Trata-se da maior obra de Manet, aquela na qual ele realizou um sonho compartilhado por todos os artistas: pintar figuras em tamanho natural em uma paisagem. (Èmile Zola)
A arte nem sempre foi tão liberal como em nossos dias. Não apenas na época da Renascença, mas até o século XIX ela esteve atrelada a códigos rígidos, como podemos ver através do célebre Salão de Paris, em que quem não rezasse, conforme sua cartilha academicista ficava de fora. Manet, com a sua composição Almoço na Relva, viu-se no torvelinho das críticas, ao fugir às regras, fato que o tornou uma celebridade, tendo sua obra recusada pelo Salão de 1863. A crítica dizia respeito tanto ao tema quanto à técnica de pintura usada pelo artista. Os críticos acharam inclusive que o fundo estava mal pintado, apenas delineado. Outro ponto criticado foi o tamanho da banhista ao fundo. Acontece que nesta tela, o artista já demonstra a sua ligação com os impressionistas.
Esta tela de Manet é uma forma moderna de interpretar a arte antiga em que o nu era comumente encontrado. No entanto, o quadro causou um grande furor quando foi apresentado, tanto por parte dos críticos quanto pela opinião pública. Pareciam querer trucidar o artista. Se a nudez já era comum na obra dos grandes mestres da pintura, não era de se esperar tamanho alarido. Para alguns críticos, o contrassenso de Manet residia na forma como a figura nua foi apresentada, sem nenhuma referência mitológica ou qualquer outra que indicasse a necessidade do nu, ou seja, sem pretexto para que a nudez ali se encontrasse. Ela estava ali porque o pintor assim desejou e ponto final. Mas não era bem isso o que pensavam os críticos daqueles tempos.
Na composição Almoço na Relva estão presentes quatro personagens: uma mulher inteiramente nua, assentada perto de dois homens vestidos, conforme os costumes da época, e outra que se banha nas águas de um pequeno rio, ao fundo, usando somente roupas de baixo. Não existe nenhum contato visual entre eles. O local, onde o grupo encontra-se, parece um parque ou parte de uma pequena floresta. Alguns viram a composição como o encontro de prostitutas com seus clientes, tamanha foi a maldade.
Em primeiro plano, à direita da mulher despida, nota-se uma grande quantidade de objetos esparramados pela relva: uma cesta de vime contendo frutas, possivelmente restos do almoço, virada para o observador, sobre aquilo que parece ser as vestes da mulher nua, assim como seu chapéu de palha com laços preto e lilás, dentre outros objetos como pão e uma garrafa de vidro . A natureza-morta chama a atenção pela sua beleza.
A modelo Victorine que aparece em muitas obras de Manet posa aqui ao lado dos dois irmãos do pintor. Enquanto ela se encontra totalmente nua, seus companheiros vestem jaquetas escuras acompanhadas por calças num tom mais claro. Sua postura parece estranha, pois ela não apoia seu cotovelo no joelho, como seria normal. Ela não aparenta nenhuma inibição ao fixar o observador. Um dos homens dirige-se ao outro, mas este não lhe volta o olhar, que está fixo no observador.
A banhista ao fundo, pintada numa escala desproporcional à distância em que se encontra, parece muito grande em relação ao barco ancorado à sua esquerda e aos demais personagens. Nos muitos esboços feitos pelo pintor, ela se encontra na escala e perspectivas corretas, portanto, as mudanças feitas por Manet foram intencionais.
Manet acrescenta um pequeno toque de humor à composição, ao colocar no canto inferior esquerdo da tela, próximo a uma faixa lilás, um pequenino sapo. Um pintassilgo, com seu corpinho avermelhado, adeja acima da mulher que toma banho. Para que o leitor veja como o artista foi perseguido, a presença da pequena ave chegou a ser comparada com a pomba, símbolo tradicional do Espírito Santo, numa pintura “obscena”.
