorecia as classes ricas. A Índia ainda se vê nas amarras desse código, em muitos pontos. Leia aqui no blog o artigo que fala sobre o “Código de Manu e as Mulheres”.

        Muito obrigada por sua visita e comentário. Volte mais vezes.

        Abraços,

        Lu

        Responder

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