Apesar das críticas recebidas em razão de o Almoço na Relva, Manet teve os seus passos seguidos por muitos pintores nos anos seguintes, fazendo obras parecidas. Embora a composição passe para o observador a impressão de que foi feita no local, ela foi, na verdade, pintada num estúdio. Segundo Antonin Proust, Manet retirou a inspiração para o quadro ao ver as banhistas nas margens do rio Sena em Argentuil.
Ficha técnica:
Ano: 1863
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 208 x 264 cm
Localização: Museu d`Orsay, Paris, França
Fontes de pesquisa:
Manet/ Abril Coleções
Arte/ Publifolha
Tudo sobre arte/ Sextante
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Obrigada Lu, por esta oportunidade de aprender uma pouco mais sobre arte.
Sandra
Sou eu quem lhe agradece pelo incentivo dado ao blog.
Se não houvesse pessoas como você, não teria sentido todo o meu trabalho de pesquisa.
Portanto, amiguinha, este cantinho também é seu.
Abraços,
Lu
Perfeita a sua ánalise . Até então não sabia que o pintassilgo havia sido comparado com uma pomba, “profanando” assim o símbolo do Espírito Santo.
Permita-me acrescentar que inicialmente a tela tinha o titulo de LE BAIN, ou seja O BANHO.
Um abraço!
Ju
É verdade! A tela tinha o nome de Le Bain.
A tentativa de mostrar o pintassilgo como a pomba do Espírito Santo também foi uma maneira de desmoralizar a obrar de Manet.
Ao Salão de Paris, toda forma de calúnia valia a pena, desde que continuasse ditando as normas daquilo que imaginavam que deveria ser a arte.
Manet foi um dos responsáveis por derrubá-lo. Ainda bem.
Grande abraço,
Lu
Olá Lu!
Esse é um dos quadros impressionistas mais famosos, e um dos que eu mais gosto. O olhar da banhista nua, encarando o espectador, é como um desafio à hipocrisia da arte acadêmica da época. Deusas nuas, tudo bem: mulheres comuns nuas, minha nossa!
Aliás, todo o movimento impressionista foi um choque para a estética artística, e um banho de criatividade e talento. Felizmente, o valor do trabalho deles foi reconhecido, e pudemos apreciar algumas das obras de arte mais bonitas da história.
Parabéns pelo ótimo artigo!! 🙂
Cris, minha linda, é sempre um prazer tê-la aqui no blog.
Naquela época, tudo que afrontasse o “velho” era visto como imoralidade.
Não porque assim o fosse, mas se tratava de impedir que o “poder” saísse das mãos de um pequeno grupo.
Cada novo estilo que nascia, tinha que ser combatido nas raízes, para não dar fruto.
Mas todo poder cai… por mais arraigado que possa parecer. E foi o que aconteceu com o Salão de Paris.
Eu também gosto muito desta composição de Manet.
Olímpia também está vindo por aí, aguarde.
Abraços,
Lu
Oba! Olímpia também é um quadro revolucionário e lindo, em breve eu volto pra comentar seu artigo. 😉
Já lhe disse algumas vezes, Lu, e repito: ainda vou acabar sendo crítica de arte. O curso que faço com você é ótimo. Sempre me lembro do bordão do Alberto Dines: assistindo o Observatório da Imprensa você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito. E eu digo: Lendo os textos da Lu Dias, você nunca mais vai ver uma obra de arte com o mesmo olhar.
Hila
Você é ótima… risos.
Seu comentário traz-me uma grande alegria, pois me debruço sobre uma penca de livros de arte, onde passo inúmeras horas, tentando dar o melhor de mim.
Confesso-lhe, estou a aprender junto com vocês.
Cada novo mestre, é um aprendizado diferente.
Além da história de vida dos gênios, a maioria delas muito sofrida, ainda ficamos conhecendo um pouco do legado enriquecedor que nos deixaram.
No momento, estou debruçada sobre Matisse.
Beijo no coração,
Lu